István Mészáros: As contradições do capitalismo (entrevista para a Carta Capital)

27/06/2011 14:55

E assim as questões imediatas serão priorizadas em detrimento dos reais problemas que assolam a sociedade americana, que nunca serão confrontados. Então por um lado temos a perspectiva de tempo de 50 anos e, por outro, uma trágica realidade de pressões em termos de três, quatro, cinco anos”

 

As contradições terão de ser enfrentadas por esses movimentos que emergiram no mundo árabe e na Europa. Terá de ser um movimento das massas, sem pequenos grupos de intelectuais se reunindo e tomando as decisões. E sim as massas, que devem estar dispostas a assumir o fardo e as consequencias de realmente fazer alguma coisa. E, ao mesmo tempo, elas devem aceitar as responsabilidades das escolhas que forem feitas. Isso é importante porque, no nosso círculo de decisões políticas existente hoje, ninguém nunca é responsável. Eu lembro que nos Estados Unidos houve uma investigação sobre o  “Iran–Contra Affair”, a cumplicidade de algumas figuras políticas do alto escalão norte-americano com o regime iraniano. Isso foi durante o governo de Ronald Reagan.

Contradições do capitalismo: é preciso produzir cada vez mais num mundo onde recursos estão se esgotando.

 

O Congresso chegou a produzir uma resolução em que afirmava que Reagan havia subvertido a Constituição dos Estados Unidos. Ele subverteu a Constituição do seu país e deveria assumir total responsabilidade por isso! Mas o que aconteceu? A resolução tornou-se um punhado de palavras vazias e Reagan quase foi beatificado como um dos grandes estadistas dos Estados Unidos. Isso representa a total subversão dos nossos valores.

 

Porque até mesmo valores sérios do pensamento liberal, como os defendidos por John Stuart Mill no século XIX, que confrontou de maneira inadequada, mas confrontou, a contradição do crescimento ininterrupto da nossa economia, está fora de questão. Ninguém nunca é responsável.

 

O que acontece nas eleições? Um novo partido continuará a culpar seu antecessor exaustivamente. Isso acontece hoje na Grã Bretanha, onde existe uma coalizão entre o partido conservador e o partido liberal. E eles não fazem mais do que afirmar que tudo o que produzem de negativo é consequência da administração anterior, do Partido Trabalhista. Isso é característico de um avestruz que insiste em esconder sua cabeça debaixo da terra.

Mészáros: "Sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida"

 

Existe uma outra característica que precisamos observar, a dimensão de tempo. É completamente absurdo o discurso dos políticos quando afirmam que em 2050 os níveis de carbono estarão reduzidos e nossos problemas ambientais resolvidos. Nós estamos caminhando exatamente na direção contrária. Então por um lado temos uma projeção de tempo que engloba os próximos 30, 40 e 50 anos enquanto nossa cultura defende que encontremos soluções para os próximos quatro ou cinco anos, porque um ciclo político não vai muito além desse tempo. Nos Estados Unidos teremos eleições em breve, quando Obama provavelmente será reeleito. E assim as questões imediatas serão priorizadas em detrimento dos reais problemas que assolam a sociedade americana, que nunca serão confrontados. Então por um lado temos a perspectiva de tempo de 50 anos e, por outro, uma trágica realidade de pressões em termos de três, quatro, cinco anos.

 

O sistema capitalista não só foi válido por um tempo considerável como foi, de longe, mais poderoso e dinâmico do que qualquer outro sistema. Mas existe um limite para isso e esse sistema está se tornando cada vez mais destrutivo. E esse é o grande problema que os movimentos políticos e sociais terão de enfrentar, a separação da política das dimensões sociais e econômicas. Isso é parte do capitalismo, agrupar essas três dimensões. Se, no passado, o agrupamento dessas dimensões funcionou e possibilitou transformações econômicas violentas, além de transformações políticas, hoje já não surte efeito. E é por isso que quando as demandas desses movimentos sociais chegam aos parlamentos nada ocorre, no círculo de decisões políticas já existe uma inércia e as limitações herdadas do passado.

 

Pense nisso, o sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida. É calculado que em 20 anos ou menos o preço dos alimentos será absurdamente mais caro do que é hoje. Atualmente ainda existem revoltas promovidas por populações famintas. Nada poderia atestar mais graficamente a falência desse sistema. No Norte da África, essas pessoas que se rebelaram recentemente gastam em média 80% da sua renda apenas para assegurar comida. Com o aumento do preço dos alimentos, como eles vão ficar? E, com esse aumento, algumas pessoas, que se dizem especialistas, já começaram a culpar os chineses e indianos pela alta dos preços. Com o fortalecimento das suas economias, eles começaram a comer. Que ultraje! Populações inteiras que sempre trabalharam como escravos, em jornadas de até 14 horas ao dia, começaram a comer como gostariam? Isso não é um absurdo? E é com desculpas como essa que nossa sociedade se acomodou para afrontar seus problemas. Eu insisto, fechando os olhos e varrendo tudo para baixo do carpete.

 

O grande dinamismo por trás do sistema capitalista ocorreu no momento em que o valor de troca substituiu o valor de uso. O uso primário de um produto capitalista é a venda, uma vez que você tenha vendido o seu produto, ele cumpriu com o seu objetivo. Não importa para onde ele vá, não importa se ele será utilizado uma, duas ou dez vezes. Isso é totalmente irrelevante.

 

O sistema capitalista, que possui essa dinâmica, atingiu o limite de suas contradições. O principal ponto do capitalismo é ignorar a necessidade real das pessoas. Prova disso é que ainda hoje as pessoas sofrem enormemente. Elementos da necessidade humana não podem ser considerados porque a natureza do nosso sistema é um crescimento sem limites e sem fim. E nesse sentido o céu é o limite. Não é bem assim. Dizer isso é enganar-se a si mesmo. Existe um limite para os seres-humanos e a maneira como nos relacionamos com a natureza. Nossa existência depende da manutenção de uma relação aceitável com a natureza.