Serge Goulart: Luta de classes na Palestina

Luta de classes na Palestina

 

“Esta guerra contra o terror levará tempo e determinação, mas tenham certeza de que venceremos.”, George W. Bush, 11 de setembro de 2001.

“A crise no Oriente Médio é parte da luta entre as forças de liberdade e as forças do terror.”, George W. Bush, 31 de julho de 2006.

 

O povo palestino sofre uma guerra de extermínio que começou em 1947 e 1948, com a partilha imperialista da Palestina feita pela ONU, teve um novo momento com o 11 de setembro de 2001 e se mantem até hoje na política sionista do “Grande Israel”. Esta situação só pode ser compreendida dentro do contexto mais amplo da luta de classes em escala internacional.

Trata-se de um contexto que nos remete à virada na situação mundial fruto dos ataques terroristas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001. Condenáveis atentados, que acabaram por servir de pretexto para Bush e o imperialismo americano iniciarem uma guerra contra os povos do mundo, e em especial contra a classe trabalhadora. E esta guerra, iniciada após o 11 de setembro, mas longe ainda de estar terminada é a expressão maior da decomposição do regime da propriedade privada.

A etapa do capitalismo que se iniciou com o século XX, a etapa do imperialismo, definida magistralmente por Lênin como época de “guerras e revoluções”, tem tido como característica crucial o recrudescimento de inúmeras variantes de ódio nacional, bem como de conflitos de caráter étnico, racial e religioso.

Todavia, estas manifestações reacionárias de ódio nacional não se explicam jamais por si só. O fundo da questão nacional, étnica e racial em nosso tempo tem uma forte base econômica e política. Ela se explica em grande parte pelo fato de que na etapa imperialista, marcada pela dominação econômica de um pequeno número de grandes monopólios capitalistas, há uma eterna e mortal disputa por lucros, matérias-primas, mercados e uma enorme tendência ao rebaixamento do valor da força de trabalho, que exige do capitalismo o controle dos cinco continentes. Ela se explica também pelo fato de que o ódio nacional é um excelente remédio capitalista para afastar as massas da luta de classes, da revolução proletária, do único verdadeiro caminho para a emancipação humana e o fim de toda a opressão.

Não é a toa que os marxistas sempre cerraram fileiras em defesa da igualdade e fraternidades entre os povos. Desde Marx no Manifesto Comunista defendemos a ideia de que “Os operários não tem pátria”. Trotsky, no Programa de Transição, retoma a mesma ideia de outra forma fazendo “A denúncia intransigente dos preconceitos de raça e de todas as formas e nuances da arrogância e do patriotismo nacionais”.

Inúmeros são os exemplos das manipulações nacionalistas e raciais do imperialismo, com objetivo de dominação econômica e política.  Para justificar a colonização e exploração da África e da Ásia durante o século XX, os diferentes imperialismos invocaram a falaciosa “superioridade do homem branco” e incentivaram todo o tipo de ódios entre os povos, muitos dos quais vigentes até hoje (como no caso dos tutsis e hutus africanos retratado no filme Hotel Ruanda).  Assim como também incentivaram diversas formas de nacionalismo e “patriotismo” para justificar perante suas populações os horrores das grandes guerras mundiais capitalistas.

O racismo contra os negros no Brasil tem como um de seus principais motivos, a necessidade de se rebaixar o valor da força de trabalho. Desde a abolição, criou-se no Brasil um verdadeiro exército de reserva, na medida em que os negros foram marginalizados e postos literalmente fora do mercado de trabalho. Com isso, toda a classe trabalhadora branca ou negra perde, pois a burguesia pode se aproveitar dos negros marginalizados e manter os salários em um nível mais baixo.

A chamada “guerra ao terror” de Bush, iniciada em 11 de setembro, mesmo se formalmente não reivindica uma superioridade nacional/racial das supostas “forças da liberdade”, tem como efeito a estigmatização de todo o mundo muçulmano como “bárbaros fundamentalistas”, “terroristas por natureza”.

São povos e países inteiros que tem sofrido uma verdadeira punição coletiva.

Primeiro, foi o Afeganistão e seu povo que já em 2001 começou a ser massacrado pela máquina de guerra dos EUA. Osama Bin-Laden e os Talibãs, grupo político-religioso ultrarreacionário foram na origem armados pelos EUA no fim dos anos 70, como contrapeso à ocupação soviética no Afeganistão. Depois quando Osama virou o inimigo número 1 de Bush, este não hesitou em invadir aquele pobre país.

No que tange ao Iraque, não é necessário repetir a fraude das “armas de destruição massiva” que legitimou a guerra e a ocupação em vigor. Até parlamentares do Congresso norte-americano viram-se constrangidos a denunciar tal fraude. E tal como Osama, Saddam Hussein fora um amigo dos EUA quando estes apoiaram o Iraque na guerra contra o Irã. Esta guerra rendeu mais de 1 milhão de mortos nos anos 80.

Na guerra levada por Israel contra o Líbano, em 2006, e de forma permanente contra os palestinos, nos massacres na faixa de Gaza, a responsabilidade dos EUA em sustentar o regime sionista do Estado de Israel é incontestável. Aqui a “punição coletiva” se dá contra o povo palestino.

Todavia, apesar de serem as principais vítimas, não são apenas os muçulmanos que tem a perder com a “guerra contra o terror”.

A própria população israelense se vê cada vez mais envolvida num espiral de guerra e violência interminável causado pela política do sionismo, que transforma todo o país numa fortaleza militar.

Mas, sobretudo, é o mundo inteiro que deve se sentir ameaçado. A “guerra contra o terror”, dentro da qual os ataques israelenses são o último capítulo de uma política que visa não apenas transformar o Oriente Médio num protetorado dócil aos interesses imperialistas. É nisso que consiste a proposta de uma “força internacional” no Oriente Médio, ideia patrocinada pelas potências, como “solução” para o recente conflito.

As guerras atuais do imperialismo visam também assustar e amedrontar os povos, num contexto em que as massas se levantam pelo mundo.

Tendo contextualizado a situação podemos agora passar para uma análise do Estado de Israel e da questão judaica, uma análise da questão palestina que emerge com o Estado de Israel, a discussão de uma alternativa compatível com a paz e fraternidade entre os povos.

 

Estado de Israel é uma falsa solução para a questão judaica

 

O Sionismo é a ideologia fundamental do Estado de Israel. O movimento sionista foi fundado pelo jornalista judeu-austríaco Theodor Herzl. No livro “O Estado Judeu” de 1896 de Herzl estão as ideias fundamentais que embasaram o movimento sionista desde a sua origem, e que no essencial continuam presentes na ideologia de Israel.

O argumento de Herzl era de que a única forma de os judeus se livrarem das brutais perseguições a quem eram submetidos há séculos na Europa, seria a criação de um Estado judeu. Esse estado deveria ser sediado na região da Palestina, pois esta região fora a morada dos judeus da Antiguidade, até aproximadamente o ano 70 d.c quando o Império Romano destruiu Jerusalém e os antigos judeus passaram a se espalhar por diferentes lugares do mundo.

Falsamente, os sionistas argumentavam que a Palestina havia se tornado no fim do séc. 19 uma região praticamente desabitada. Na realidade, centenas de milhares de árabes habitavam a Palestina e a região era dominada pelo Império Turco-Otomano. “Um povo sem terra para uma terra sem povo”, o lema dos sionistas, no fundo, era uma grande farsa.

Mas, a despeito disso, seria o sionismo uma verdadeira solução para por fim ao antissemitismo, às perseguições aos judeus?!

Para entender as bases históricas do antissemitismo, é necessário resgatar o papel econômico e social dos judeus ao longo da história, em especial da história da Europa.

Porque os judeus, compreendidos como um grupo de indivíduos com a mesma religião e características culturais comuns, pode sobreviver durante tantos séculos sem ter um território comum? Por que os judeus, como os demais antigos povos da humanidade, não acabaram sendo assimilados a outros povos, culturas, religiões?

Durante todo o período feudal que sucedeu o fim do Império Romano, a riqueza era produzida pela exploração dos camponeses por parte dos senhores feudais. Cada feudo era uma unidade econômica autônoma e independente.  O centro da vida econômica era rural e o comércio tinha uma importância relativamente pequena. Os judeus nesse período eram notadamente um povo urbano, que se ocupava do comércio, do artesanato, e de atividades de empréstimo, realizando atividades de intercâmbio entre feudos e regiões.

Em determinadas situações, os judeus eram protegidos pelos reis e senhores feudais. No entanto, em vários momentos casos, os judeus acabavam por ser perseguidos e expulsos de uma região, notadamente quando a nobreza se endividava com os judeus ou simplesmente desejava pilhá-los, ou então em momentos que esta nobreza precisava desviar de si a cólera dos camponeses explorados. O papel econômico assumido historicamente pelos judeus de comerciantes e de emprestadores de dinheiro numa sociedade baseada na agricultura, facilitava o antissemitismo, ainda mais num contexto em que a poderosa Igreja Católica fomentava o mito do “judeu assassino de Cristo”.

Os judeus tinham, portanto um papel útil na economia de então. Eram barbaramente perseguidos em determinadas ocasiões, mas a classe nobre de conjunto não podia se desfazer dos judeus.

No livro a “Questão Judaica”, o Marx afirma genialmente que “os judeus não sobreviveram apesar da história, mas justamente, por causa da história.” Por vários séculos, os judeus foram um “povo-classe”, que mesmo alheios à propriedade e ao trabalho na terra, eram funcionais pelo seu papel comercial e monetário.

Em “A concepção materialista da questão judaica”, de Abraham Leon[1], esta ideia é reforçada, quando demonstra que em várias ocasiões, um judeu que porventura acabasse por conseguir trabalho como servo num feudo, acabava por se converter ao cristianismo. Já quando um cristão se somava às atividades urbanas dos judeus, muitas vezes convertia-se ao judaísmo[2].

Assim, o judaísmo sobrevive, não por ser “melhor” ou “pior” mas por representar uma dada classe-social, enquanto que o cristianismo era a religião fundamental de nobres e camponeses.

Quando o capitalismo passa a se desenvolver na Europa, em detrimento do sistema feudal, a situação dos judeus muda bruscamente. As cidades, o comércio, a indústria, as finanças passam a ser o centro da economia. Nesse contexto muitos judeus passam a ser assimilados e se convertem ao cristianismo. Ao mesmo tempo, passa a ocorrer uma diferenciação social entre os próprios judeus, que passam a não mais ser um povo-classe, mas sim a se dividir entre judeus capitalistas e judeus trabalhadores.

Na etapa imperialista que se inicia no fim do século 19, o antissemitismo sobrevive com força, mesmo de que de uma forma diferente. Pode-se constatar dois tipos de antissemitismo: o chamado antissemitismo supostamente “anticapitalista” e o antissemitismo “anticomunista”.

O antissemitismo supostamente “anticapitalista” era a tentativa de identificar os males do capitalismo, a exploração, a miséria das massas, com os judeus. Esta retórica anti-judaica e supostamente anticapitalista, na maioria das vezes, era insuflada pelas próprias classes dirigentes[3]. Com isso, tentavam fazer crer a população de que o problema não era o sistema capitalista e a burguesia como um todo (independentemente da religião dos capitalistas). O nazismo, por exemplo, utilizou-se deste expediente para roubar a burguesia judaica em nome do imperialismo alemão.

O antissemitismo “anticomunista” era a tentativa de identificar o marxismo (e depois da Revolução Russa o bolchevismo) como uma “criação dos judeus”. Baseando-se no fato de que milhares de judeus tinham participação importante no movimento operário, como Rosa Luxemburgo e Trotsky, por exemplo, buscava-se no fundo atacar e dividir a classe trabalhadora.

Uma forma ou de outra de antissemitismo[4], gerava além da opressão humana (cuja página mais cruel foi o holocausto da Segunda Guerra Mundial), tinha por efeito afastar os trabalhadores da luta de classes e desviá-los da luta pela abolição de toda a propriedade privada.

Para os marxistas, a luta contra o antissemitismo, só pode ser vitoriosa se combinada a uma luta contra o imperialismo, que fomenta os ódios raciais. Não há uma solução do preconceito contra os judeus, fora do combate pelo socialismo.[5] Assim como não há solução para o racismo contra os negros, ou do fim do preconceito recente contra os povos islâmicos, dentro do regime da propriedade privada dos meios de produção.

O sionismo, ao contrário aceita o preconceito, a discriminação e propõe a solução “bíblica” de um retorno à Palestina. Pois afinal, a lógica do sionismo tem como paralelo a lógica do antissemitismo: se os antissemitas querem se livrar dos judeus, o sionismo acaba por fazer este trabalho, levando-os à Palestina. [6]

Até a Primeira Guerra Mundial, o sionismo era muito minoritário entre os judeus. Apenas alguns burgueses judeus, como o barão de Rothschild, eram entusiastas deste movimento com o intuito declarado de se livrar de seus “patrícios socialistas”.

A coisa muda de figura, quando a partir de 1918, a Inglaterra toma o controle da Palestina ao mesmo tempo em que também controla vários países do Oriente Médio. Mas a dominação inglesa não é tranquila, por toda a região movimentos contra a colonização se desenvolvem.

É neste contexto que o imperialismo britânico passa a estimular o sionismo e a imigração de judeus para a Palestina. Com isso, os ingleses buscavam por em prática a velha regra do “dividir para reinar”.

 Os seis milhões de judeus mortos na Segunda Guerra dramatizam ainda mais a situação. As dificuldades de inúmeros sobreviventes obterem vistos numa série de países dá combustível para uma gigantesca imigração coordenada pelos sionistas.

É neste contexto que a ONU, em 1947, decreta a partilha da Palestina em 2 estados: um judeu e outro árabe, dividindo artificialmente a região fazendo com que cada estado passasse a controlar aproximadamente metade da Palestina. Esta decisão, apoiada na época pelos EUA e também pela URSS[7], mas fundamentalmente repudiada pelos árabes da Palestina, foi o estopim do banho de sangue.

Em 1948, quando as tropas inglesas abandonam a região e os sionistas decretam o Estado de Israel, começa a primeira guerra entre Israel e os países árabes, que acaba sendo vencida pelo Estado judeu. Israel expande seu território para 75% da Palestina acarretando na expulsão ou fuga de cerca de 800 mil palestinos de suas casas, iniciando o que os palestinos chamam até hoje de “Al-Nakba.” [8]

Os 25% restantes da Palestina passam para controle do Egito (Faixa da Gaza), e da Jordânia (Cisjordânia e parte leste de Jerusalém). Oprimidos, expulsos, e finalmente sem controle algum sobre o seu território, os palestinos passam a vivenciar o que certamente é o maior drama nacional do pós-segunda guerra, drama que persiste como nunca até os nossos tempos.

Na Guerra de 1967, a chamada Guerra dos Seis Dias, mais uma vez Israel derrota os países árabes coligados e passa a dominar toda a Palestina, ocupando Gaza, a Cisjordânia e toda a cidade de Jerusalém.

O martírio palestino intensifica-se. Os que permanecem nos territórios ocupados passam a viver sob o constante tacão do Tsahal (Exército Israelense), submetidos à repressão, mortes, prisões e humilhações.

Isso, por outro lado, não arrefece a luta de libertação do povo palestino, que passa a ter como principal organização a OLP (Organização pela Libertação da Palestina).

Vale dizer que além da repressão sionista, as próprias classes dirigentes árabes buscam controlar e mesmo reprimir a luta sempre revolucionária do povo palestino. A influência e o prestígio que a OLP adquirem junto aos palestinos (de dentro da Palestina como os refugiados em outros países), mas também junto às massas árabes em geral é motivo de constante preocupação para as elites árabes. [9]

Para esmagar a resistência palestina que ganha novo fôlego com a Intifada (guerra de pedras) que se inicia em 1988, seria necessário um plano mais engenhoso e supostamente mais “democrático” ...

 

Os Dois Estados como falsa solução da questão Palestina

 

Esta solução seriam os acordos de Oslo, patrocinados pelos EUA em 1993, e assinados por Arafat, líder da OLP e por Israel, que consistem no estabelecimento de um Estado Palestino em Gaza e na Cisjordânia ao lado do Estado judeu.

A solução de Oslo, que é o que efetivamente tem se buscado aplicar nos últimos anos, significa um Estado palestino sem continuidade territorial[10], ao mesmo tempo em que o direito ao retorno dos refugiados é suprimido.

Além disso, Israel mantém até hoje suas colônias na Cisjordânia, e em nome delas mantém sua ocupação militar. Constrói o chamado “muro da vergonha”, que invade o território que deveria estar sob controle da Autoridade Palestina, e mantém o controle total sobre a cidade de Jerusalém. Mesmo Gaza que foi formalmente desocupada por Israel em 2005, voltou a ser ocupada diversas vezes e em cada vez um novo massacre ocorreu. O que só prova que a Autoridade Palestina não nenhum estado, muito menos soberano.

A solução de dois estados, no fundo, é a tentativa do imperialismo e do sionismo de dividir a resistência do povo palestino, povo que hoje vive disperso em Israel, Gaza, Cisjordânia e nos países árabes vizinhos.

A maioria dos regimes árabes sustenta tal posição. A própria OLP que historicamente defendera um Estado único onde todos pudessem viver “independentemente de sua religião ou nacionalidade” passa a defender os dois Estados.

A maior parte das organizações de esquerda também se pronuncia pela continuidade da partilha da Palestina, com destaque para a posição do Secretariado Unificado. [11]

É certo que muitos que defendem esta solução visam de fato a paz e a justiça. Mas o balanço recente dos acordos de Oslo mostra que eles na prática significam a continuidade da opressão e do banho de sangue.

Não é a toa que, em outubro de 2000[12], os palestinos começaram uma segunda Intifada, pois a conjuntura pós-acordo de Oslo continuava aniquilando sua soberania e pondo em risco sua sobrevivência.

 

Uma crise que só se aprofunda

 

De um lado a Segunda Intifada Palestina, que continua. Do outro a conjuntura mundial de “guerra ao terror” pós 11 de setembro de 2001.

Esses fatores são os ingredientes principais que explicam as mudanças recentes que tem ocorrido na política de Israel, e também nos territórios ocupados.

O Hamas, em pouco tempo passa a ser a principal força política palestina e ganha as eleições parlamentares contra a Fatah no início de 2006. Esta última organização, que vinha dirigindo a Autoridade Palestina e o Parlamento passa ser acusada de corrupção e abandonada por muitos palestinos. Além disso, co-patrocinador dos acordos de Oslo[13], o Fatah é visto por muitos como complacente com a ocupação imposta por Israel.

O Hamas passa ser visto então como uma organização de resistência que não aceita a política de Israel. Evidente que isso não nos faz concordar com o Hamas, na medida em que este que busca “islamizar” toda a Palestina exercitando sua retórica que por vezes condena todos os judeus e não apenas Israel. Assim como sua política de terrorismo com homens bomba.  Mas não podemos ter dúvida: o opressor, o maior responsável pelo banho de sangue é o Estado de Israel. E não seria exagero dizer que a política opressora de Israel, somada às atitudes políticas do Fatah, criaram terreno fértil para que o Hamas angariasse tanta simpatia.[14]

Não é também exagero dizer que Israel desde a vitória eleitoral do Hamas começa a se preparar para uma nova ofensiva. Evidentemente tudo acordado com Bush, tudo dentro do contexto da “guerra ao terror”.

E para realizar tal ofensiva, foi necessário em primeiro lugar tentar minimizar a oposição interna dos próprios israelenses. Nos últimos anos surgiu em Israel o movimento dos chamados “refuseniks”, formado por centenas de militares que tem abertamente criticado as ações de Israel, sendo muitos inclusive presos por desobediência ou abandono do exército.

Ao mesmo tempo, vinham crescendo em Israel manifestações que uniam judeus e palestinos contra a construção do “muro da vergonha”.

Se por um lado, tanto os “refuseniks” como os atos contra o muro não foram manifestações de massa, eles não podem ser desconsiderados num país como Israel, aonde a violenta pressão da ideologia sionista se faz sentir em toda e qualquer instituição.[15] Não é a toa que organizações pacifistas em Israel vinham sendo perseguidas e até ocupadas pelo Exército.

Capítulo à parte na conjuntura de Israel é o papel de Amir Peretz. Anteriormente um crítico da política econômica e do racismo reacionário de Ariel Sharon, este líder sindical, chamado por alguns de “Lula de Israel” foi alçado ao ministério da defesa israelense pouco depois da vitória do Hamas. O objetivo era claro, conduzir e bloquear os trabalhadores de Israel e formar em toda Israel um bloco unitário em defesa do governo, do sionismo e do Estado de Israel.

 

Um único Estado laico como solução democrática para judeus e palestinos

 

Mas é possível parar essa máquina de guerra?

A questão deve ser colocada do seguinte ponto de vista: é possível a paz enquanto existir na Palestina um Estado fundado numa ideologia racista como o sionismo, baseado na ideia de “judaizar” a Palestina?

Não. Isso só é possível com o estabelecimento de um único Estado laico e democrático em toda a Palestina histórica, onde possam viver em paz e igualdade árabes e judeus. Esta é a única saída que apresenta um futuro. E os marxistas sabem que, na época do imperialismo, isso só será possível com a revolução socialista na Palestina e no Oriente Médio.

Este caminho é complexo após mais de sessenta anos de ocupação e exigirá, provavelmente, formas transitórias de aproximação entre árabes e judeus, formas transitórias de estado, mas de qualquer modo a base disto só será estabelecida pela unidade entre as massas trabalhadoras exploradas de Israel e o povo palestino oprimido. É na luta contra o sionismo e o imperialismo e seus regimes fantoches no Oriente Médio que se decidirá as formas e os ritmos desta luta e do estabelecimento de um estado que seja instrumento da luta pela paz e contra toda dominação e exploração na região.

Esta é posição defendida pelos marxistas desde a partilha da Palestina em 1947, um só estado, laico e democrático em todo o território da Palestina histórica, posição que também era definida na carta de fundação da OLP e que foi abandonada por Arafat e seus consortes, como Abu Mazen.

Esta gente abandonou esta posição inicial fundamental por uma dita solução “realista” de dois Estados com os Acordos de Oslo. E qual foi o resultado?

O que muitos não querem ou talvez não possam perceber é que aceitar a manutenção da partilha da Palestina é negar aos povos da região o caminho dos direitos e da igualdade.

É aceitar a divisão do povo palestino entre os que estão em Israel e nos territórios ocupados, é negar qualquer solução digna quanto ao problema dos refugiados e quanto à questão de Jerusalém.

Aceitar a partilha é aceitar a lógica imposta pelo imperialismo de jogar os povos uns contra os outros para melhor dominá-los. Aceitar a partilha é aceitar, sobretudo que se continue a derramar sangue, é assistir passivamente o aumento da opressão aos árabes, com seu irmão gêmeo que é o aumento do antissemitismo.

O fato que mesmo “contra a maré”, tem crescido a opinião de que a solução de dois Estados é uma falsa solução. Essa é a opinião do conhecido escritor palestino Mourid Barghouti: “Dia após dia, a solução de dois Estados torna-se quase impossível (...). Associo-me às vozes crescentes que pedem a solução de um Estado com direitos iguais para todos os cidadãos, onde judeus, cristãos e muçulmanos convivam em paz.” (Jornal Estado de São Paulo, 25/6).

Ou ainda como afirmou Stephan Hoaut para a Revista “Luta de Classes”, estudante de direito de origem libanesa, que desenvolve uma monografia no CESUPA/Pará defendendo a tese de um único Estado: “A solução que eu vejo é não ter que dividir as terras e sim tornar ali um território para todos. Quem vai ficar com Jerusalém? Todos.

E a água das Cisjordânia? Seria usada por todos. (...) Daí surge o motivo do estado ser laico. Esse novo Estado seria composto por judeus, muçulmanos e cristãos. Então, se ele deve ser igualitário não faz sentido que ele privilegie uma das etnias, ou seja, que ele tenha um caráter judeu. É necessário que ele seja laico, justamente para ser justo para todos.”

Tali Feld Gleiser, tradutora de Florianópolis, de origem judia, também defende a mesma ideia de Stephan e faz suas as palavras do militante israelense Israel Shamir: "Sem os palestinos, Palestina morre. Seus rios acarretam água envenenada, as colinas e vales estão desfigurados, seus campos lavrados por chineses importados, seus filhos cativos em guetos. A ideia de um estado judaico separado fracassou. Durante os últimos dez anos, as políticas demenciais do governo israelense importaram a mais de um milhão de trabalhadores romenos, russos, ucranianos, tailandeses e africanos... Chegaram tribos peruanas, índios de Assam e o inesgotável fluxo de refugiados russos da ex-União Soviética... A fantasia de reunir os judeus se chocou com a realidade... Deixem que os filhos e filhas de Palestina voltem e reedifiquem Suba e Kakun, Jaffa e Akka. Em vez de consagrar a Linha Verde, há de arrasá-la. Vivamos juntos, filhos da Palestina. Rompamos nossas declarações de falsa independência e redijamos outra, uma declaração de amor e mútua dependência.”.

A Esquerda Marxista acredita que a luta por um único Estado laico e democrático em toda a Palestina é de suma importância, de crucial importância para os palestinos mas também para o proletariado de Israel, para os povos árabes e portanto para a humanidade.

É nesta batalha que levantaremos as massas exploradas de Israel e o povo palestino oprimido para a revolução socialista, única que pode estabelecer a paz.

As mortes no Oriente Médio não tem solução sem o fim do regime da propriedade privada dos meios de produção, que traz a guerra assim como a nuvem traz a tempestade.

 


[1] Abraham Leon foi um militante socialista judeu-belga. Na juventude foi um líder sionista, para posteriormente se integrar no movimento pela IV Internacional. Em 1944, foi preso e torturado pelos nazistas, e morto no campo de concentração de Auschwitz. Seu livro “A concepção materialista da questão judaica”, publicado após sua morte é até hoje o principal estudo marxista sobre a história dos judeus e do anti-semitismo.

[2] Justamente por esse motivo, que a fisionomia dos judeus europeus se tornou tão distinta da dos judeus da antiga Palestina, que eram muito parecidos com os árabes de hoje. Além da miscigenação, os seguidores da religião judaica em grande parte passaram a ser aqueles que ocupavam determinada posição social. 

[3] Apesar do antissemitismo supostamente anticapitalista em geral ser praticado pela própria burguesia, ele também se manifestou diversas vezes no movimento operário. O teórico anarquista Bakunin, por exemplo, denunciava as origens judaicas de Marx, para combater as idéias deste último. Este antissemitismo em militantes do movimento operário levou ao militante socialista alemão August Bebel dizer que o “antissemitismo era o socialismo dos imbecis”, fórmula que seria depois resgatada por Lênin.

[4] Vale frisar que essas duas formas de antissemitismo muitas vezes aparecem combinadas, como no caso de Hitler que pregava um combate ao “capital judeu”, como também ao “judeu bolchevique”, tudo em proveito do capital alemão “puro” ou “ariano”.

[5] “O beco sem saída dos judeus na Alemanha assim como o beco sem saída do Sionismo são inseparáveis do beco sem saída do capitalismo mundial. Apensas quando os trabalhadores judeus claramente verem esta inter-relação eles poderão vencer o pessimismo e desespero”, Trotsky no texto “Sobre a Questão Judaica”, de 1934.

[6] É isto que justifica a aliança do sionismo não apenas com as burguesias supostamente “liberais”, mas até mesmo com o fascismo. Wladimir Jabotinsky, um dos maiores líderes sionistas nos anos 20, não só defendia a implantação de um regime fascista na Palestina, como manteve estreito contato com Mussolini.

[7] Muitas vezes se esquece da responsabilidade do stalinismo na partilha da Palestina e no banho de sangue que a sucedeu. O primeiro país a de fato armar Israel foi a Tchecoslováquia stalinista. O imperialismo norte-americano, apesar de ter apoiado desde o início a Partilha da Palestina, passaria de fato a consolidar seu apadrinhamento sobre Israel a partir dos anos 50 e 60, dentro do contexto da guerra fria em que países árabes como o Egito e a Síria passam a ser influenciados pela burocracia soviética.

[8] Al-Nakba, ou “a catástrofe” marca o início do drama dos refugiados palestinos a partir da guerra de 1948. A UNRWA (organismo da ONU de assistência aos refugiados palestinos), afirma existirem hoje cerca de 1,5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia, 1,8 milhões na Jordânia, 400 mil no Líbano e 450 mil na Síria. Além disso, há comunidades palestinas que migraram para a Europa e para as Américas, além de cerca de 1,5 milhão de árabes que permanecem vivendo dentro do Estado de Israel.

[9] É notório o fato da Síria historicamente buscar construir organizações palestinas independentes da OLP, para arrefecer a força desta última. Já na Jordânia, o forte poder da OLP levou ao Rei Hussein desencadear uma brutal repressão que levou à morte de mais de 10 mil palestinos em setembro de 1970, episódio que passou a ser conhecido como “Setembro Negro”.

[10] Imaginem um país cujo território fosse o estado de Mato Grosso e o estado do Rio de Janeiro!!!

[11] Organização surgida a partir da crise da IV Internacional dos anos 50, que no Brasil é representada pela corrente Democracia Socialista do PT e por setores do PSOL, notadamente a senadora Heloísa Helena.

[12] O estopim da Segunda Intifada foi a provocação realizada pelo ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon ao visitar locais sagrados dos muçulmanos em Jerusalém. Antes de ser primeiro-ministro, Ariel Sharon já era motivo de ódio para os palestinos, pois no início dos anos 80 foi conivente com o massacre dos campos de refugiados de Sabra e Chatila no Líbano, massacre este realizado por militares cristãos libaneses, num período que o Líbano estava ocupado por Israel.

[13] Nas semanas anteriores à recente guerra, o Fatah propunha um plebiscito em Gaza e Cisjordânia com o intuito de legitimar a partilha da Palestina, posição não aceita pelo Hamas. Vale dizer que as disputas entre essas organizações acarretaram em quase 30 mortes, só esse ano em conflitos armados.

[14] Algo similar ocorreu com o Hezbollah, evidentemente que em outras condições. O Hezbollah surge justamente como resposta à ofensiva militar de Israel no Líbano nos 80, quando neste último país estavam os principais militantes da OLP.

[15] Essa conjuntura ajuda a explicar o apoio nas pesquisas da população israelense à guerra, pelo menos no seu início. A mídia, o exército, as escolas, as sinagogas, todas são instituições dominadas pelas idéias sionistas, que buscam sempre reforçar a necessidade de militarizar a sociedade. Vale frisar por outro lado, que essa pressão não impediu uma manifestação de quase 10 mil pessoas contra guerra na cidade de Tel Aviv, no dia 5 de agosto.

Fonte: https://www.marxismo.org.br/content/guerra-e-paz-na-palestina-sobre-o-carater-de-israel-do-sionismo-do-hamas-e-da-autoridade