Esquerda alagoana e a miséria eleitoral, de Golbery Lessa

11/10/2010 09:06

Esquerda alagoana e a miséria eleitoral

 

Golbery Lessa

 

 

Os resultados eleitorais de 2010 demonstram que a esquerda alagoana continua sofrendo as conseqüências políticas negativas da falta de compreensão da realidade local e de entendimento de seus próprios erros organizacionais. O seu mergulho no pragmatismo mais absoluto, que tem se aprofundado a cada momento, é o caminho contrário ao que deveria seguir e não tem sido eficiente sequer para conseguir um bom desempenho nas urnas, que seria apenas um dos seus objetivos.

O PT elegeu Judson Cabral, Marcos Madeira e Ronaldo-INSS como deputados estaduais; viu a derrota de Pinto de Luna, Gilberto Coutinho e Paulão para o cargo de deputado federal. Como Marcos Madeira e Ronaldo-INSS não são petistas históricos e entraram no partido apenas por interesses conjunturais, podemos considerar que o PT elegeu de fato apenas Judson Cabral, tendo sua bancada na Assembléia Legislativa encolhido para um deputado.

Eduardo Bomfim e Heloísa Helena foram derrotados e demonstram em suas derrotas os resultados de alguns erros básicos da esquerda local nas duas últimas décadas. Os principais equívocos são: falta de entendimento concreto da realidade alagoana, estruturas partidárias baseadas no personalismo e distanciamento de idéias fortalecedoras da sociedade civil, dos trabalhadores em particular. Heloísa, por exemplo, não percebe que a esquerda não pode ter um postura monárquica, desprezando as organizações da sociedade civil em benefício da idéia de que uma personalidade teria a “verdade” e a “razão” política. A singularidade das grandes lideranças políticas não reside no fato de estarem acima das organizações ou de serem “sábios infalíveis”, mas de representarem um pólo de aglutinação delas. Mandela não é Mandela, é o Congresso Nacional Africano.

O individualismo político exacerbado de Heloísa, que convive com um coletivismo generoso na vida pessoal e nas suas intenções éticas, foi eficiente durante o 17 de Julho de 1997 porque o movimento era muito emocional, difuso e o momento era trágico. As circunstâncias não permitiam a espera do fortalecimento das instituições da sociedade civil, a agudeza da crise convivia com a falta de avanço de meios coletivos democráticos para solucioná-la, o que abriu espaço para uma adesão acrítica a qualquer liderança que demonstrasse combatividade e radicalidade. Ao enfrentar os deputados da situação nas piores circunstâncias, Heloísa foi decisiva para solucionar a crise de 1997 e isso criou a idéia de que a então deputada seria capaz de mostrar novos caminhos para a política alagoana.

Essa esperança não se realizou porque Heloísa não entendeu que aquele estilo individualista e mesmo messiânico de fazer política só seria eficiente para as condições existentes no 17 de Julho. Essa incompreensão se reflete, por exemplo, até na aspereza de sua entonação e no caráter trágico das imagens dos seus discursos posteriores. Tudo é urgente e imediato, os princípios morais sempre são gritados em qualquer circunstância, e ela acredita que precisa ter a última palavra, a “verdade” sobre tudo.

A “verdade” política não seria uma construção coletiva, mas o resultado de uma intuição infalível da liderança. Em um cargo executivo, como prefeito ou governador, Heloísa não conseguiria manter a unidade do governo, a não ser criando uma espécie de oligarquia formada pelos amigos mais próximos e os parentes. Esse resultado seria o contrário do sonho socialista e democrático de Heloísa. Ronaldo Lessa realizou essa trajetória negativa possível para Heloísa e, dessa forma, não pode mais ser considerado um político de esquerda.

Bomfim teve várias preocupações com a construção de um partido político, o PC do B, percebeu bem os caminhos possíveis durante a luta com a ditadura, preocupou-se com o fortalecimento da sociedade civil, sabe fazer mediações e não se nega a efetivar as alianças que em política são uma constante. Por outro lado, Bomfim teve dificuldade de entender a conjuntura pós-ditadura, principalmente a relação entre a nova conjuntura nacional e as singularidades de Alagoas. Manteve a idéia de frente ampla com os liberais conservadores mesmo depois que na Nova República esse grupo e os comunistas estavam em circunstâncias antípodas, já que não tinham mais qualquer objetivo estratégico comum.

Igualmente não percebeu que muito conservadores se escondiam em discursos retoricamente democráticos. Esse descasamento entre sua estratégia e a realidade foi criando um abismo entre sua liderança, o partido e as massas. O partido perdeu as massas para o PT e, depois, Bonfim perdeu o partido, ou pelo menos a maior parte dos militantes históricos.

Heloísa e Bomfim trazem a marca das conjunturas históricas que os lançaram na política. A primeira, é cria do 17 de julho de 1997; o segundo, é filho da luta contra a ditadura militar. Não conseguiram adaptar-se às novas conjunturas e, por esse motivo, definham. Para minha tristeza, pois os reputo como heróis.

Paulão surfou desde sempre na moderação social-democrata e nos interesses dos sindicatos urbanos. Fez sempre um discurso adequado aos limites da consciência imediata dos trabalhadores, procurando nunca ficar muito adiante desta. Esse ater-se exclusivamente aos interesses corporativos dos sindicatos de servidores lhe garantiu o cargo de deputado estadual, mas na eleição de 2006 o desgaste produzido por sua disposição de curvar-se exageradamente diante dos interesses nacionais do PT (chegou a dizer a ambígua e autodestrutiva frase: “Temos um projeto nacional, não um projeto local”) o convenceu a aceitar financiamento até de grandes usinas, que bancaram 80% de seus gastos eleitorais declarados ao TRE. Para Lula, os usineiros paulistas compõem mais um dos setores da indústria brasileira dispostos a apoiarem a política econômica ortodoxa que permite ao presidente aumentar gastos sociais e obter popularidade; para uma liderança política da esquerda alagoana, a aliança com os usineiros é a união com os responsáveis pelo travamento do progresso político e econômico do Estado. Nessa eleição, as primeiras informações dão conta que Paulão aprofundou seu caminho pragmático e mesmo assim foi derrotado.

Judson Cabral, o único vitorioso na eleição de 03 de outubro, tem compreendido vários dos problemas da esquerda e trabalhado para não repeti-los. Organiza seu gabinete com profissionais qualificados e não com cabos eleitorais ou amigos, o que lhe dá tranqüilidade para exercer seu mandato com eficiência e combatividade. Rejeita o pragmatismo eleitoral, priorizando o debate de idéias e o voto de opinião. Afasta-se de qualquer vantagem pecuniária ilegal ou imoral que outros deputados não rejeitam. Para alcançar degraus mais altos, como a Câmara Federal ou a prefeitura de Maceió, precisa apena deixar de ser representante exclusivo da classe média e entender o que sensibiliza os trabalhadores alagoanos de baixa renda, inclusive os camponeses. É uma luz no fim do túnel.

A esquerda revolucionária, representada pelo PCB e pelo PSOL, demonstrou mais uma vez que não está entendendo as necessidades e os anseios dos trabalhadores. Precisa, essencialmente, trabalhar nos principais sindicatos operários, principalmente organizar a vanguarda da classe operária alagoana, que são os cem mil assalariados do chão da fábrica das usinas de açúcar. Precisa fazer esse “pequeno” dever de casa, mais difícil do que construir uma pirâmide egípcia, e depois pensar em chegar aos outros setores da população. Sem força operária, ninguém lhes dará atenção política. Não adianta ficar no fácil trabalho entre os servidores públicos e estudantes universitários.

Ao contrário do que seria mais lógico depois da “Operação Taturana”, os políticos de estilo tradicional, intimamente vinculados ao clientelismo e ao patrimonialismo, venceram facilmente para os cargos de deputado e senador. Isso ocorreu porque a esquerda errou tanto novamente que não representou uma alternativa efetiva para o eleitorado. O caráter “oligárquico” da estrutura dos partidos de esquerda alagoanos, bem no estilo da “lei de ferro das oligarquias partidárias”, impediu que a mobilização provocada em volta da “Operação Taturana” pudesse consolidar novas lideranças e novas candidaturas. Isso explica a derrota de Pinto de Luna. Mesmo que a direita renunciasse ao processo eleitoral, a esquerda não teria quadros suficientes para compor todos os nomes da Assembléia Legislativa. A esquerda perdeu por “W.O”. O dinheiro correu solto na eleição, mas isso não explica a vitória da direita. A própria “monetarização” da campanha demonstra que o eleitor de cabresto, aquele que votava pelos favores recebidos do “coronel”, não é mais hegemônico. Agora a maior parte do eleitorado alagoano é um vendedor de sua “mercadoria” eleitoral, o voto, e o negocia com sutilizas de comerciante experiente. No dia em que a esquerda alagoana demonstrar um caminho mais lucrativo para este moderno “negociante” eleitoral, apresentando um programa de reformas e políticas públicas que beneficie por caminhos plausíveis diretamente esse “racional” eleitor, o alagoano poderá cantar com orgulho uma das mais belas estrofes do nosso hino e que faz uma referência a Palmares: “Nestes céus, nas azuis serranias/ Nós, só livres, podemos viver”.

 

 fonte: www.alagoas24horas.com.br/blog/?vCod=52