Levantem as bandeiras!

Levantem as bandeiras!

Por Ruy Braga.

 

Desafinando o coro dos contentes, a juventude brasileira foi às ruas. Em todo o país, massivas manifestações esparramaram-se pelas praças e avenidas das capitais. Aquilo que há apenas uma semana parecia impossível tornou-se trivial: a juventude deseja se reapropriar do espaço urbano que foi ardilosamente espoliado pelo conluio entre incorporadoras, construtoras, empresas de transporte e poder público.

 

Os jovens querem inventar outra metrópole e começam a vencer. Um lugar generoso onde as diferenças sejam acolhidas, os serviços públicos funcionem para as amplas maiorias e o espaço urbano não seja propriedade de uns poucos. A imagem de 100 mil pessoas caminhando por entre os prédios envidraçados dos bancos e das corporações na Faria Lima em direção à região da Berrini traduz cristalinamente esse desejo.  

 

Essa juventude sabe que os partidos, notoriamente o PSDB e o PT, além de seus satélites, não estão à altura desse anseio. Afinal, há décadas eles são parte de uma mesma trama que a cada eleição negocia milhões de reais de financiamento por inúmeras “maracutaias” com construtoras e empresas de ônibus. Daí a formação desse sentimento antipartidário alimentado por um instinto plebeu igualitarista compreensivelmente resistente ao pesado e desigual jogo político parlamentar.   

 

Trata-se de um instinto progressista que merece ser elaborado e tornado coerente pelas forças coletivas que têm animado os atuais protestos. No entanto, em meio à usual confusão que acontece quando milhares decidem agir simultaneamente, não poucos buscaram instrumentalizar esse instinto a fim de intimidar militantes do PSTU, do PSOL e do PCB. Notoriamente, alguns jovens mascarados avançaram sobre as bandeiras dos ativistas de esquerda. Isso é inadmissível.

 

Em primeiro lugar, pois se trata do direito elementar de manifestar publicamente opções políticas. Aqueles que enfrentam a polícia em defesa do direito à cidade não podem cercear o direito político dos que estão lutando justamente ao seu lado nas ruas. Este é o caminho que historicamente os setores mais reacionários da sociedade brasileira escolheram. O PCB passou a maior parte de sua longa existência na ilegalidade. Após o golpe de 1964, os militares substituíram todos os partidos da república populista por um único que foi dividido em duas alas, a do “sim” (MDB) e a do “sim senhor” (Arena). Em nome de um nacionalismo tosco, amordaçaram a democracia em benefício das multinacionais.

 

No entanto, o mais grave é que esse comportamento divide e fragiliza os protestos. Para os neófitos em passeatas, o atual movimento surgiu do vácuo. É um desatino. Alguém de fato acredita que em mais de uma dúzia de capitais centenas de milhares de jovens tenham decidido ir às ruas sem que nada existisse antes? Por exemplo, sem que o Movimento Passe Livre de São Paulo tivesse levado balas de borracha da polícia militar em várias ocasiões até que outros jovens chocados com esse tipo de repressão autoritária decidissem apoiá-lo.

 

Aliás, o que é o Movimento Passe Livre, senão um amálgama de bravos ativistas dos movimentos popular e estudantil, muitos deles com anos de experiência em partidos políticos de esquerda? Na realidade, existem partidos e partidos e muitos dos que hoje defendem o apartidarismo, atacando os agrupamentos identificados com a oposição de esquerda aos governos municipal, estadual e federal, esquecem-se de que votaram majoritariamente tanto no PSDB, quanto no PT.

Neste momento de avanço do movimento de massas, é necessário reconhecer que as lutas pela redução das tarifas do transporte urbano são, de fato, apartidárias. No entanto, não podemos tolerar a violência daqueles que, protegidos por máscaras, querem baixar à força as bandeiras da esquerda. Os ativistas do PSTU, do PSOL e do PCB estão nas ruas há muito tempo e seguramente não irão se furtar à responsabilidade de continuar defendendo a democracia socialista.

Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2013/06/20/levantem-as-bandeiras/