O que é ser de esquerda, segundo Reinaldo Gonçalves

24/05/2010 22:36

Ser de esquerda implica em...

"Antes de mais nada precisamos escapar das fortes limitações das visões das 'raparigas em flor do keynesianismo' e dos 'heróis em sangue do marxismo'.

Penso que as escolhas e os caminhos são, sem dúvida, pela esquerda.

Insisto que este caminho significa reconhecer que o capitalismo é um sistema irracional que inibe a capacidade do ser humano de dar sentido à vida, ou seja, viver com dignidade, felicidade e liberdade.

Ser de esquerda é o combate permanente por um projeto de orientação socialista. É ignorância imaginar que ser de esquerda se restringe a defender bandeiras como progresso econômico, reforma social, democracia, integração regional e interesses nacionais. O centro e a direita também defendem estas bandeiras, de uma forma ou de outra. É má-fé imaginar que a distinção entre esquerda e direita se restringe ao ideário econômico via a armadilha binária “Estado versus mercado”. Defender um Estado que é capturado por grupos dirigentes corruptos não é ser de esquerda.

Ser de esquerda implica combater implacavelmente estes grupos dirigentes e os setores dominantes retrógrados.

Ser de esquerda implica compromisso com distribuição de riqueza (maior igualdade possível na distribuição de riqueza, renda e conhecimento), controle social do Estado (combater a apropriação do Estado por grupos dirigentes e grupos econômicos) e uso social do excedente econômico (tributação, planejamento e propriedade pública dos principais meios de produção).

Ser de esquerda implica rejeitar tanto a política externa do “vira-lata” como a do “camaleão falante” baseada em um antiimperialismo retórico, ocasional e superficial.

Ser de esquerda é contrariar o agronegócio e procurar o fortalecimento do padrão de comércio e a rejeição da reprimarização do comércio via commodities.

Ser de esquerda é contrariar o capital internacional e ter uma política seletiva e criteriosa em relação aos investimentos de empresas estrangeiras e não estimular e financiar com recursos públicos todo e qualquer tipo de investimento externo direto.

Ser de esquerda é reduzir as transferências de recursos para os rentistas da dívida pública e procurar investir pesadamente na maior capacitação tecnológica com saltos quantitativos e qualitativos na educação e no sistema nacional de inovações.

Ser de esquerda é contrariar os bancos nacionais e os estrangeiros e controlar os fluxos financeiros internacionais e não dar tratamento especial a estes fluxos.

Ser de esquerda é não fazer aliança com países avançados, como os EUA, para fechar rodadas de negociação da OMC somente para favorecer o agronegócio.

Ser de esquerda é não aceitar o pagamento de pedágio para participar de fóruns internacionais de eficácia duvidosa, como o G-20 financeiro.

Ser de esquerda é rejeitar reforçar o capital de instituições financeiras multilaterais como FMI e o Banco Mundial, cujas políticas tendem a submeter países frágeis a práticas que atendem, principalmente, aos interesses do capital internacional.

Ser de esquerda é entender que os principais adversários das transformações estruturais e de modelo estão dentro do próprio país.

Ser de esquerda é reconhecer que há um enorme hiato entre o poder potencial e o poder efetivo do Brasil na arena internacional.

Ser de esquerda é saber que, com as escolhas certas e as transformações estruturais, o país só terá peso efetivamente relevante no cenário internacional quando reduzir sua enorme vulnerabilidade externa estrutural e suas extraordinárias fragilidades internas, inclusive, as sociais e institucionais".

Declaração do economista Reinaldo Gonçalves, professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista concedida ao portal IHU/Unisinos, hoje.

 

Fonte: www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32723