CONSELHOS PARA O MINISTRO-CANDIDATO
Sugestões da ex-parlamentar e embaixadora da Venezuela na Grã-Bretanha para Massa
Por Alícia Castro*
Em 27 de setembro de 2020, em El Cohete a la Luna, publiquei um artigo chamado "Internationalism or Extinction" (Internacionalismo ou Extinção) referente à Cúpula da Internacional Progressista. Nessa publicação, analisamos o estado das coisas e o futuro esperado. A pandemia foi uma demonstração clara do fracasso total do sistema econômico atual, e é por isso que nos dedicamos a buscar soluções em nível global entre os pensadores militantes, sabendo que estamos vivendo um momento único na história da humanidade, um momento crítico com uma confluência de crises extraordinariamente graves: econômica, social, de valores e uma tragédia ambiental. É essencial, dissemos na época, debater local e globalmente em torno de um repertório de alternativas, reunir forças para apresentá-las e exigir soluções políticas. O filósofo estadunidense Noam Chomsky nos alertou na época sobre o colapso das democracias e nos situou à beira de uma guerra nuclear.
"A crescente insatisfação com as instituições políticas abriu espaço para demagogos que pretendem ser salvadores", disse ele. À beira desse apocalipse, o sábio de 92 anos sentenciou: "Não é exagero dizer que o futuro da humanidade depende da batalha que travarmos agora. Entrem em pânico!", alertou.
Mas o que quero mencionar aqui e agora - o que discutimos na época em conversa com o economista grego Yannis Varoufaki - é que as coisas mudaram depois de 2008, quando o sistema financeiro ocidental entrou em colapso. Após vinte e cinco anos de financeirização sob a cobertura ideológica do neoliberalismo, houve uma explosão de mobilizações populares. Como as causas progressistas foram extintas uma a uma - os movimentos dos Indignados na Espanha, o Aganaktismeni na Grécia, o Occupy Wall Street e várias forças de esquerda na América Latina - o descontentamento das massas teve de encontrar expressão política. Assim, testemunhamos o surgimento de expressões anti-establishment com um viés nacionalista, como o direitista Brexit ("queremos retomar nosso país, tomar nossas próprias decisões") ou o apelo de Donald Trump pelo fim do domínio de Wall Street.
"Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o confronto político não é entre o establishment e uma variedade de progressistas, mas entre diferentes setores do establishment: um lado aparece como os bastiões da democracia liberal, o outro como os representantes da democracia não liberal".
Quando os dois partidos em disputa são duas variantes do establishment - pense no Juntos por el Cambio contraindo uma dívida odiosa e impagável e no Frente de Todos (FdT) legalizando a fraude e promovendo seu cumprimento -, quando as pessoas não encontram solução para seus problemas diários, quando o preço dos alimentos excede o que um trabalhador pode pagar, as pessoas se voltam para as expressões da antipolítica. Assim, surgiram candidatos antes impensáveis, como Trump, Bolsonaro, Le Pen e Milei.
A ascensão de Milei não expressa a direitização da sociedade, mas é uma expressão de cansaço. Em um país rico que tem 40% de pobreza, há milhões de cidadãos excluídos que não se sentem ouvidos, representados ou levados em conta, o que explica a apatia incomum dessas eleições e a abstenção sem precedentes. A União pela Pátria (UxP) obteve metade dos votos que o FdT em 2019: 12 milhões de votos contra 6 milhões de votos hoje. Nas eleições legislativas de 2021, o FdT obteve 8 milhões de votos, o que significa que, entre 2019 e 2021, perdemos 4 milhões de eleitores. Esse foi um claro aviso de descontentamento com o governo pálido de Alberto Fernández, que foi o único presidente, depois de Fernando de la Rúa, a perder as eleições legislativas no meio de seu primeiro mandato. Entre 2019 e 2023, perdemos mais 2 milhões de votos.
Milei e os cães
Nesse contexto, Milei entrou em cena como o vencedor do PASO [Primárias Argentinas]. A quem devemos a ascensão dessa personalidade que vive em um stand-up delirante? Quando o vejo jogando os ministérios no chão de um quadro negro, ao mesmo tempo reconheço o quanto dessa institucionalidade foi borrada nesse período: Trabalho, Transporte, Desenvolvimento Social, Produção, Relações Exteriores, Justiça, ministérios que não representam nada para as pessoas comuns e más notícias para aqueles de nós que acompanham a política de perto. Doeu em minha alma ouvir novamente a cantilena "¡Que se vayan todos!" ["Deixem todos eles irem embora!"].
Eu era deputada em 2001, e um dos fatos da minha vida política de que me orgulho é que, naquela época, antes do " que não sobrae nenhum" [que no quede ni un solo], eu podia sair pela porta principal do Congresso e andar no meio do povo, com um grupo muito pequeno de deputados. Confesso que dei um pulo quando ouvi Milei dizer na TV "esse horror de Justiça Social" ou "a atrocidade de que onde há necessidade há um direito, mas esquecem que alguém tem que pagar por ele". Anátema. Dardos contra a base fundamental da política argentina e da moralidade igualitária. Para Jorge Luis Borges, no fascismo a história é reduzida a mito e o passado se torna "uma mitologia do ódio". Com o nascimento do fascismo, o mito se tornou o mesmo que propaganda, a evidência foi substituída pela invenção, o sagrado tomou o lugar do secular e explicações extraordinárias eliminaram o senso comum", explica Finchelstein em seu livro Fascist Mythologies [Mitologias Fascistas]. O gladiador da liberdade encontrou na "casta" seu inimigo, o que lhe rende milhões de seguidores em todo o país.
Qual deve ser o amigo de um governo nacional e popular? É aqui que me permito dar alguns conselhos simples ao candidato Sergio Massa:
- Não pague consultores ou pesquisadores de opinião.
- Não pense que seu fraco desempenho eleitoral tem algo a ver com a publicidade da campanha ou com as relações com a mídia hegemônica. O ocaso de Rodriguez Larreta esclarece a confusão sobre esse ponto.
- Pare de postular o Déficit Zero e comprometa-se com a Fome Zero. Este é um país rico, cheio de recursos materiais e humanos.
- Crie os meios para que todos os argentinos façam três refeições por dia. Que todas as crianças tenham sapatos e possam brincar, e que os idosos possam pagar seus remédios e seu bem-estar.
- Que ninguém durma nas ruas.
- Restaurar o poder de compra dos salários e das pensões; sabemos que nenhuma economia prospera se o mercado interno não funcionar.
- Controle os preços de alimentos e medicamentos; faça parcerias com cooperativas de produtores.
- Anuncie uma empresa nacional de lítio.
- Quando você disser "colheita", não pense em favorecer os exportadores para pagar o FMI, pense em alimentar os cidadãos.
- Anuncie agora um gabinete de pessoas honestas e eficientes, que tenham empatia com seus eleitores, capazes de administrar uma mudança de rumo, de enfrentar as mudanças climáticas, de entender a nova ordem mundial em que vivemos, de dar respostas a tempo.
Essa é a urgência. As outras demandas da maioria dos eleitores peronistas e progressistas que a UxP deve representar são claras e estão definidas:
- a nacionalização do comércio exterior, dos portos e do rio Paraná;
- a reforma do sistema judiciário;
- o questionamento do modelo extrativista de exportação;
- a libertação dos presos políticos;
- o fortalecimento do Bloco Regional e a adesão ao BRICS, etc.
Esperemos que as organizações sociais e políticas progressistas e de esquerda reúnam uma massa crítica para pressionar por essas mudanças, mas agora é uma tarefa urgente obstruir a chegada do fascismo.
Ministro Massa, o senhor está co-governando com o FMI e seguindo suas exigências ao pé da letra, o que é materialmente incompatível com o bem-estar e o futuro da Argentina. Haverá mais e mais inflação, mais e mais ajustes, mais pobreza e mais desigualdade. Ao mesmo tempo, entendo que você sempre quis ser presidente. Anime-se e mande-os para o inferno. Governe agora e ouça seu povo, que não merece ser arrastado à ruína por um fascista sectário, admirador de Margaret Thatcher, que sonha em derrubar o Estado, afundar nossos sonhos e ressuscitar cães.
Original em: https://www.elcohetealaluna.com/consejos-para-el-ministro-candidato/
* Deputada nacional, MC (1997-2005). Embaixadora da República Bolivariana da Venezuela no Reino Unido (2012-2015). Membro da SOBERANXS
.jpg)
