Crise econômica: acabou mesmo ou vai continuar em 2010?
Por Lúcia Rodrigues
Entrevistamos a professora Leda Paulani, da Faculdade de Economia e Administração da USP; o professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia da Unicamp, e o líder da bancada do PT no Senado, Aloizio Mercadante, para saber como a economia brasileira deverá se comportar em 2010. Acompanhe a seguir os principais trechos da conversa com os três economistas.
“A crise pôs a nu a fragilidade da teoria ortodoxa, que vê no comportamento do mercado a solução para todos os problemas.” Leda Paulani
Qual é a sua expectativa para 2010?
Leda Paulani - Espero que o resultado de 2010 em termos de crescimento seja melhor do que o do ano passado, 2009 recebeu todo o impacto da crise seja em termos de emprego, produto e investimento. Por isso, 2010 deve ser melhor. No entanto, ainda podemos sentir os desdobramentos da crise.
Por que a crise que atingiu o Brasil foi diferente da que assolou os paísesdesenvolvidos?
A razão fundamental é que a matriz das operações financeiras, que provocaram essa crise, estava no centro do sistema, justamente nos Estados Unidos e países mais desenvolvidos. No Brasil não existia muito esse tipo de operação. Como os países emergentes sofreram a rebarba dessa crise, depende muito da política econômica de cada país. Foi se criando ao longo dos últimos 25 anos uma coisa que se convencionou chamar de sistema bancário sombra. É um sistema que não tem banco de varejo, ninguém tem talão de cheque. Ele opera principalmente na área de investimento, são bancos de investimento, corretoras, fundos de pensão, fundos hedge, fundos mútuos, sociedade de investimentos, criando moeda, criando crédito, mas que não estavam sob o abrigo do sistema regulatório, que atinge apenas o sistema bancário. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (banco central norteamericano) atinge apenas o sistema bancário convencional, com suas regulações. Mas o banco com os correntistas também sentiu as consequências das operações do sistema bancário sombra. Qual a diferença do Brasil? Aqui o sistema bancário sombra é muito pequeno, o nosso sistema financeiro é fundamentalmente um sistema bancário convencional. Em segundo lugar, os nossos bancos são mais conservadores e o Banco Central tem exigências de compulsórios muito mais elevados. Pelo Acordo da Basileia, a relação entre o patrimônio do banco e aquantidade de recursos que ele pode emprestar tem de ser no mínimo 8% e, no caso dos bancos brasileiros, pelo menos dos grandes bancos, é acima de 15%.
Houve um ponto de inflexão na política econômica do governo Lula pós-crise. Desse ponto de vista a crise foi positiva?
Essa tendência já existia. É evidente que a crise deu um empurrãozinho. A crise pôs a nu a fragilidade da teoria ortodoxa e que a economia financeirizada apoia, que vê no comportamento do mercado a solução para todos os problemas ao passo que a visão
mais desenvolvimentista não acredita nessas virtudes do mercado. A crise reforçou essa estratégia desenvolvimentista que eu acredito que já estava traçada no segundo governo Lula.
Como vê as candidaturas presidenciais Dilma e Serra, do ponto de vista da política econômica?
Não há nenhuma diferença de projeto entre as duas candidaturas. Do ponto de vista econômico, o governo Lula simplesmente reproduziu o que o governo Fernando Henrique já fazia. As pessoas dizem: mas ele não privatizou. Bom, mas também... sobrou a Petrobras, que já está privatizada de uma certa forma. Mas se quiserem tirar o controle do Estado, acho que dá uma confusão muito grande e ninguém quer comprar essa briga. Então não tinha muito mais o que privatizar. Mudou muita coisa com a crise, mas no Banco Central ninguém mexeu, a turma do Meireles continua lá. A tendência é, se continuar na estratégia desenvolvimentista, mudar também o Banco Central.
Como deve ser o crescimento econômico brasileiro em 2010?
Vai ser melhor. Acho que 2009 terá um crescimento negativo. Se for zero será um ótimo resultado. Portanto, o crescimento de 2010 deverá ser melhor que o do ano passado, em torno de 4%, até porque é ano eleitoral.
E em relação ao desemprego?
O Brasil vinha em uma trajetória de aumentar o número de empregos, inclusive formais, e deu uma segurada, mas acho que retoma de alguma maneira em 2010. Em relação à distribuição de renda a tendência também é melhorar. A melhora do nível de emprego, melhora a distribuição de renda. Outro fator que vai pesar é o novo aumento do salário mínimo. O aumento do salário mínimo real implica nessa melhora na distribuição de renda que observamos e não o bolsa família, como estão dizendo. O salário mínimo é direito. O Bolsa Família é uma liberalidade do governo que pode dar em uma hora e em outra não. Então o salário mínimo é muito mais importante para explicar essa distribuição da renda do que o Bolsa Família.
Que setores devem crescer?
O crescimento está sendo puxado basicamente pelo consumo doméstico e isso acaba afetando setores convencionais, como a indústria de transformação leve: roupa, alimento, remédio etc. e que normalmente tem uma quantidade de emprego formal maior que em outros setores, como o de serviços. Portanto, o emprego formal deve crescer. Os investimentos crescem menos, mas por conta dos investimentos governamentais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também deve crescer um pouco devido ao programa Minha Casa, Minha Vida, embora a construção civil já seja um pouco mais complicada, porque tem uma parte que não é formal. Os serviços crescem por tabela, porque quando cresce a indústria crescem os serviços. Vai ter um impacto positivo em todos os setores, menos no de investimentos. Estou falando da relação de formação bruta de capital fixo (máquinas, ferramentas, tratores etc.) em relação ao PIB que estava se recuperando desde 2005. Mas a crise deu um baque e recuou. E as projeções que foram feitas demonstram que a crise pode ter causado um retrocesso de dois a três anos. A indústria vai produzir mais, mas os investimentos ainda vão levar um tempo para serem retomados.
O que os trabalhadores podem esperar da economia em 2010?
Um pouco de recuperação do emprego, não sei se dá para esperar um aumento de salário médio real, a não ser o do próprio salário mínimo. Mas quando a economia está crescendo os sindicatos podem na luta recuperar esse panorama.
“É preciso derrotar o conservadorismo do Banco Central e o rentismo”, Waldir Quadros
Como a crise econômica atingiu o emprego brasileiro?
Waldir Quadros – A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) demonstra que a crise não foi tão séria. Mas essa pesquisa só pega as metrópoles, as regiões metropolitanas. Mas temos de esperar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para verificar o conjunto do país. De 2004 a 2008 o desemprego nas metrópoles realmente caiu significativamente, mas no conjunto do país não. Portanto, não dá para saber o que aconteceu em 2009. A minha intuição é de que houve um impacto significativo.
De que maneira a crise impactou na distribuição da renda?
Aquele progresso que vinha ocorrendo na base da pirâmide, com redução da miséria, aumento da massa trabalhadora, aumento da baixa classe média, deve ter se reduzido. Felizmente a crise não foi tão séria. O país está crescendo, mas teve mortos e feridos.
E quem são esses mortos e feridos?
Só dá para saber quando sair a PNAD (no segundo semestre). A minha intuição é de que o impacto maior deve ter ocorrido justamente na baixa classe média e na massa trabalhadora, que foram as duas que mais se beneficiaram com esse tipo de crescimento.
E também porque essas duas camadas são as que concentram a maior massa de desemprego: 76% dos desempregados. Isso antes da crise.
E quais ocupações tiveram o maior crescimento de emprego?
As atividades que mais cresceram foram as ocupações urbanas assalariadas tanto de trabalhadores como de colarinhos brancos, concentrados no padrão de vida de baixa classe média e massa trabalhadora.
Quando o senhor fala em massa trabalhadora a que está se referindo?
É o padrão de vida que define, porque tem operário e até colarinho branco. Quando eu chamo baixa classe média e massa trabalhadora é por estrato de renda. A faixa de renda que trabalhamos é a da PNAD, que é a renda declarada pelo entrevistado, não é a renda efetiva. Quando estratifico é que dá a massa trabalhadora, a classe média, os miseráveis. Na estrutura individual, miserável é quem ganha até R$ 317, em valores de outubro de 2008.
O grau de miserabilidade teve uma queda no governo Lula?
Sim, e foi grande. Em termos de famílias, o que inclui toda a população e não só os trabalhadores, ocorreu uma redução de 29, quase 30 milhões. É gente pra caramba. Isso sem contar o crescimento populacional. Contando o crescimento populacional, caiu de 47 milhões para 18 milhões. E a baixa classe média, que é a coqueluche da classe C, cresceu 12,6 milhões. Diminuiu 29 milhões entre os miseráveis e cresceu 21 na baixa classe média e na massa trabalhadora. Ficou tudo aí praticamente. O grosso da mobilidade ficou concentrado nessas camadas, que não são nenhuma Brastemp. Baixa classe média é padrão de vida de professor primário, balconista, auxiliar de escritório.
Mas para quem vivia em um nível de miserabilidade foi uma ascensão.
Provavelmente os miseráveis foram para a situação de pobres, de massa trabalhadora e os de massa trabalhadora é que devem ter ido para baixa classe média. Dificilmente a pessoa sai lá de baixo e ascende rapidamente. De qualquer forma, em cinco anos foi uma coisa significativa. Realmente é magnífico.
Mas isso foi fruto do quê?
Crescimento econômico e aumento do salário mínimo, principalmente lá embaixo, além do aumento do emprego formal. Porque quem tem emprego formal ganha pelo menos o salário mínimo.
O crescimento econômico foi fruto de uma política econômica acertada do governo ou se deveu ao contexto internacional?
A política econômica, principalmente a política de juros e de câmbio, só atrapalhou, mas como a economia mundial, principalmente a China, e nós engatamos na China, teve um crescimento espetacular, por isso, apesar da política econômica, o país cresceu. Isso em si não é ruim. Mas onde está o problema? O problema é que esse crescimento é de
baixa performance. A gente está crescendo fundamentalmente baseado em commodities e indústria de baixo conteúdo tecnológico. Petróleo, mineração, exportação de produtos primários. Obviamente esse câmbio e esses juros são totalmente danosos em relação à indústria e aos serviços, que geram empregos de melhor remuneração. Por isso, a mobilidade social que ocorreu foi intensa, mas se limitou à baixa classe média. Porque as empresas geram emprego de baixa remuneração, não de baixa qualificação. Exige qualificação, mas paga pouco. Isso por dois motivos: um deles é a situação defensiva
por causa do câmbio, dos juros e da concorrência interna, o outro são as empresas que vão bem devido ao comportamento rentista. Como elas vão bem, arrocham o salário para aplicar no financeiro. Não é porque a empresa está indo bem que vai pagar melhor salário, vai querer aplicar no financeiro e arrochar o salário do mesmo jeito. Qual é o mecanismo fundamental para arrochar os salários? Rotatividade.
Lúcia Rodrigues é jornalista