Marina Silva em Wall Street 
 
Wladimir Safatle
 
Com o programa econômico mais liberal entre todos, PV apresentou o novo centro, com roupagem "moderna" 
 
 
"Wall  Street" é, entre outras coisas, o nome do novo filme do cineasta  norte-americano Oliver Stone. Ele conta a história da crise financeira  de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro  que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor.
 
 
Sua grande  preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia  ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar  sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como  idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do  estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde.  Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro  corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua  ganância.
 
 
Neste sentido, "Wall  Street" foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda  ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno  político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação  dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas  antigas pautas de esquerda.
 
 
A tendência já tinha  sido ditada na Europa. Hoje, o partido verde alemão prefere aliar-se aos  conservadores da CDU (União Democrata-Cristã) do que fazer  triangulações de esquerda com os sociais-democratas (SPD) e a esquerda  (Die Linke). Quando estiveram no governo de Schroeder, eles abandonaram  de bom grado a bandeira pacifista a fim de mandar tropas para o  Afeganistão. Com o mesmo bom grado, eles ajudaram a desmontar o Estado  do bem-estar social com leis de flexibilização do trabalho (como o  pacote chamado de Hartz IV). Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do  partido verde francês, fez de tudo para viabilizar uma aliança com os  centristas do Modem. Algo que soaria melhor para seus novos eleitores  que frequentam as praças financeiras mundiais.
 
 
No Brasil, vimos a  candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela  foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de  Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer  política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não  ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era  o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal,  os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um  antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na  espontaneidade da sociedade civil.
 
Não é de se estranhar  que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e  duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar.  Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas  que gostaria de um discurso mais "moderno". Um discurso menos centrado  em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do  trabalho e mais centrado em "nova aliança", "visão integrada" e outros  termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen.  Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como  mais uma bolha.
 
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP