Os Resultados Econômicos do Projeto Neoliberal: Salários, Lucros e Crescimento nos EUA, do Marx21
Muito se fala sobre neoliberalismo, mas pouco se conhece sobre os números produzidos por este projeto político que se iniciou na década de 1970 nos EUA e na Inglaterra. Basicamente, o projeto neoliberal representou: (i) um ataque direto aos direitos trabalhistas, via flexibilizações dos mercados de trabalho; (ii) desregulamentação dos mercados financeiros; (iii) defesa da livre mobilidade de capitais entre países; e (iv) defesa do livre comércio entres nações. Acompanhe aqui quais foram os resultados econômicos diretos destas políticas. Apresento alguns gráficos para a economia norte-americana, através dos quais fica patente o viés a favor dos rendimentos do capital e em detrimento dos rendimentos do trabalho.
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Todos os gráficos deste post foram produzidos por Duménil e Levy neste artigo ainda em preparação. Os dados são para a economia dos EUA e foram calculados a partir das contas nacionais do BEA.
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O primeiro gráfico que apresento é o que mais causa impacto, pois é a síntese do resultado neoliberal. A linha grossa ascendente é a produtividade do trabalho. Abaixo está a linha tracejada, que mostra a evolução da compensação do trabalho. Esta última inclui todos os benefícios, bônus e salários que os trabalhadores recebem. A evolução é ascendente por conta da alta na remuneração dos gerentes e diretores das grandes corporações, incluindo o pagamento de stock options. Ainda assim, a compensação do trabalho ficou bem abaixo do crescimento da produtividade destes mesmos trabalhadores, sejam eles operários, no setor de serviços, gerentes ou diretores. Mas o mais impactante é a terceira linha pontilhada, que mostra a evolução dos salários dos trabalhadores de “produção”. Nesta medida estão excluídos os benefícios e as remunerações de gerentes e diretores. Trabalhadores de “produção” representam 80% do total de pessoas trabalhando na agricultura, comércio, indústria e setor de serviços.
Vê-se claramente que a flexibilização do mercado de trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos e a redução dos direitos dos trabalhadores levou a classe de empregados como um todo a receber cada vez menos e produzir cada vez mais. A produtividade do trabalho não parou de crescer ao mesmo tempo em que os salários reais decresceram! Vemos patentemente que os salários reais de 80% do total de empregados nos EUA decresceu, ainda que este mesmos empregados estivessem multiplicando sua produtividade a cada ano.
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No próximo gráfico vemos a porcentagem que os salários totais representam no valor agregado em vários setores da economia norte-americana. Nos quatro casos observamos uma tendência de aumento da participação dos salários até o ano de 1980, ano marcado pelas políticas anti-trabalho de Ronald Reagan. Após 1980 a tendência passa a ser negativa. Deve0se levar em conta que a parcela dos salários está bem inflada pelos altíssimos salários de gerentes e diretores de empresas.
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Duménil e Lévy calculam o que chamam de “taxa de lucro à la Marx”, que é:
r = (valor agregado – remuneração do trabalho) / (estoque de capital fixo a custos correntes)
Em seguida calculam a “taxa de acumulação”, que é a taxa de crescimento do capital fixo. Vemos no próximo gráfico que a taxa de lucro à la Marx tem um pico na década de 1960 e uma queda acentuada até 1980. A partir de 1980 há uma tendência de recuperação. Entretanto, a taxa de crescimento do capital fixo tem uma evolução bem distinta da taxa de lucro à la Marx. Desde a década de 1960, vemos uma tendência negativa para a acumulação de capital fixo, ainda que a partir de 1980 a taxa de lucro tenha recuperado fôlego. Ou seja, ainda que a rentabilidade do capital tenha aumentado desde 1980, a tendência da acumulação de capital fixo seguiu seu rumo minguante em direção a zero.
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Duménil e Lévy se propõem, então, a entender o porque do descolamento entre taxa de lucro e taxa de crescimento do capital fixo. Eles resolvem, em passos sucessivos, retirar da taxa de lucro os efeitos dos impostos, dos juros líquidos e dos dividendos líquidos. Quando todos estes itens são retirados da taxa de lucro, o índice que sobra é a taxa de lucros retidos, calculada sobre o passivo líquido do setor privado corporativo.
Ao contrário da taxa de lucro à la Marx (linha grossa negra), a taxa de lucros retidos tem uma tendência negativa desde 1965. Ou seja, ainda que a taxa de lucros à la Marx tenha se recuperado após 1980, a taxa de lucros retidos seguiu seu rumo baixista até tornar-se negativa em 2009.
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Espera-se, portanto, que a taxa de acumulação de capital fixo siga o movimento da taxa de lucros retidos. O que é confirmado, pelo menos visualmente, no próximo gráfico. Assim, vemos que a acumulação de capital fixo não segue o comportamento da taxa de lucro à la Marx, mas segue sim o comportamento da taxa de lucros retidos.
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Os dados acima foram calculados como taxas. Seria interessante também ver o que aconteceu com a parcela de lucros na renda nacional dos EUA. O gráfico abaixo mostra a parcela de lucros após o pagamento de impostos e a parcela de lucros retidos em relação ao valor agregado total produzido pelo setor não-financeiro. Vemos que a parcela de lucros tem uma tendência crescente no geral, ainda que com quedas bruscas durante alguns anos, especialmente em 1965 e 1997. Como esperamos, a parcela dos lucros diminuiu quando a parcela dos salários aumentou. Entretanto, a parcela dos lucros retido apresentou uma tendência negativa no geral.
Da mesma forma como ocorreu com as taxas, a parcela dos lucros retidos decrescia enquanto que a parcela dos lucros totais subia. Há, portanto, uma lacuna crescente entre os lucros totais na economia e os lucros efetivamente retidos pelas corporações. A quem coube tal parcela? Aos trabalhadores certamente não foi, pois já vimos que a parcela dos salários decresceu com o neoliberalismo. Além de que os salários reais ficaram muito defasados em relação ao aumento da produtividade dos trabalhadores.
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Talvez a diferença tenha ficado com o governo. Poderia ser o caso em que os impostos estivessem se elevando, mas os dados mostram que não. Senão justamente o contrário. O total de impostos sobre a renda total vem diminuindo, com queda acentuada nos impostos cobrados sobre os lucros corporativos.
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Dessa forma, a crescente distância entre lucros totais e lucros retidos se explica pelo aumento dos juros líquidos e dividendos líquidos.
Em resumo, temos o seguinte resultado geral para o projeto neoliberal dos EUA:
1. A parcela dos salários na renda total decresceu a partir de 1980.
2. Os salários reais de 80% dos empregados decresceu enquanto sua produtividade cresceu enormemente.
3. A parcela de lucros totais segue sua tendência de crescimento positivo.
4. A parcela de lucros retidos pelas corporações privadas segue sua tendência negativa. O mesmo ocorre com a taxa de acumulação de capital fixo.
5. Uma parcela crescente da renda nacional dirige-se para o pagamento de juros e dividendos.
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O que parece explicar a baixa acumulação de capital fixo nos EUA não é a taxa de lucro total, que é crescente, mas sim a decrescente taxa de lucros retidos. E isto por conta do aumento de pagamentos líquidos de juros e dividendos.
Muitos marxistas afirmam, como Harvey, Arrighi e Brenner, que a queda na taxa de lucro do setor privado levou os capitalistas a buscarem formas alternativas de valorizarem seus capitais. Mas os dados mostram o contrário. A taxa de lucros totais aumentou. Quem diminuiu foi a taxa de lucros retidos pelas empresas. E esta diminuiu porque aumentou o pagamento de juros e dividendos, especialmente via aumento das taxa de juros reais no pós-1980 e via stock buybacks (recompra de ações pelo próprio emissor). O que sugere tese oposta a de Harvey, Arrighi e Brenner. Primeiro aumentaram os pagamentos de juros e dividendos (fruto da financeirização), e depois a taxa de lucros retidos caiu; ainda que a taxa de lucros totais estivesse subindo por conta do aumento da produtividade do trabalho conjugada com queda nos salários reais.
Fonte: marx21.com