Os Resultados Econômicos do Projeto Neoliberal: Salários, Lucros e Crescimento nos EUA, do Marx21

26/09/2011 09:09

Muito se fala sobre neoliberalismo, mas pouco se conhece sobre os números produzidos por este projeto político que se iniciou na década de 1970 nos EUA e na Inglaterra. Basicamente, o projeto neoliberal representou: (i) um ataque direto aos direitos trabalhistas, via flexibilizações dos mercados de trabalho; (ii) desregulamentação dos mercados financeiros; (iii) defesa da livre mobilidade de capitais entre países; e (iv) defesa do livre comércio entres nações. Acompanhe aqui quais foram os resultados econômicos diretos destas políticas. Apresento alguns gráficos para a economia norte-americana, através dos quais fica patente o viés a favor dos rendimentos do capital e em detrimento dos rendimentos do trabalho.

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Todos os gráficos deste post foram produzidos por Duménil e Levy neste artigo ainda em preparação. Os dados são para a economia dos EUA e foram calculados a partir das contas nacionais do BEA.

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O primeiro gráfico que apresento é o que mais causa impacto, pois é a síntese do resultado neoliberal. A linha grossa ascendente é a produtividade do trabalho. Abaixo está a linha tracejada, que mostra a evolução da compensação do trabalho. Esta última inclui todos os benefícios, bônus e salários que os trabalhadores recebem. A evolução é ascendente por conta da alta na remuneração dos gerentes e diretores das grandes corporações, incluindo o pagamento de stock options. Ainda assim, a compensação do trabalho ficou bem abaixo do crescimento da produtividade destes mesmos trabalhadores, sejam eles operários, no setor de serviços, gerentes ou diretores. Mas o mais impactante é a terceira linha pontilhada, que mostra a evolução dos salários dos trabalhadores de “produção”. Nesta medida estão excluídos os benefícios e as remunerações de gerentes e diretores. Trabalhadores de “produção” representam 80% do total de pessoas trabalhando na agricultura, comércio, indústria e setor de serviços.

Vê-se claramente que a flexibilização do mercado de trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos e a redução dos direitos dos trabalhadores levou a classe de empregados como um todo a receber cada vez menos e produzir cada vez mais. A produtividade do trabalho não parou de crescer ao mesmo tempo em que os salários reais decresceram! Vemos patentemente que os salários reais de 80% do total de empregados nos EUA decresceu, ainda que este mesmos empregados estivessem multiplicando sua produtividade a cada ano.

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No próximo gráfico vemos a porcentagem que os salários totais representam no valor agregado em vários setores da economia norte-americana. Nos quatro casos observamos uma tendência de aumento da participação dos salários até o ano de 1980, ano marcado pelas políticas anti-trabalho de Ronald Reagan. Após 1980 a tendência passa a ser negativa. Deve0se levar em conta que a parcela dos salários está bem inflada pelos altíssimos salários de gerentes e diretores de empresas.

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Duménil e Lévy calculam o que chamam de “taxa de lucro à la Marx”, que é:

r = (valor agregado – remuneração do trabalho) / (estoque de capital fixo a custos correntes)

Em seguida calculam a “taxa de acumulação”, que é a taxa de crescimento do capital fixo. Vemos no próximo gráfico que a taxa de lucro à la Marx tem um pico na década de 1960 e uma queda acentuada até 1980. A partir de 1980 há uma tendência de recuperação. Entretanto, a taxa de crescimento do capital fixo tem uma evolução bem distinta da taxa de lucro à la Marx. Desde a década de 1960, vemos uma tendência negativa para a acumulação de capital fixo, ainda que a partir de 1980 a taxa de lucro tenha recuperado fôlego. Ou seja, ainda que a rentabilidade do capital tenha aumentado desde 1980, a tendência da acumulação de capital fixo seguiu seu rumo minguante em direção a zero.

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Duménil e Lévy se propõem, então, a entender o porque do descolamento entre taxa de lucro e taxa de crescimento do capital fixo. Eles resolvem, em passos sucessivos, retirar da taxa de lucro os efeitos dos impostos, dos juros líquidos e dos dividendos líquidos. Quando todos estes itens são retirados da taxa de lucro, o índice que sobra é a taxa de lucros retidos, calculada sobre o passivo líquido do setor privado corporativo.

Ao contrário da taxa de lucro à la Marx (linha grossa negra), a taxa de lucros retidos tem uma tendência negativa desde 1965. Ou seja, ainda que a taxa de lucros à la Marx tenha se recuperado após 1980, a taxa de lucros retidos seguiu seu rumo baixista até tornar-se negativa em 2009.

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Espera-se, portanto, que a taxa de acumulação de capital fixo siga o movimento da taxa de lucros retidos. O que é confirmado, pelo menos visualmente, no próximo gráfico. Assim, vemos que a acumulação de capital fixo não segue o comportamento da taxa de lucro à la Marx, mas segue sim o comportamento da taxa de lucros retidos.

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Os dados acima foram calculados como taxas. Seria interessante também ver o que aconteceu com a parcela de lucros na renda nacional dos EUA. O gráfico abaixo mostra a parcela de lucros após o pagamento de impostos e a parcela de lucros retidos em relação ao valor agregado total produzido pelo setor não-financeiro. Vemos que a parcela de lucros tem uma tendência crescente no geral, ainda que com quedas bruscas durante alguns anos, especialmente em 1965 e 1997. Como esperamos, a parcela dos lucros diminuiu quando a parcela dos salários aumentou. Entretanto, a parcela dos lucros retido apresentou uma tendência negativa no geral.

Da mesma forma como ocorreu com as taxas, a parcela dos lucros retidos decrescia enquanto que a parcela dos lucros totais subia. Há, portanto, uma lacuna crescente entre os lucros totais na economia e os lucros efetivamente retidos pelas corporações. A quem coube tal parcela? Aos trabalhadores certamente não foi, pois já vimos que a parcela dos salários decresceu com o neoliberalismo. Além de que os salários reais ficaram muito defasados em relação ao aumento da produtividade dos trabalhadores.

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Talvez a diferença tenha ficado com o governo. Poderia ser o caso em que os impostos estivessem se elevando, mas os dados mostram que não. Senão justamente o contrário. O total de impostos sobre a renda total vem diminuindo, com queda acentuada nos impostos cobrados sobre os lucros corporativos.

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Dessa forma, a crescente distância entre lucros totais e lucros retidos se explica pelo aumento dos juros líquidos e dividendos líquidos.

Em resumo, temos o seguinte resultado geral para o projeto neoliberal dos EUA:

1. A parcela dos salários na renda total decresceu a partir de 1980.

2. Os salários reais de 80% dos empregados decresceu enquanto sua produtividade cresceu enormemente.

3. A parcela de lucros totais segue sua tendência de crescimento positivo.

4. A parcela de lucros retidos pelas corporações privadas segue sua tendência negativa. O mesmo ocorre com a taxa de acumulação de capital fixo.

5. Uma parcela crescente da renda nacional dirige-se para o pagamento de juros e dividendos.

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O que parece explicar a baixa acumulação de capital fixo nos EUA não é a taxa de lucro total, que é crescente, mas sim a decrescente taxa de lucros retidos. E isto por conta do aumento de pagamentos líquidos de juros e dividendos.

Muitos marxistas afirmam, como Harvey, Arrighi e Brenner, que a queda na taxa de lucro do setor privado levou os capitalistas a buscarem formas alternativas de valorizarem seus capitais. Mas os dados mostram o contrário. A taxa de lucros totais aumentou. Quem diminuiu foi a taxa de lucros retidos pelas empresas. E esta diminuiu porque aumentou o pagamento de juros e dividendos, especialmente via aumento das taxa de juros reais no pós-1980 e via stock buybacks (recompra de ações pelo próprio emissor). O que sugere tese oposta a de Harvey, Arrighi e Brenner. Primeiro aumentaram os pagamentos de juros e dividendos (fruto da financeirização), e depois a taxa de lucros retidos caiu; ainda que a taxa de lucros totais estivesse subindo por conta do aumento da produtividade do trabalho conjugada com queda nos salários reais.

 

Fonte: marx21.com