Por Que o Monetarismo Substituiu o Keynesianismo a Partir dos Anos 1970?, Tomas Rotta

12/06/2011 10:00

Que o monetarismo substituiu forçosamente o keynesianismo a partir de 1970 não há dúvida. Entretanto, permanece aberta a questão do porquê desta mudança política e teórica. Dentre os que preferem enfatizar o lado teórico, o monetarismo viria a resolver problemas inerentes à teoria keynesiana, como a tendência inflacionária dos investimentos públicos e as inconsistências lógicas da versão original da curva de Phillips. A maioria dos economistas acredita que o monetarismo e a escola das expectativas racionais trariam mais rigor à teoria macroeconômica, via micro-fundamentações e modelagem de expectativas. Do lado prático, os argumentos mostravam que o keynesianismo tinha chegado ao seu fim com a desaceleração e ameaça de perda de hegemonia da economia norte-americana.

A súbita troca de paradigmas serviu de argumento a favor da superioridade do monetarismo e da inferioridade do keynesianismo. Acontece que a chegada do monetarismo ao poder nos EUA fez-se acompanhar do início do chamado neoliberalismo, desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira, flexibilização do mercado de trabalho com ataques diretos aos sindicatos e às leis trabalhistas.

Duncan Foley enfatiza com maestria os fatores políticos detrás da nova hegemonia do monetarismo:

Acredito que a mudança do keynesianismo para os modelos de expectativas racionais foi resultado de uma pressão sobre os economistas para encontrarem uma explicação ‘neutra’ sobre um conflito altamente não-neutro. O conflito não-neutro era a distribuição da renda nacional entre salários e lucros nos anos 1970. A teoria da neutralidade da moeda viria justamente a reinar quando as políticas do Banco Central se tornaram determinantes neste conflito sobre a distribuição da renda” (Duncan Foley - Mathematical Formalism and Political Economic Content)

Esta é uma explicação de mudanças de paradigma teórico baseada explicitamente em conflitos de classe e em conflitos sobre a distribuição da renda entre salários e lucros. Foley nunca diz que a vitória do monetarismo e da escola das expectativas racionais (ambas de Chicago) ocorreram por conta da influência de “pensadores inteligentes” ou mesmo por conta de “melhores argumentos teóricos”. O raciocínio de Foley se aproxima em muito da tese de David Harvey de que o neoliberalismo do pós-1970 foi um projeto de classe e que a economia neoclássica foi uma racionalização para justificá-lo.

A posterior discussão acerca da independência do Banco Central está no centro desta questão. A vasta maioria ainda pensa que os Bancos Centrais devem ser independentes do Governo para combater a inflação com maior eficácia. Tal visão ignora por completo o conflito de classes no cerne do jogo. Os economistas preferem dizer que Kindland e Prescott eram de fato “inteligentes” e que realmente mereceram o prêmio Nobel em economia pela teoria do inerente viés inflacionário da política monetária. Isto sem qualquer menção sobre o conflito entre salários e lucros, ou mesmo sobre como o salário real estagnou nos EUA desde que o monetarismo chegou ao poder.

É interessante também ver como o Meireilles estava tão preocupado com a inflação no Brasil. O governo diz que controlar a inflação significa manter o poder de compra real dos salários dos trabalhadores. Se isto é verdade, por que o presidente do Banco Central precisa pedir ajuda aos EUA para reforçar o combate à inflação no Brasil? O Meirelles era realmente preocupado com os salários dos brasileiros, não é mesmo?

“Próximo das eleições de 2006, o então presidente do Banco Central Henrique Meirelles pediu aos EUA que atuassem junto ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que fosse dada ao BC mais independência, de acordo com documentos secretos do Departamento de Estado norte-americano. Em conversa com diplomatas norte-americanos em 9 de agosto de 2006, Meirelles prometeu pressionar nos bastidores por mudanças regulatórias que criassem um ambiente de investimento melhor para empresários norte-americanos no Brasil. [...] ”Meirelles pediu que [o governo dos EUA] usasse discretamente sua relação [com o Brasil] para discutir a importância de levar ao Congresso uma legislação garantindo ao Banco Central essa autonomia” [...]. Ele argumentou que o secretário de Tesouro Henry Paulson em particular seria capaz de tratar desse assunto com o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega” (Folha de SP – reportagem de 25 de março de 2011reportagem de 16 de maio de 2011)

Seja monetarismo à la Friedman ou metas de inflação à la Kindland, Prescott e Rogoff, o jogo não é teórico. A disputa é entre capital e trabalho pelas suas respectivas fatias da renda nacional. É curioso ver o afinco com o qual o Meirelles defendia o sistema de metas de inflação, implantado pelo Sérgio Werlang, hoje economista-chefe do Banco Itaú. O Meirelles foi por anos presidente do Bank Boston. A estreita relação entre o sistema financeiro e a política monetária do Banco Central levantam dúvidas sérias sobre a tese de que a independência do Banco Central seria benéfica para os trabalhadores, justamente porque controlaria a inflação. A história recente dos EUA prova o contrário: quanto mais independência o FED teve, mais os salários reais estagnaram. Ao que tudo indica, Foley tem muita razão ao denunciar a relação entre o monetarismo e a luta entre capital e trabalho.