Seminário Neoliberalismo e direitos sociais: os impactos na política de saúde (2)
Políticas públicas de Saúde no governo Lula: a lógica da saúde mínima
Renata Mallet Guena, especial para o Portal do PSTU |
• Crise nos hospitais federais, epidemia de dengue no Rio de Janeiro, sucateamento e privatização de hospitais universitários, desvios da verba de saúde, terceirização dos serviços de saúde básica, diminuição do gasto de saúde por pessoa e engessamento do controle social. Diante dessa crise na saúde pública, que esteve presente em todo o primeiro mandato do governo Lula, um novo slogan surgiu, agora, no segundo mandato. Prevendo mudanças e falsas esperanças, o governo diz: “Segurança, Educação e SAÚDE são prioridades para 2008”.
Cabe, então, perguntar: que mudanças na saúde seriam essas? A resposta não é nada animadora. Pelo contrário, vêm aí novos ataques aos direitos conquistados pela classe trabalhadora. O governo Lula aponta um projeto neoliberal de saúde, marcado pela privatização, sucateamento da saúde pública e precarização do trabalho em saúde.
A lógica das políticas de saúde do governo Lula é simples: Estado mínimo para os direitos sociais significa uma saúde pública mínima. É principalmente no segundo mandato (mais especificamente a partir de março de 2007), quando o Banco Mundial apresenta algumas sugestões para reverter a situação da saúde pública, que se configura com mais clareza a política de saúde nos padrões neoliberais: redução de gastos públicos, cortes no financiamento e fortalecimento da gestão.
Ou seja, os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) não ocorrem devido a poucas verbas, mas justificam-se pela ineficiência ou incompetência dos seus gestores, sendo necessárias, então, políticas de saúde que visem o aprimoramento da gestão. Exemplos dessa política neoliberal podem ser percebidos no debate atualmente feito sobre a questão do financiamento do SUS e todas as medidas realizadas visando cortes de gastos públicos nesse setor e sobre a priorização na qualificação da gestão.
Recentemente, em 2007, a Emenda Constitucional 29 (EC-29) apareceu como uma estratégia do governo Lula para garantir bons indicadores econômicos nesse segundo mandato. A EC-29 é concebida como a principal reivindicação do movimento de reforma sanitária no âmbito do financiamento. Pensada em 2000 com o objetivo de definir a contribuição mínima de cada esfera do governo nos recursos destinados ao SUS, já passou por várias modificações que acabaram na diminuição de verbas antes estabelecidas.
Em fevereiro de 2007, o governo divulgou sua grande política de financiamento da saúde, o aumento de 24 bilhões de reais nos recursos destinados a esse setor até 2010. Para que tal proposta fosse concretizada, seria necessário regulamentar a EC-29 e prorrogar a CPMF por alguns anos. A jogada estava dada: Lula garantiria a verba necessária para sua política econômica, como deve fazer todo neoliberal aplicado, e, ao mesmo tempo, vestiria a sua máscara de presidente sensível às causas sociais, entre elas a saúde pública.
No entanto, como todos já sabemos, a manutenção da CPMF não passou e, com isso, o “desejo incontido” do governo em investir na saúde também. Não é à toa que, hoje, com a desculpa de que não haveria como garantir o aumento do financiamento, Lula afirma que se a EC-29 passar na Câmara, será vetada por ele. Enquanto isso, surgem boatos sobre a criação de uma nova CPMF, a CSS (Contribuição Social para a Saúde).
Como, então, 2008 será o ano da Saúde, sem uma política de financiamento efetiva e condizente com as necessidades de saúde da população? O PAC-Saúde e o Mais Saúde, programas do Ministério da Saúde, explicam como isso será possível: com o racionamento dos gastos públicos, a formação de profissionais para o SUS e a qualificação da gestão. Trocando em miúdos, a solução é o acirramento do processo de mercantilização da saúde.
A formação dos profissionais visa a capacitação técnica para o atendimento nos PSFs (Programa de Saúde da Família, uma estratégia de saúde na atenção básica), estando, na prática, totalmente desvinculada com necessárias melhorias nas condições de trabalho e de salário. Resumindo, profissionais formados e com relativo conhecimento sobre trabalho no SUS, mas atuando em estrutura precária, alta demanda de atendimentos e salários baixos. No que diz respeito à qualificação da gestão, é proposta uma modernização dos processos de gestão da saúde pública concretizada a partir da implantação de um novo modelo de gestão: as Fundações Estatais de Direito Privado.
A implantação das Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), significa a defesa escancarada da privatização da saúde pública, perdas de direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e desrespeito aos princípios do SUS. Através das FEDP, será possível transferir, de forma mais extrema, a lógica empresarial para o SUS, principalmente no tocante à precarização do trabalho em saúde e a abertura para a iniciativa privada.
A FEDP prevê modificações na forma de contratação da força de trabalho. Os profissionais de saúde serão contratados por meio da CLT (Consolidações das Leis de Trabalho). As trabalhadoras e trabalhadores de saúde perderão a estabilidade garantida pelo Estatuto do Funcionalismo Público e serão obrigados a seguir metas de produtividade indicadas pelas fundações, ou seja, deverão ser mais competitivos e competentes numa situação de péssimas condições de trabalho a fim de favorecer unicamente à acumulação de capital.
Quem não cumprir a meta ou quem não apresentar boa conduta poderá ser demitido. Nesse sentido, as fundações estatais constituem-se um instrumento do Estado neoliberal para fragilizar qualquer tentativa de resistência e de organização política radical das trabalhadoras e trabalhadores em saúde.
As fundações também poderão buscar parcerias com o capital privado. A título de exemplo, um hospital ou um PSF poderá solicitar financiamento privado para realizar pesquisas ou manter grupos de pesquisas. Pela FEDP, será possível organizar todo o trabalho e gestão em saúde através de parâmetros da administração privada, regida pelo cumprimento de metas, autonomia financeira, exploração do trabalho e íntima relação público-privado. Garante-se, assim, na prática, a expansão do setor privado na saúde pública.
As FEDP ferem os princípios do SUS, uma vez que retiram do Estado a responsabilidade em prover a saúde pública e descaracterizam o papel do controle social na realização e fiscalização das políticas públicas. O controle social será reduzido a um mero órgão consultivo, sendo submetido ao Estatuto da Fundação e ao Conselho Curador instituído pelas fundações. Pode-se afirmar, assim, que os usuários do SUS, na sua grande maioria pertencentes à classe trabalhadora, além de terem acesso a uma saúde privatizada, terão seu direito de participação roubado.
A desvalorização das políticas de financiamento do SUS, como no processo de regulamentação da EC-29, e a ênfase nas políticas de gestão, como a FEDP, mostram que a verdadeira prioridade do governo Lula para 2008 não é com a saúde pública gratuita, mas em dar continuidade à implementação da política neoliberal de retirada dos direitos sociais historicamente conquistados pela classe trabalhadora. O pacote do governo Lula para a saúde é o da Saúde Mínima, dentro de uma perspectiva de privatização da saúde e de desresponsabilização do Estado para a questão pública. Visa condições mínimas de saúde para a classe trabalhadora, financiamento mínimo, número diminuto de profissionais de saúde, diminuição dos direitos e participação política mínima.
- A saúde tem de ser pública e gratuita!
- Contra a privatização da saúde!
- Contra as fundações estatais de direito privado!
- Contra o projeto neoliberal de saúde mínima!
Fonte: https://www.pstu.org.br/nacional_materia.asp?id=8595&ida=0