O que é sindicato, por Henrique Carnary
O que é Sindicato
Henrique Carnary
• Os sindicatos são o resultado inevitável da divisão da sociedade em explorados e exploradores. Existem lutas e organização sindicais praticamente desde que existe o capitalismo. Por isso também é possível afirmar que, enquanto houver burgueses e proletários, vai haver luta e organização sindical: poderá ser diferente, clandestina, reprimida etc., mas vai haver. Toda a história aponta neste sentido.
Antes do capitalismo, existiram sociedades onde também havia explorados e exploradores. Naquelas sociedades os explorados muitas vezes se erguiam em luta contra seus exploradores. Tivemos, por exemplo, grandes rebeliões de escravos em Roma, como a de Espártaco, no século I a. C., sobre a qual todos sabemos um pouco devido ao famoso filme de 1960 com Kirk Douglas. Mas nenhum desses movimentos de explorados e oprimidos teve continuidade, nenhum deles deixou para as lutas futuras qualquer tipo de organização. Os trabalhadores assalariados são a única classe explorada na história que construiu organizações estáveis, com certa permanência no tempo.
Isso ocorre porque o proletariado é diferente de todas as outras classes exploradas do passado. Os escravos e servos viviam espalhados em um imenso território, quase não mantinham contato entre si. Além disso, as condições de vida dessas classes variavam muito de um lugar para o outro. Eram classes “atrasadas”, que não cumpriam um papel social ou político de destaque.
Com o proletariado é diferente. A burguesia, ao montar suas fábricas e usinas, agrupa, concentra e organiza os trabalhadores assalariados em grandes unidades produtivas. Dá-lhes educação técnica e científica, torna a vida de todos os trabalhadores mais ou menos igual em todos os lugares. Ao fazê-los movimentar toda a indústria, coloca em suas mãos um enorme poder econômico, social e político. E, uma vez que todos os trabalhadores são explorados, vivem e trabalham todos juntos e conversam entre si, surge inevitavelmente a organização e a luta pela melhoria de suas condições de vida. A burguesia, ao educar, organizar e concentrar o proletariado, criou ela mesma as bases para o surgimento dos sindicatos.
Uma história de lutas e perseguições
Mas dizer que os sindicatos são o resultado inevitável da sociedade capitalista não significa dizer que eles tenham surgido de maneira tranquila e feliz. Ao contrário, enquanto pôde, a burguesia evitou que os trabalhadores se unissem, reprimiu todo o tipo de luta e organização sindical.
Em abril de 1886, o jornal norte-americano Chicago Times estampava em sua manchete: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”. E o New York Tribune da mesma época não deixava por menos: “Esses brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar por várias gerações”. Assim a imprensa norte-americana se preparava para a greve geral convocada para maio daquele ano pela recém fundada Federação dos Grêmios e Sindicatos Operários dos EUA. O confronto com a polícia durante a greve deixou mais de 100 operários mortos e dezenas de feridos. A repressão foi exercida com tal força, que será lembrada ainda por várias gerações, como previu o New York Tribune.
Nascia ali, no dia 1º de maio de 1886, em Chicago, Estados Unidos, o Dia Internacional do Trabalhador. Tendo sido batizado em sangue, mas com uma coragem e disposição tremendas, o movimento operário organizado dava seus primeiros passos. Os sindicatos cresciam e se fortificavam.
A burocratização dos sindicatos
Para dar estabilidade a sua organização, para que os sindicatos permanecessem atuantes mesmo quando não há luta, os trabalhadores construíram aparatos: sedes, funcionários, um sistema de arrecadação de fundos, carros, liberações etc. Esse foi um enorme passo adiante na história do movimento operário, pois seria impossível se defender dos patrões sem uma organização permanente, sem recursos financeiros e humanos. Mas esse aparato, ao mesmo tempo em que é decisivo para a permanência da organização, gera pressões burocráticas que ameaçam os sindicatos enquanto organismos de luta.
Muitas vezes um dirigente sindical permanece liberado 15 ou 20 anos, sem nunca retornar ao trabalho. Em geral, os celulares são liberados, não há horário fixo de trabalho, o carro do sindicato está à disposição a qualquer hora. As ajudas de custo para viagens quase sempre superam a real necessidade de alimentação e hospedagem e ninguém controla o dinheiro que sobra. Os dirigentes sindicais adquirem pequenas vantagens que, aos poucos, se transformam em grandes. E se agarram a elas. Se sentem donos do sindicato. A uma certa altura chegam à conclusão de que seria bom se não houvesse mais eleições, nem oposição para ameaçar o seu reinado. Se tornam um elemento estranho à classe, fraudam as eleições, denunciam os membros da oposição para a patronal, usam a violência física para resolver as diferenças dentro e fora da diretoria.
Como se luta contra a burocratização
A burocratização dos sindicatos não é um desvio de caráter ou um problema pessoal dos dirigentes. É um problema material, objetivo, dessas organizações. Daí, duas conclusões: 1) nenhum dirigente, por mais honesto ou experiente que seja, está imune; e 2) é possível combater a burocratização com medidas concretas.
O problema da burocratização é tão comum que atinge até mesmo os sindicatos mais combativos. Em 2007, por exemplo, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, reconhecido em todo o país por sua firmeza na luta, realizou um congresso onde se discutiram abertamente todos os problemas de burocratização que afetavam a entidade: o afastamento dos diretores da base, a falta de política de formação para dirigentes e representantes de base, o mal uso do aparelho do sindicato etc. Foi uma discussão dura, porém fraterna, onde o objetivo fundamental era identificar os problemas e ver as formas de combatê-los.
Seguindo o exemplo do SindMetal SJC, outros sindicatos fizeram a mesma discussão. O resultado foi que em todos os sindicatos onde o problema foi discutido, o movimento se fortaleceu, os dirigentes saíram moralizados, a base saiu mais confiante na luta e na organização.
A estatização dos sindicatos
Paralelo à burocratização, ocorre um outro processo, tão perigoso quanto: a incorporação dos sindicatos ao aparelho de Estado. O reconhecimento dos sindicatos pelo Estado é uma grande conquista. Sem isso, toda e qualquer pequena luta ou organização sindical enfrentaria a justiça e a repressão.
O problema é que a coisa não para por aí. O Estado burguês não só reconhece os sindicatos, como cria mecanismos para cooptá-los, acelerar o processo de burocratização e isolá-los da base. No Brasil, por exemplo, existe o imposto sindical, que é recolhido de todo trabalhador e repassado ao sindicato independentemente do número de filiados. Isso faz com que os sindicatos possam existir sem qualquer participação da base, faz com que eles “devam” mais ao governo do que aos trabalhadores.
A democracia sindical: o controle e a participação da base
A luta por um regime democrático nos sindicatos, que se costuma chamar de “democracia operária” ou “democracia sindical”, não é um capricho romântico. É uma necessidade da luta. Para cumprirem o seu papel, os sindicatos precisam mobilizar o maior número possível de trabalhadores. No entanto, para haver participação, é preciso que haja democracia. Nenhum trabalhador entrega seu tempo e arrisca seu emprego por uma atividade na qual ele não decide nada. A falta de democracia nos sindicatos não é a única, mas é uma das principais causas de seu esvaziamento. Os dirigentes caem num circulo vicioso: quanto menos gente participa, mais eles decidem pela base; quanto mais eles decidem pela base, menos gente participa. Resultado: o esvaziamento completo dos sindicatos e o seu enfraquecimento para a luta.
A democracia sindical é necessária não porque a base esteja sempre certa em suas decisões e os dirigentes sejam sempre burocratas irremediáveis. Ao contrário, os sindicatos não são as únicas organizações a disputar a consciência dos trabalhadores. A imprensa, o governo e os próprios patrões são muito mais poderosos que os sindicatos nessa luta. Assim, as chances dessas organizações reacionárias convencerem os trabalhadores a entregar direitos e a aceitar piores condições de trabalho são grandes.
Mas justamente por isso a democracia sindical é decisiva. Porque é somente recorrendo à base, fazendo assembleias, reuniões, organizando CIPAS e comissões de fábrica, conversando permanentemente com a categoria, que os dirigentes sindicais têm melhores chances de ganhar a consciência dos trabalhadores e com isso trazê-los para a luta. Sem democracia sindical, o operário comum, o trabalhador de base, fica entregue à patronal, só escuta o que diz o seu chefe e o governo. Garantir a democracia sindical é uma tarefa árdua, cansativa, mas indispensável.
Nenhuma decisão sem votação; nenhum mandato sem eleição! Prestar contas e recorrer à base sempre; realizar assembleias sempre, mesmo que a participação seja mínima! Respeitar as decisões da categoria sempre, mesmo que a diretoria não concorde com essa decisão! Rejeitar o imposto sindical e viver apenas com o dinheiro dos filiados! Eis os princípios básicos para um funcionamento democrático dos sindicatos.
Os sindicatos e a política
Os socialistas rejeitam a tese de que os sindicatos não devem fazer política, de que os militantes dos partidos políticos não devem atuar nos sindicatos ou defender dentro deles as posições de seus partidos. Esta ideia verdadeiramente reacionária, anti-socialista e anti-operária, não foi introduzida nos sindicatos pelos trabalhadores, mas pela burguesia. É ela que vai para a imprensa a toda hora dizer que essa ou aquela greve não tem legitimidade porque “tem motivações políticas”. Os trabalhadores não precisam ter medo daqueles sindicalistas que empunham bem alto sua bandeira partidária e trazem as ideias de seu partido para serem debatidas. Ao contrário, devem desconfiar é daqueles que se escondem, que não revelam sua filiação partidária, que não dizem de onde vêm as ideias e propostas que defendem, que brincam de gato e rato com os trabalhadores.
Nós, os socialistas, atuamos nos sindicatos com toda nossa força e levamos nossas ideias para todas as diretorias das quais participamos. O que combatemos, obviamente, é que qualquer corrente política, seja ela um partido oficialmente reconhecido ou não, imponha suas posições aos sindicatos sem discussão, sem votação, por meio de manobras ou acordos às escondidas, desrespeitando as instâncias da entidade.
É exatamente nisso que reside a autonomia do sindicatos: os trabalhadores devem escutar atentamente todos os partidos, os sem-partido, os agrupamentos, os independentes etc., e depois tomarem sua própria decisão. Sinceramente, não imaginamos o que pode haver de mais democrático, honesto e educativo do que isso.
Os socialistas e os sindicatos
No capitalismo, a exploração ocorre sob a forma da venda da força de trabalho, do trabalhador ao empresário. Os sindicatos atuam para que essa mercadoria chamada “força de trabalho” seja vendida pelo maior preço possível. Ou seja, a luta sindical, mesmo quando vitoriosa, não acaba com as causas da exploração. Ela combate apenas os exageros e a ganância desmedida dos capitalistas. Para acabar realmente com a exploração, é preciso acabar com o próprio sistema salarial, com a propriedade privada dos meios de produção, com o capitalismo.
Por isso, os socialistas, quando atuam nos sindicatos, não o fazem apenas para obter esse ou aquele aumento salarial, embora a luta por salários seja, obviamente, parte de sua atividade. Antes de tudo, os socialistas atuam nos sindicatos para se aproximarem dos trabalhadores e ensiná-los a governar, para transformar os sindicatos em armas para a revolução socialista, em escolas de combate, escolas de poder operário, escolas de comunismo.
Fonte: https://www.pstu.org.br/jornal_materia.asp?id=14221&ida=35