Entrevista: O capitalismo e suas vias de desenvolvimento, com José Luís Fiori

 

Teoria e Debate nº 33 - novembro/dezembro/janeiro de 1997

publicado em 08/05/2006

 

 

 

José Luis Fiori é um dos mais brilhantes economistas da nova geração brasileira. Exilado no Chile aos 19 anos, lá estudou economia e sociologia. Doutor em Ciência Política pela USP, atualmente leciona na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Entre suas obras publicadas, destacam-se O Vôo da Coruja e Em Busca do Dissenso Perdido. Dando continuidade à série de entrevistas com intelectuais brasileiros, Teoria&Debate conversou com José Luis Fiori no mês de agosto último. Nas páginas seguintes, Fiori expõe as linhas centrais de seu trabalho teórico e opina sobre a política econômica do governo FHC e as perspectivas da esquerda no Brasil.


por Fernando Haddad*

O ponto de partida das suas reflexões parece ter sido a rediscussão da via prussiana de desenvolvimento capitalista. Você poderia defini-la?
Isto é de certa maneira verdadeiro. Faz muitos anos, quando comecei a trabalhar sobre a economia política do desenvolvimento latino-americano, partido debate teórico e histórico sobre o conceito de capitalismos tardios e portanto, inevitavelmente, sobre o que foi chamado de via prussiana. O problema que se colocou de imediato foi o da sua correta definição, dado que este conceito foi utilizado por vários autores e em diferentes momentos históricos com conotações distintas. Suas raízes remontam às primeiras observações de Marx, na metade do século passado, e de Engels, um pouco mais tarde, sobre as revoluções de 1848. As análises históricas, inclusive as conjunturais, que Engels publicou em artigos de jornal, já contêm várias intuições fundamentais sobre o que eles percebiam como um caminho diferente de desenvolvimento capitalista no espaço da Prússia e do que viria a ser a Alemanha. O fracasso das revoluções democratizantes alemãs era uma sinalização de que a trajetória daquele país parecia não repetir a idéia fundamental das revoluções burguesas, democratizadoras do Estado, coletâneas da ascensão das burguesias comerciais e industriais e da consolidação dos Estados nacionais. Mesmo que não tenham formulado esse conceito de via prussiana, se lidos com cautela, eles talvez tenham sugerido todas as intuições fundamentais que a literatura posterior desenvolveu. A sua caracterização passava sobretudo pelo que seriam os traços peculiares da estrutura de classes alemã, pelo atraso do desenvolvimento das forças produtivas propriamente capitalistas, por uma certa hipertrofia da consciência proletária e, finalmente, pela transferência por parte da burguesia alemã da responsabilidade do governo, o que Engels chamou de uma segunda variante de bonapartismo. Em verdade, mais tarde o próprio Engels diminuiu o grau de especificidade histórica da Alemanha, ao afirmar que parecia que em nenhum lugar a burguesia assumia diretamente o controle do Estado e que sempre o fazia por meio de prepostos. Nesse sentido, seriam prepostos Bonaparte, a aristocracia inglesa e os Junkers e a burocracia militar alemã. Na linha central da evolução desse conceito está o trabalho do Lenin, mas a sua abordagem sobre a via prussiana muda de enfoque. Lenin tinha uma preocupação básica com a estrutura da propriedade da terra, a forma pela qual esta evoluía e seu impacto sobre o desenvolvimento das forças econômicas e sociais propriamente capitalistas. Naquele momento, ele fazia a oposição entre o modelo americano das pequenas propriedades e a via prussiana dos Junkers, das grandes propriedades, onde não se parcela a terra.

Em que momento do debate contemporâneo essas questões ganham importância?
Após a Segunda Guerra Mundial, na confluência dos processos de descolonização da Ásia, do Oriente Médio e logo depois da África, com a desmontagem dos grandes impérios e com a nova forma de exercício da hegemonia mundial norte-americana, onde os laços de articulação das economias e dos Estados são reconstruídos de uma maneira não colonial. Essa grande mudança histórica veio acompanhada por uma evolução do ponto de vista teórico, e em particular no campo da economia: a chamada revolução keynesiana.

Em primeiro lugar, ela rompia com a visão neoclássica de equilíbrio e reintroduzia a idéia marxista, e depois também schumpeteriana, do capitalismo como um sistema instável, cíclico, com crises, sem pleno emprego etc. e começava portanto a legitimar a possibilidade e a necessidade de políticas públicas anticíclicas. Pode-se dizer que foi dessa linha de rebeldia ocorrida dentro do próprio campo do pensamento neoclássico - que, na verdade, se inicia com os suecos antes de Keynes - que se abriram as condições de possibilidade teórica, mais tarde transformada em vontade política, de estudar e propor estratégias de indução do desenvolvimento econômico. Assim como podia haver políticas anticíclicas, poderia também haver políticas com objetivos não apenas de curto prazo. Isto de certa maneira viabilizou ou legitimou a preocupação e a vontade política que se generaliza, no mundo inteiro, depois da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento visto desde então como um processo possível de ser induzido ou acelerado politicamente, e portanto diferente, na teoria econômica, da idéia do simples crescimento. É algo que implicaria transformações de tipo institucional, estrutural e uma aceleração do processo de crescimento, da acumulação capitalista, além da média internacional histórica anterior. Isso graças ao que se acreditava ser possível: a indução da aceleração e da sustentação do investimento. Nascem as chamadas teorias do desenvolvimento e nasce o desenvolvimentismo, como a ideologia que justificava, compreendia e ao mesmo tempo legitimava a descoberta e a consciência de que o mundo era terrivelmente desigual. De certa maneira, esta questão era respondida com a idéia e a proposta de que ele é desigual, mas isto é superável, porque não é inevitável que todos os países do mundo cresçam na mesma velocidade em que cresceram as economias capitalistas que se desenvolveram anteriormente, na base de no máximo 2% a.a.. Ou seja, de que era possível a recuperação do atraso e portanto vencer desigualdades diminuindo as intoleráveis distâncias econômicas e sociais.

É neste contexto que aparecem, nos anos 50, as teorias do desenvolvimento econômico em suas várias formulações, neoclássicas, keynesianas e aqui na América Latina, a teoria estruturalista da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Mas, mesmo tendo sido decisiva a contribuição latino- americana, não se pode negar que o impulso original da preocupação com o desenvolvimento, como projeto global para o mundo atrasado, ganhou força, basicamente, a partir dos países centrais. Diferentemente de todo pensamento neoclássico, hegemônico de 1880 até 1930, e de certa forma também do pensamento econômico clássico, passa-se a aceitar que a intervenção de um fator extramercado tinha condições de sustentar um crescimento mais veloz do que o gerado espontaneamente pelo funcionamento do mercado. Essa é a heterodoxia máxima para quem a formulou! Foi uma espécie de movimento autocrítico e pragmático do próprio liberalismo que esteve na origem do desenvolvimentismo, nada tendo a ver portanto com marxismo ou esquerdismo, como alguns parecem acreditar hoje em dia.

Para seus primeiros formuladores, era uma extraordinária heterodoxia dizer que não só o Estado devia intervir no curto prazo para controlar o ciclo dos negócios mas que ele também podia coordenar intervenções de longo prazo visando não apenas manter o pleno emprego, mas crescer, desenvolver-se. Não é por coincidência que é mais ou menos dessa época o estudo que passou a ser referência do ponto de vista da história econômica comparada: O Atraso Econômico em Perspectiva Histórica de Alexander Gerschenkron. Seus estudos absorvem de Veblen a noção do desenvolvimento tardio e recolocam a idéia do atraso como vantagem, como uma força que pode ser virtuosa do ponto de vista da aceleração do crescimento. Ele estuda sobretudo os casos da Alemanha e da Rússia, de certa forma também a Itália - sendo que Itália e Alemanha são países tardios inclusive na sua constituição enquanto Estados nacionais. Como historiador, ele tenta explicar porque um país que começa tão atrasado do ponto de vista da estrutura agrária, através da via prussiana, em 1890 já era a segunda maior economia do mundo, depois dos EUA, ultrapassando a Inglaterra. Era isso o que se estava querendo depois da Segunda Guerra: propor como projeto e como ideologia a hipótese de que é possível a recuperação e, mais ainda, de que pode ser um bom negócio ser atrasado.

E por que seria vantajoso ser atrasado?
A primeira razão é porque se arrancaria de um estágio tecnológico mais avançado e não seria necessário reproduzir o caminho dos pioneiros. Assim, a Alemanha e os EUA, que eram atrasados, lograram ultrapassar a Inglaterra, sem fazer o seu caminho, saltando etapas.

De certa maneira, Gerschenkron está olhando para algumas coisas que Marx e Engels tinham percebido e dizendo: "não são desvirtudes, são virtudes do ponto de vista da industrialização!" Ele diz que, além do ponto de vista tecnológico, da nova base energética, da organização da produção, há um outro quadro institucional, que se manifesta em particular nos papéis do sistema bancário e do Estado. Com um crescimento que já parte de grandes investimentos, ele descobrirá que se financia a demanda para esta produção através de uma espécie de substitutos institucionais. Ele começa a ver que algumas funções foram cumpridas na Inglaterra por certas instituições e nesses países começam a ser cumpridas por outras. Ele destaca três elementos que na Inglaterra não tiveram tanta importância, mas na Alemanha viriam a ter: um Estado intervencionista e protecionista; um sistema financeiro articulado e uma ideologia. Ou seja, o atraso só é virtude à medida em que suas elites como um todo o percebam e, pela sua não-aceitação, tomem a decisão do impulso. Em todos os casos, a força básica veio de uma aliança Estado/burguesia, com algum grau de legitimação popular por intermédio das ideologias fortes. Gerschenkron fala do saint-simonismo na França, do nacionalismo na Alemanha e, já nessa época, ele dizia que na Rússia o socialismo estava cumprindo esse papel! Ele dizia que aí também se tratava de um catch up de um país atrasado, ou seja, uma tentativa de alcançar e ultrapassar os países capitalistas pioneiros.

Você compartilha da idéia de considerar o sistema soviético como uma versão sui generis de catch up?
Esta é uma visão expost e excessivamente constrangida pela decepção, pelo fracasso do que foi originariamente o projeto soviético. Uma visão economicista que às vezes parece esquecer que em termos estritos de catch up, o desenvolvimento soviético entre 1950 e 1975 foi um absoluto sucesso em termos de investimentos, de construção da indústria pesada e de uma melhor distribuição e igualdade. Neste sentido é interessante reler as impressões narradas por Galbraith sobre sua visita à União Soviética nos anos 60 narrada em seu livro Uma Viagem pelo Tempo Econômico. Ele diz mais ou menos o seguinte: "Vamos deixar de bobagem! Quando estive na União Soviética aquilo era um sucesso. Não me venham com essa conversa de que ali já era possível prever a derrocada posterior a partir das limitações endógenas do modelo de economia centralmente planejada. Eu, pelo menos, não percebi nada!"

Mas, o que distingue o caso soviético do nacionalismo em geral, com patrocínio do Estado e poupança interna forte?
Em primeiro lugar, ele aparece como um fenômeno político, social e econômico desafiante já em 1917. Eles propõem uma economia crescentemente estatizada, com controle centralizado completo dos investimentos e o desaparecimento de uma burguesia propriamente dita. Isso já era uma diferença monumental. Foi uma revolução que não foi feita em nome do desenvolvimentismo. E neste sentido, o efeito de sua derrocada tem muito pouco a ver com razões econômicas e muito mais com o fato de que a revolução soviética foi a tentativa concreta mais ousada da história de levar à realidade uma utopia igualitária num país atrasado e de dimensões colossais. Um experimento absolutamente único e, por isso, seu fracasso impactou de forma tão brutal o pensamento socialista. Não por causa do fracasso econômico puro e simples, nem só por seu fracasso político anterior, mas porque estes dois fracassos fizeram desabar a única experiência conhecida de construir a base material de uma sociedade igualitária a partir de uma mudança radical das relações de propriedade. Um sonho acalentado desde sempre pela humanidade. Isso é o brutal da história!

Ainda que do ponto de vista de tecnologia de ponta eles sempre tenham obtido muito sucesso - na parte militar, na questão nuclear - essa experiência fracassou do ponto de vista industrial e tecnológico, pelo menos na passagem para uma indústria de consumo de massas. Porém, muito antes disso, de certa maneira eles comprovaram aquilo que Barrington Moore vai dizer depois: "dá para fazer, mas vai ser sempre autoritário!" E com uma agravante: uma coisa é o autoritarismo burguês, dos governos japoneses ao fascismo alemão; outra coisa é o totalitarismo nos níveis a que se chegou na URSS e sobretudo quando legitimado em nome dos supostos interesses universais e libertários da classe proletária. Fracassou, portanto, primeiro pelo totalitarismo e pela eliminação da liberdade e, só depois, pelo lado econômico. Neste sentido é muito limitada a releitura dos que a reduzem a uma discussão pura e simples sobre a impotência de uma estratégia particular de industrialização.

Por que a via prussiana não se repetiu no contexto Latino-americano?
É muito mais fácil aproximar as experiências asiáticas de desenvolvimento acelerado das últimas décadas ao modelo prussiano do que o ocorrido na América Latina. Um século depois, com outras características, a Ásia conseguiu também, de certa maneira, fazer uma experiência extraordinariamente bem-sucedida de catch up. São países que, em poucas décadas, chegam ao topo da economia mundial, com estratégias mais próximas da via prussiana.

O desenvolvimentismo dos anos 50, do ponto de vista da sua tentativa de teorização e formulação, é originário da potência central e faz parte do projeto imperial de hegemonia americana nesse período.

Entendendo-o como a aceitação da intervenção do Estado como agente indutor, ordenador e alocador de recursos; definidor de alguns preços fundamentais da economia; e protetor, se poderia dizer que a economia européia, entre as décadas de 50 e 80, foi também desenvolvimentista. Entretanto, se passarmos para uma definição mais detalhada do que foram as estratégias de crescimento acelerado da economia capitalista como um todo, pelo menos na sua parte central e em alguns segmentos periféricos, veremos que isso foi possível em grande medida pelo desrespeito pragmático da potência imperial às regras que eles estabeleceram em Breton Woods. Havia regras monetárias e comerciais cuja arbitragem ficou informalmente com os EUA. O governo americano a exerceu de uma maneira extremamente benevolente, porque pragmática e movida pela guerra fria, pela competição econômica e tecnológica com a União Soviética. Isso fez com que os norte-americanos, de certa maneira, fossem os primeiros a driblar certas regras e fazer uma política monetária frouxa durante esse período. No início, na forma direta de ajuda, como foi o Plano Marshall e, um pouco mais tarde, sua ajuda para a Ásia. Depois, fazendo vistas grossas ao protecionismo de alguns países. Isto é uma dimensão essencial de um comportamento hegemônico, isto é, uma potência que aparentemente coloca os interesses do conjunto acima dos seus interesses de nação. Coisa que os EUA deixam de fazer a partir da década de 70.

Nesse espaço foi possível, durante 20 ou 30 anos, funcionar um sistema de livre empresa com fortes e pragmáticas limitações ao livre comércio, com moedas estáveis e autonomia das políticas nacionais de crescimento. Esta experiência absolutamente original fez muitos acreditarem que sempre fora assim e que agora, depois da crise dos anos 70, tivesse deixado de sê-lo. Mas isso é uma inverdade histórica. Sempre foi o contrário! O período 1950-70 é que foi rigorosamente excepcional na história do capitalismo. Por isso é possível aventar a hipótese de que o desenvolvimentismo desta época, entendido nesse sentido mais genérico, que inclui a reconstrução italiana, alemã, os planos de desenvolvimento da França, os nossos, os do Japão etc., já começa por ter uma característica absolutamente diferente do que chamamos de via prussiana no século passado. Esta via de desenvolvimento se viabiliza em pleno período do padrão-ouro e de hegemonia inglesa, mas só teve sucesso na medida que se enfrenta e rompe com as regras liberais em nome de um projeto nacional. List, o economista-comerciante alemão, já dizia: se aceitarmos, na Alemanha, as idéias de Smith e Ricardo é melhor que aceitemos de imediato também as leis emanadas de Westminster. Não há como negar que, naquele contexto, a via prussiana acabou tendo sucesso econômico porque se propôs um projeto a serviço da construção do Estado nacional alemão e de sua projeção como potência imperial capaz de competir com a Inglaterra. Neste sentido, havia sempre no horizonte do projeto prussiano a idéia ou possibilidade de uma guerra. Comparado com esta via prussiana, o desenvolvimentismo latino-americano do pós segunda-guerra, levado à frente sob a hegemonia norte-americana, foi de fato um projeto-fraco, uma espécie de desenvolvimentismo consentido.

Qual é o papel que a Cepal desempenha neste contexto?
Surpreendente foi o fato de que a Cepal, sob a batuta de Prebisch, tivesse se transformado num centro de pensamento autônomo e original, talvez a principal criação teórica da América Latina. Suas novidades foram muitas. Primeiramente, dizer que o comércio mundial livre, ao contrário do que diz a teoria ricardiana, não aloca os recursos de maneira equânime e favorável ao crescimento de todos. Em segundo lugar, dizer que não há um sistema de Estados nacionais equivalentes. Em terceiro, ela introduz algo que não cabe dentro do raciocínio ideológico clássico ricardiano, que é a noção de centro e periferia. Isto é, existem países que têm hegemonia, controle do desenvolvimento tecnológico e que chegam à periferia. Portanto, diferentemente do que Ricardo pensou, a especialização levou a uma divisão de funções no mercado internacional que, espontaneamente, fará com que esses países periféricos não consigam recuperar o seu atraso.

É isso que deflagra o processo de substituição de importações?
O que o deflagrou foi a reação rigorosamente pragmática e defensiva de nossos países frente à crise de 30 que se prolonga nas limitações externas impostas pela Guerra Mundial. Só depois é que se teoriza esta experiência e se transforma seus ensinamentos em um projeto consciente, de uma estratégia particular de industrialização. Este projeto nasce e se viabiliza, na América Latina, legitimado por uma vontade política que permitiu o exercício do protecionismo e do intervencionismo estatal dos nossos países, porque vivemos entre 1950 e 1980, uma era de desenvolvimento consentido pela potência central. Apesar disso, entretanto, esta mesma estratégia assumiu formas diferentes em cada país. No espaço de autonomia das políticas nacionais, onde o Estado tinha margem de liberdade para tratar da renda interna, da distribuição, de incentivos à demanda e ao crescimento, mantendo as regras internacionais graças à soltura da política monetária norte-americana, os europeus fizeram o welfare state. Nesse espaço, fizemos a nossa industrialização. Até os anos 60 estava todo mundo mais ou menos nessa.

Além do aspecto do consentimento, que por si só já implica uma certa noção de dependência, do ponto de vista estritamente econômico o que a caracteriza?
O conceito de dependência já é ruim pelo próprio fato de que desde o início é uma palavra que já tem um sentido vulgar, facilmente assimilável e por isso muito criticável. Esse conceito que, no fundo, tem uma filiação às vezes bem direta, às vezes um pouco mais longínqua com o marxismo, tem pelo menos três versões. A versão cepalina, do Celso Furtado, que aparece em seu livro sobre teoria do desenvolvimento, de 1967 (Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico); a versão do Gunder Frank, que de certa maneira se casa mais com a teoria do Wallerstein sobre a economia no mundo; e a versão de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que também tem várias etapas de desenvolvimento. Uma coisa foi dita em 60, outras são agregadas em 70.

Um segundo elemento é a tentativa de especificar algo que genericamente é válido para todos os tempos da história da humanidade, ou seja, que as relações internacionais são desiguais, assimétricas, hierárquicas. A questão é como se particularizam, em cada momento histórico, essas assimetrias e como se define o eixo central das relações entre os hierarquicamente diferentes. Esta foi a preocupação central dos autores liberais e marxistas que discutiram, nos primeiros vinte anos deste século, a teoria do imperialismo. Mas, eles estavam muito mais preocupados em explicar as formas e razões econômicas e políticas da velocíssima expansão colonial que transformou praticamente o mundo inteiro numa colônia dos europeus. Há vários matizes na discussão do imperialismo, mas é sempre a busca das causas dessa expansão, se ela é movida ou não pelas necessidades da acumulação capitalista ou pela vontade de poder dos Estados nacionais. A discussão da dependência tem uma relação de afiliação com a teoria do imperialismo. Ela não arrancou dos clássicos que eram, em geral otimistas com relação aos efeitos modernizantes que o imperialismo acabaria tendo sobre as colônias. A nossa teoria da dependência arranca de uma visão pessimista sobre a possibilidade de desenvolvimento na periferia capitalista. Suas origens estão na discussão sobre a luta anticolonial do 28º Congresso da Internacional Comunista, cujos preâmbulos teóricos foram desenvolvidos mais tarde por Dobb, Baran, Sweezy e Magdoff, chegando até à teoria latino- americana da dependência, com a decisiva contribuição da Cepal à análise das relações centro/periferia. Tratava-se agora de desenvolver a discussão dos teóricos do imperialismo desde a ótica dos países periféricos.

O que ficou de importante da teoria da dependência?
Pode parecer paradoxal, mas diria que o lado mais fraco da teoria da dependência foi o teórico. Na verdade, como teoria foi uma obra inconsistente e, do ponto de vista político, inconseqüente. Em particular na versão de Fernando Henrique Cardoso, que alguns consideram ser uma prolongação teórica do seminário de leitura de O Capital que ele fez com alguns amigos aqui em São Paulo. Não sei bem o que terá sido a contribuição deste seminário, que como qualquer leitura de O Capital pode dar em muitas coisas diferentes. Se houve esta contribuição, ela acabou se misturando de forma eclética com a visão cepalina e produzindo uma verdadeira geléia teórica repleta de boas intuições. O que esta teoria teve de importante e que segue perfeitamente válido foi a sua correta recolocação, do ponto de vista metodológico, da dimensão e da dinâmica sociológica e política de um capitalismo que se desenvolveu numa posição hierárquica periférica, situado, além disto, no espaço imediato da hegemonia norte-americana. Nesta dimensão, a principal contribuição da teoria da dependência, sobretudo na versão de Cardoso/Faletto, foi sua rediscussão da teoria clássica da revolução burguesa: das classes, do poder e do Estado no contexto de um capitalismo que eles caracterizaram como dependente e associado. Para eles, a especificidade latino-americana não estava apenas na existência de uma burguesia anêmica, atrofiada, pouco revolucionária e pouco schumpeteriana, mas de uma burguesia cujos interesses de grupos, classes e coalizões de poder derivavam de uma peculiar forma de inserção num processo de desenvolvimento movido pela acelerada internacionalização do seu mercado interno.

No fundo, esta leitura representou uma tentativa importante de incorporar o raciocínio sociológico e político à análise econômica do desenvolvimento e das industrializações tardias e periféricas. Ao contrário da Ásia, estávamos nos industrializando, o México em particular, a Argentina até certo ponto, com uma estratégia que se chamou de tripé: associação entre o capital privado, o internacional e o Estado, mas onde o investimento direto externo e a instalação das grandes corporações num mercado interno protegido eram uma marca absolutamente decisiva e própria. De tal maneira que, completado aquele ciclo da industrialização, aproximadamente 40% do nosso produto industrial já era produzido pelas grandes corporações multinacionais que lideravam a produção de quase todos os setores mais dinâmicos da economia brasileira.

Note a distância entre esta via associada de qualquer coisa que se queira chamar de via prussiana! Aqui nunca existiu um projeto de nação-potência nem de catch up propriamente dito! E quando foi proposto, com Vargas em 38 e Geisel em 74, foi imediatamente contestado e derrotado por nossas elites econômicas e políticas. No essencial, o empresariado latino-americano nunca apostou nessa idéia. Do ponto de vista estratégico, sua visão não tinha nada a ver com a idéia de nação-potência. Havia, pelo contrário, desde o início, um projeto de aproveitamento ao máximo do espaço criado pela associação com a nação hegemônica regional, que ao mesmo tempo era a mundial, os EUA. O projeto de Vargas, no fundo, era a industrialização. Todos percebiam a importância do capital privado internacional e a impotência dos capitais nacionais e todos, portanto, acabaram reconhecendo, de uma forma ou de outra, a necessidade do Estado. O que houve apenas foi uma questão de compreensão do momento. Vargas, no início dos anos 50, esperava um Plano Marshall para a América Latina. Ele estava perfeitamente dentro do espírito da época, não tinha nada de antiamericano. Os EUA estavam fazendo o plano Marshall e um plano de ajuda direta para a Ásia, por que não para a América Latina?

Em 1953, Eisenhower foi eleito. Seu irmão fez então uma viagem de esclarecimento e repetiu por todo o continente que não se esperasse por um novo Plano Marshall. A estratégia de desenvolvimento, na nova perspectiva republicana, deveria passar pelo investimento privado das grandes corporações americanas e européias e não pela ajuda oficial. Estava dado o pontapé inicial e Juscelino soube compreender o espírito da época e remanejou a estratégia. Não teve plano Marshall, então tem Volkswagen, Ford etc.

Haveria outro caminho? Poderíamos pensar numa alavancagem com base na poupança interna, sem contar com as grandes corporações?
Diria o prof. Fernando Henrique Cardoso, na atual fase de realismo concessivo, que o caminho já estava desde então traçado e era inevitável aceitá-lo, já que estávamos num espaço de supremacia norte-americana e não tínhamos nenhuma condição de enfrentá-los. Já em 1939 tínhamos optado por um lugar ao seu lado, como uma espécie de sócio preferencial na América Latina, o que FHC vai chamar, nos anos 70, de desenvolvimento dependente e associado. De certa maneira, ele absorve o que Maria da Conceição Tavares e José Serra tinham escrito: que o desenvolvimento era possível, ao contrário do que Furtado pensava. Ele mostrou que as forças produtivas podiam se desenvolver por esse caminho. Sobretudo, com a idéia que ficou extremamente fortalecida com a introdução dos militares no jogo, da sustentação do desenvolvimento baseado num tripé (a associação entre os capitais estatal e privados nacional e internacional) como base de um planejamento estratégico.

Durante o período da ditadura militar fortaleceu-se enormemente a presença estatal no setor produtivo, muito mais que em qualquer outro. Foi isso aliás que animou nossos empresários a se oporem, a partir do fim dos anos 70, ao regime militar. O mesmo entusiasmo livre-cambista que, já agora nos anos 90, vem estrangulando-os paulatinamente.

Esta é uma opção antes de tudo ideológica?
Nenhuma burguesia do mundo jamais teve nenhum compromisso monogâmico com o liberalismo ideológico. Todas foram em algum momento protecionistas e, volta e meia, deixam de ser e voltam a sê-lo novamente. A nossa foi protecionista nos anos 50 e 60, o que lhe permitiu uma acumulação descomunal de riquezas. Naquela época, os ideólogos liberais, como o Hayek e o Friedman, eram absolutamente marginais no mundo inteiro. Vivia-se a era do intervencionismo, do planejamento, de desenvolvimento consentido e o mesmo ocorreu por aqui. Hoje, o clima mundial é o oposto.

Esse viés antiestatista se encontra da mesma maneira na Ásia?
De jeito nenhum. A Coréia, por exemplo, seguiu e segue até hoje uma estratégia de articulação entre o Estado e a economia completamente diferente da nossa. Do ponto de vista puramente econômico, a Coréia seguiu um caminho muito parecido com o nosso até 1980, passando por momentos e etapas formalmente muito parecidos. Mas, ali não só foi menor a presença das empresas estrangeiras e das estatais, como foi muito maior a integração orgânica e estratégica do Estado com o empresariado. Não havia ambigüidades nem resistência e se houve foram esmagadas. Além disso, o Estado controlou o sistema de crédito através dos seus bancos estatais e de uma política de financiamento completamente diferente, o que é uma marca decisiva. Na Coréia reaparecem aliás, como no Japão, algumas características essenciais da via prussiana. Por exemplo, o desafio militar e a proposta consciente de um catch up onde o empresariado e os militares coreanos assumiram em conjunto uma estratégia quase bélica e mercantilista de conquista de mercados internacionais. O Estado e o capital externo tinham menor presença produtiva, porém existia um tipo de articulação entre o Estado e o capital privado, via sistema de planos públicos extremamente coordenados, ao estilo alemão, o que lhes permitiu enfrentar o desafio dos anos 70. Por exemplo, eles se endividaram e na virada dos anos 80 conseguiram renegociar a dívida. Aí pesa muito a postura do Japão, que levou a cabo um tipo de negociação diferente da que os EUA fizeram com a sua periferia. E lá vão eles... com resultados do ponto de vista do crescimento, de eqüidade, de capacidade tecnológica absolutamente diferentes!

O que explica esta diferença não são apenas os choques que sofremos no início dos anos 80, mas a forma com que eles foram enfrentados. Certamente, o pior choque foi o nosso afastamento do sistema financeiro internacional, porque já estávamos internacionalizados financeiramente. Isso nos arrebentou, pois tínhamos um padrão de financiamento que, a partir dos anos 70, envolvia pesadamente o sistema financeiro privado internacional. Mas, a forma com que enfrentamos este desafio esteve decididamente constrangida pela natureza, pela ideologia, pelos interesses e pela estratégia ambígua de nossa coalizão desenvolvimentista permanentemente esquizofrenizada pelo seu liberal-conservadorismo.

Você vê condição de, a partir do Plano Real se repensar o mesmo padrão?
Se por padrão você estiver pensando em estratégia, a resposta é não. Mas, se você estiver pensando em padrão de desenvolvimento, sim. As decisões fundamentais responsáveis pela mudança da estratégia já foram tomadas. A manutenção ou correção do modelo anterior até foram tentadas, sobretudo na gestão Funaro, e isto foi claramente proposto na reunião do presidente Sarney com sua equipe econômica, em 1987, em Carajás. Aí, os economistas do governo se dividiram. O grupo que poderíamos chamar de desenvolvimentista defendeu uma reaglutinação do sistema produtivo estatal, criando uma grande holding e uma redefinição da estratégia a partir de um redesenho completo do sistema financeiro público. Era uma estratégia que tentava corrigir o desenvolvimentismo anterior num sentido político e social mais democrático, provavelmente com taxas de crescimento menores, porque a economia já estava objetivamente constrangida por um endividamento externo estrangulador. Tratava-se de uma estratégia defensiva que no fundo tentava preservar e encontrar um novo caminho para o grande projeto desenvolvimentista. Isto foi enterrado.

E o que FHC pretende?
É importante ter claro que FHC não traiu as suas idéias. Primeiramente, ele assume que só tínhamos espaço de crescimento associado. Em segundo lugar, que isso passava por uma internacionalização crescente dos nossos mercados. Na seqüência, que neste momento isto passava pela estratégia liberal: a velha idéia do desenvolvimento associado. Ele queria dizer que, para manter os mesmos interesses, a estratégia tinha que mudar. Agora, o desenvolvimento segue associado no sentido lato, lógico e há uma internacionalização e dependência ainda maior do nosso Estado e da nossa economia, mas a estratégia é completamente diferente: a economia é aberta, o Estado se retira do setor produtivo e as empresas nacionais ou quebram ou são internacionalizadas. Do tripé passamos para um modelo de um só pé, onde passamos a ser ainda mais dependentes do que antes dos humores da economia internacional, e apostam todas nossas fichas nas virtudes dos mercados desregulados capazes, segundo eles, de fazerem uma correta, eficiente e equilibrada alocação dos recursos provenientes dos investidores privados, sobretudo os internacionais.

Nesse quadro, quais as chances de uma terceira onda de desenvolvimento? Há possibilidade de uma retomada baseada nessas premissas liberais?
Enquanto não se desfizerem da camisa-de-força em que se meteram com a sua particular estratégia de estabilização, estarão permanentemente enfrentados com os limites externos e internos que ela coloca ao próprio crescimento. Uma armadilha do tipo "se fica o bicho come, se corre o bicho pega". Além do que, há que ter presente que vivemos num período de estagnação da economia mundial. E, por isso, deveremos assistir a uma sucessão espasmódica de ciclos curtos de crescimento puxado sobretudo pelo consumo. Para ter um crescimento um pouco mais prolongado, por exemplo, para viabilizar a reeleição do presidente, haveria que abrir mão de uma parte das reservas. Mas, isso é muito difícil, porque neste campo não há como estabelecer os limites: quando começa a sangria ela pode não parar mais e vai-se pela janela em poucos dias "o sólido sucesso do Real". Portanto, enquanto estivermos encurralados, por um lado, pela armadilha macroeconômica armada pela estratégia do Real e, por outro, pela cegueira liberal deste governo, é muito difícil que se logre a retomada de um crescimento sustentável. Nesse quadro, só há dois dinamizadores possíveis do crescimento: a demanda e o investimento externos.

As exportações estão prejudicadas por um longo tempo, pelo menos, pelo que eles chamam de custo Brasil, que não tem nada a ver com salário nem contribuição social e sim com a infra-estrutura. A nossa dificuldade de exportação tem a ver também com a destruição de uma boa parte do setor produtivo a ela voltado e uma realocação dos investimentos privados em segmentos não-exportadores. E, ademais, há dificuldade para exportar porque a economia mundial está em estagnação, salvo na Ásia. Não há uma demanda externa generalizada. Além disso, não há uma estratégia explícita e articulada de atuação pesada no plano internacional. Ao contrário, há uma confiança absolutamente cega, imbecil, no mercado.

Por último, é muito difícil que uma economia dessas dimensões possa ser dinamizada no seu conjunto só por exportação. Seu crescimento tem que arrancar de um aumento do mercado interno. Não se pode cair nessa armadilha de estrangulá-lo e ir pelo caminho da exportação.

Há vários estudos recentes, sérios e detalhados, sobre o fenômeno da globalização financeira e a dinâmica dos investimentos diretos externos. De 60% a 70% do investimento direto vai para os próprios países da tríade e uma boa parte do resto vai para a Ásia, não porque lá exista uma boa política macroeconômica de acordo com os fundamentos neoliberais, mas porque ela virou uma máquina de crescimento e o investimento produtivo vai para onde se pode ganhar mais do que no sistema financeiro. A América Latina apresenta um cenário oposto e portanto segue sendo uma aposta marginal.

Mas, apesar de tudo, se consegue resolver o problema do déficit nas transações correntes, não há perda de reservas e se mantém o plano de estabilização que tem um grande efeito eleitoral...
0 problema é que isso gera tensões internas à medida em que vai destruindo o tecido produtivo e social e vai aumentando a ingovernabilidade em todos os níveis do poder estatal. O governo aposta que se trata de uma reestruturação virtuosa, uma destruição criativa, mas a dívida pública não pára de crescer, a desindustrialização é um fato e um processo em curso, o desemprego aumenta nas regiões mais industrializadas, os serviços públicos básicos vivem acelerado processo de entropia. Com isso, os estados estão totalmente quebrados e daqui a pouco vão parar. Na verdade, esta política vai destruindo velozmente empregos, capacidade produtiva e governabilidade!

O que a esquerda pode dizer num contexto em que as perspectivas são tão complexas e parece que as decisões são irreversíveis?
Antes de tudo, ela deve se manter fiel às idéias centrais que atravessam todas as correntes de pensamento que a política da esquerda produziu nesse século e meio. Esse governo não tem projeto a não ser a manutenção do status quo do ponto de vista dos interesses fundamentais das classes conservadoras e do nosso status internacional de associado norte-americano leal, de alinhamento automático em tudo. A esquerda, do ponto de vista político, não do intelectual, está longe nesse momento de ter a possibilidade de um projeto hegemônico alternativo. Cabe a ela buscar os caminhos orgânicos e teóricos para definir trincheiras de resistência, de preservação de algumas posições fundamentais, de seu espaço na política, de alianças, da capacidade de organização e atuação nos sindicatos. Será uma construção lenta. Não adianta ficar repetindo slogans. Dizer que o neoliberalismo é o culpado de tudo é absolutamente inócuo.

É fundamental o trabalho intelectual de recomposição de uma massa de pensamento crítico, de extensão do número de formadores de opinião que começam a pensar diferente. Hoje, aos intelectuais de esquerda compete uma função fundamental de crítica, de desvelamento da lógica, das contradições e dos limites da estratégia liberal e do processo real que estamos vivendo. Devem lutar sem medo de parecerem antigos contra o pensamento único começando pôr rejeitar as suas premissas. Enquanto os intelectuais de esquerda ou progressistas seguirem submetidos exclusivamente aos supostos "requerimentos universais de uma economia globalizada", estarão condenados a seguir repetindo os adversários, ou participando de uma disputa inócua sobre o melhor lugar das vírgulas. Já partem derrotados por falta de coragem para pensar com autonomia, perseguidos pelo receio acadêmico de não serem respeitados pelo mainstream e quando assim se comportam e pensam que estão sendo respeita dos como interlocutores sérios não percebem que estão apenas fazendo o papel de bobos da corte.


*Fernando Haddad é membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate.

Fonte: www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/entrevista-o-capitalismo-e-suas-vias-de-des