Bolívia: Neodesenvolvimentismo ou alternativa ao capitalismo, artigo de Guilherme Almeyra

31/10/2011 12:31

Guillermo Almeyra

Na Bolívia os camponeses-indígenas que produzem para o consumo próprio mas vendem seus excedentes (e que podem produzir seja individualmente, seja em formas comunitárias de tipos diversos), os peões rurais e pastores, os pequenos mineiros privados, os trabalhadores mineiros assalariados, os assalariados urbanos que trabalham em oficinas semi artesanais ou nas fábricas, no pequeno comércio informal ou formal, nos organismos estatais ou instituições privadas, coexistem com os indígenas do Oriente, que vivem em comunidades autônomas baseadas no consumo próprio e que tem relações muito frouxas com o mercado, vendendo às vezes alguns produtos, comprando alguns insumos e trabalhando em ocasiões por salário.


A influência das ideias e valores capitalistas dominantes, em geral, é maior nas cidades que nas zonas rurais, maior no altiplano que na selva oriental, maior entre os mestiços que entre os indígenas, maior entre os aymaras do El Alto e de La Paz que entre os que ainda vivem nos restos dos comunitários ayllus próximo da fronteira com o Peru. Quanto a economia da Bolívia, é capitalista, extrativa e depende, como país, das mudanças tecnológicas que se sucedem no capitalismo internacional, como se expressou nos ciclos sucessivos da prata, estanho, agora petróleo e gás, o lítio e as terras raras, mais a soja. O capitalismo financeiro internacional dirige essa economia e está entrelaçado com os grandes burgueses nacionais, sobretudo os do oriente. O Estado, que é debilíssimo, enfrenta a multidão de outros poderes em gérmen, seja nos conflitos com os operários e os indígenas-camponeses que o desafiam por motivos corporativos, seja nas lutas com as tentativas reacionárias de setores capitalistas locais (latifundiários e industriais) de construir uma autonomia regional semisseparatista.

Como na Bolívia, tradicionalmente, os postos públicos se compravam, o governo deve combater igualmente a tendência ao uso particular dos recursos públicos, à corrupção, o clientelismo e o caudilhismo. Ao mesmo tempo, tem que reduzir o regionalismo, a visão provinciana e corporativa que sobrepõe os interesses de cada grêmio ou setor aos do conjunto de explorados e oprimidos. A debilidade do Estado e a carência de quadros preparados do governo o leva, por outro lado, a impor a dependência das empresas e capitais estrangeiros ou das ONG's com eles relacionadas. Tudo isso reforça em seu seio o jacobinismo centralizador e autoritário, o decisionismo verticalista, a concentração do poder e a tendência a tratar de unificar a população recorrendo fundamentalmente uma retórica nacionalista semelhante à de Bush-Villarroel e do MNR de 1952, que o governo apresenta e decora com uma salsa indigenista tipo new age, em boa parte inventada, para tratar de juntar aymaras, quechuas, urus, guaranis e outras etnias do Chaco ou dos povos amazônicos.

Ao mando efetivo do mercado mundial e do capital internacional e suas imposições, o Estado boliviano, como o de outros países dependentes, opõe essencialmente um voluntarismo neodesenvolvimentista, buscando a todo custo divisas fortes para que a cadeia que o apressa seja mais leve e mais larga. Como combinar o desenvolvimentismo e o extrativismo herdados e necessários em uma primeira fase de transição a uma independência econômica e política com o desenvolvimento de políticas que fomentem uma produção e consumo alternativos ao do capitalismo? Em primeiro lugar, não se dando o objetivo de desenvolver um capitalismo bom, andino-amazônico, porque esse animal não existe e, em troca, se cria um monstro. Em segundo lugar, respeitando as formas não daninhas de utilização da natureza (os cultivos em bosque e a caça e pesca neste, a pequena pecuária, pequena mineração, o artesanato tradicional, a economia camponesa baseada na produção combinada de cereais, tubérculos, frutas, legumes e hortaliças e a criação de animais de quintal). Em terceiro lugar, com uma reforma agrária que não destine as terras do Oriente ao monocultivo capitalista de soja para exportação ou à exportação de madeiras preciosas, mas ao assentamento de famílias camponesas do altiplano que de todos os modos serão corridas dali pela falta de água. Além disso, desenvolvendo o cooperativismo, o espírito de colaboração comunitária ou coletiva e respeitando a vontade dos indígenas, sejam eles camponeses ou não, e das populações rurais, bem como dos diversos tipos de autonomias que é garantida por lei, em vez de decidir tudo desde La Paz.

O conflito com os povos do Chaco e do Beni, e com os guaranis, por exemplo, provém de um atropelamento: não houve consulta prévia, como fixa a Constituição, no traçado da estrada que atravessaria seu território. E, após obrigá-los a iniciar uma marcha de protesto de 650km a pé, desde a selva até o altiplano, seguiu com outro atropelamento ainda pior, ou seja, com as declarações de que a estrada se faria ou sim ou sim, e com a selvagem repressão policial e as falsas negociações com um punhado não-representativo do povo do TIPNIS.

Se agora os marchantes são recebidos em multidão em La Paz e se Evo Morales deve negociar com eles ali e não no TIPNIS, é porque não houve consulta prévia, senão uma tentativa de lhes impor, como no caso do gasolinazo, as decisões não consultadas e arbitrárias do governo e do mercado. Se um problema técnico se transformou em um caso político grave é porque o governo não entende que o caráter plurinacional do Estado e a Constituição resultante das lutas não podem ser ignorados nem rebaixados ao nível da retórica e dos rituais new age, mas são vinculantes. As políticas econômicas dependem do consenso e da estabilidade política, e não estes do êxito daquelas.

 

Fonte: https://diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=20894:bolivia-neodesenvolvimentismo-ou-alternativa-ao-capitalismo&catid=100:outras-vozes&Itemid=21