Foreign Policy: A vingança dos poderes médios (direito do site Vi o mundo)

19/05/2010 10:48

Foreign Policy: A vingança dos poderes médios

The Revenge of the Middle Powers

Colum Lynch, na Foreign Policy

O anúncio do Brasil e da Turquia sobre um acordo nuclear com o Irã fez mais que complicar os planos dos Estados Unidos para conseguir novas sanções [contra o Irã] nas Nações Unidas. Também ameaça, ou promete ameaçar, a ordem política que existe por décadas no Conselho de Segurança — aquela na qual os cinco membros permanentes do órgão mais poderoso da ONU tomam todas as decisões críticas em questões de segurança.

Nunca desde a véspera da guerra do Iraque os integrantes médios ou pequenos do conselho tentaram atrapalhar as ambições dos cinco grandes. Apesar da pressão intensa dos Estados Unidos, o embaixador do méxico Adolfo Aguilar Zinser e o enviado do Chile Juan Gabriel Valdés se negaram a apoiar a decisão dos Estados Unidos de ir à guerra. Os dois foram demitidos de seus empregos (Zinser depois de atacar os Estados Unidos por cultivar “um relacionamento de conveniência e subordinação”) e os Estados Unidos invadiram assim mesmo.

Ao anunciar o acordo de hoje, o ministro das Relações Exteriores brasileiro Celso Amorim e seu colega turco, Ahmet Davutoglu, deixaram claro que estavam rejeitando a proposta de sanções do governo Obama e enfatizaram o direito do Irã, sob o Tratado de Não-Proliferação de 1970 (NPT), de enriquecer urânio e desenvolver sua própria capacidade para produzir combustível nuclear com fins pacíficos. O pacto de hoje não faz menção às três resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas exigindo que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio até que convença a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de que está fazendo isso com fins pacíficos. “Este plano é uma rota pelo diálogo e torna as sanções desnecessárias”, Amorim disse a repórteres em Teerã.

A jogada reflete profundas reservas entre vários poderes médios — inclusive países como o Egito, a Indonésia e a África do Sul — de que os cinco grandes estão preparados para usar a conferência de revisão do NPT marcada para Nova York este mês para impor maiores restrições aos direitos dos países em desenvolvimento de ter programas de combustível nuclear, em nome de evitar a proliferação. Esses países temem que tentativas de restringir o direito do Irã de desenvolver seu próprio combustível possam ser usadas contra eles no futuro.

Falando à Assembléia Geral no mês passado, o embaixador do Egito, Maged Abdelaziz, que lidera o Movimento Não-Alinhado de 118 nações, disse que é crucial “preservar o direito de poderes não-nucleares de usar a energia nuclear de forma pacífica e não permitir que um ‘banco de combustível’ ou qualquer outro arranjo de fornecimento [de combustível nuclear] seja usado para tirar dos países o direito de decidir sobre suas necessidades de desenvolvimento ou de como eles lidariam com esse combustivel [nuclear]“.

O acordo pode ser o suficiente para criar uma clivagem entre os Estados Unidos e seus aliados europeus, de um lado, a Rússia e a China, de outro. Moscou e Beijing ambos preferem um acordo negociado sobre o programa nuclear do Irã. E ambos pressionaram o Irã a aceitar a troca de combustível como forma de demonstrar seriedade para resolver a disputa nuclear.

Reino Unido, França, Alemanha e os Estados Unidos favorecerem a troca de combustível como medida para aumentar a confiança internacional sobre as intenções nucleares de Teerã. Mas eles suspeitam que o Irã fez o acordo para evitar as sanções das Nações Unidas e que não tem a intenção de atender adequadamente às preocupações internacionais sobre suas atividades nucleares.

O porta-voz da Casa Branca Robert Gibbs anunciou uma resposta cuidadosa ao pacto nuclear, dizendo que os Estados Unidos dão boas vindas à decisão iraniana de trocar o combustível fora de seu território, mas que a informação de que o Irã vai continuar a enriquecer urânio “é uma violação direta das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Ele pediu que o Irã comunique o acordo imediatamente à AIEA, onde o compromisso iraniano pode ser testado.

Gibbs disse que os Estados Unidos continuariam a pressionar o Irã para “demonstrar através de feitos e não simplesmente de palavras seu desejo de atender as obrigações internacionais ou enfrentar consequências, inclusive sanções”. Ele disse que os Estados Unidos esperam que o Irã cumpra com todas as resoluções da ONU, inclusive aquelas que pedem cooperação completa com os inspetores da AIEA e a suspensão do enriquecimento de urânio no Irã. “Dado o repetido fracasso do Irã no cumprimento de seus compromissos e a necessidade de tratar de questões fundamentais relacionadas ao programa nuclear do Irã, os Estados Unidos e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações”, ele disse.

Apesar de suas frustrações, autoridades dos Estados Unidos foram cautelosas ao não criticar os papéis do Brasil e da Turquia no acordo, que certamente vai enfraquecer os argumentos pelas sanções. Foi uma postura que contrasta com a do governo Buch, que inicialmente buscou punir ex-aliados que se opuseram à resolução pela guerra no Iraque, de acordo com diplomatas das Nações Unidas.

Depois da invasão, “aliados leais aos Estados Unidos foram rejeitados, gozados e mesmo punidos” pela negativa em apoiar a resolução da ONU autorizando ação militar contra o regime de Saddam Hussein, o embaixador chileno às Nações Unidas, Heraldo Muñoz, escreveu em um livro sobre o assunto.

Mas o acordo mais recente recebeu fogo de analistas que dizem que ele nada fará para acabar com o enriquecimento de urânio no Irã e que deixaria o Irã com urânio enriquecido em quantidade suficiente para ser reprocessado em combustível para armas nucleares, se Teerã adquirir o conhecimento tecnológico para fazê-lo. “Foi um acordo pobremente negociado, que não serve aos interesses dos Estados Unidos e pode piorar a situação”, diz David Albright, um ex-inspetor de armas das Nações Unidas que acompanha o programa nuclear do Irã. “Aqui você tem um sub-grupo de nações dizendo que o programa de enriquecimento não deve ser tema de novas negociações”.

O acordo requer que o Irã envie 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para a Turquia dentro de um mês. Em troca, o Irã vai receber 120 quilos de uma forma mais pura de urânio reprocessado para o reator médico de Teerã. Se qualquer provisão do pacto não for cumprida, a Turquia deverá devolver o urânio ao Irã. A Turquia e a AIEA (que ainda não concordou) ficarão encarregadas de monitorar o urânio estocado na Turquia.

O acordo depende da habilidade de Teerã em negociar um acordo com Franca, Rússia, Estados Unidos e a AIEA (o assim-chamado Grupo de Viena) para assegurar a entrega do combustível nuclear ao reator do Irã. “A troca de combustível nuclear é o ponto de início para a cooperação e uma medida construtiva positiva entre nações”, de acordo com o texto do acordo. Deveria substituir e evitar “todos os tipos de confrontação através de medidas, ações ou retórica que ameacem direitos e obrigações sob o TNP”.

O Irã primeiro expressou interesse na troca de combustível depois que a AIEA apresentou uma proposta a Teerã em outubro. Mas o Irã rapidamente mudou de posição. Nas semanas que antecederam o acordo, os Estados Unidos expressaram ceticismo sobre as intenções do Irã de fazer a troca. “Disse a meus colegas em muitas capitais do mundo que acredito que não conseguiremos uma resposta séria dos iranianos até depois que o Conselho de Segurança aja”, disse a secretária de Estado Hillary Clinton.

 

Fonte: www.viomundo.com.br/voce-escreve/foreign-policy-a-vinganca-dos-poderes-medios.html