Desenvolvimentismo ou capitalismo? de Lucas Morais na Diário Liberdade

01/08/2011 09:50

Desenvolvimentismo ou capitalismo?

 

Lucais Morais

 

Nenhuma novidade debaixo do sol que ilumina o Brasil. Como pontuou a jornalista Elaine Tavares, “A presidenta Dilma Rousseff segue os passos de seu mentor, Luis Inácio, no ataque aos trabalhadores”.

O internacional-desenvolvimentismo do capitalismo monopolista

Em 1996, no meio de seu primeiro mandato como presidente da República Federativa do Brasil, Fernando Henrique Cardoso concedia entrevista ao pesquisador Brasilio Sallum Jr. Selecionei alguns trechos dessa entrevista os quais auxiliarão nas reflexões a seguir.

“É basicamente através do BNDES que nós estamos organizando o capitalismo brasileiro.”

Como explica a Plataforma BNDES, desde sua criação, o BNDES cumpre papel central no fomento e na própria modelagem do chamado “desenvolvimento nacional” como financiador, formulador e definidor de novos parâmetros econômicos. O banco foi criado em 1952 para atuar no direcionamento do processo de industrialização do Brasil no contexto da substituição de importações.

De meados da década de 1990 para cá, de fato tem sido a partir do BNDES que o capitalismo brasileiro vem sendo organizado, hoje através do PAC, especialmente nas obras de infraestrutura para ampliar e tornar mais veloz o processo de pilhagem de mercadorias, isto é, a circulação dos materiais que as transnacionais retiram de nosso país.

Essa orientação de exportação de commodities (mercadorias) agrárias, madeireiras, mineiras, pecuária e petrolíferas significou um redirecionamento do banco, priorizando o atendimento dos mercados externos; favorecendo setores exportadores, em geral com baixa agregação de valor; atraindo investimentos estrangeiros intensivos em capital; e internacionalizando capitais de origem nacional.

Tal modelo tem sido conduzido a despeito de seu caráter concentrador de renda e de poder, e de seus elevados custos sociais e ambientais. Desse modo, o Bando Nacional de Desenvolvimento Social deveria alterar seu nome para Banco Internacional de Desenvolvimento do Capital no Brasil.

“Fernando Collor, no discurso de posse no Congresso, abriu um panorama diferente. Ele, de alguma forma, reconheceu que o mundo havia mudado e que o Brasil tinha que se defrontar com essa mudança (uma posição que não era muito diferente da que Mário Covas expressou num discurso chamado 'choque de capitalismo', no qual foi ajudado por mim e por José Serra). Havia um desafio. Na verdade, Collor tentou, atabalhoadamente, enfrentá-lo. Começou o processo de abertura da economia e tentou algumas modificações constitucionais, que permitiriam um certo desafogo do Tesouro da União e, eventualmente, um começo muito tênue de reorganização do aparelho estatal.”

O que o ex-presidente Fernando Collor percebeu de diferente no panorama econômico global foi o triunfo do capitalismo pós-1989, ou seja, após a queda dos regimes estatistas burocráticos do Leste Europeu. Capitalismo este que organizou o neoliberalismo selvagem nos países pós-soviéticos, abrindo mercados onde o capitalismo monopolista ainda não havia podido explorar. É nesse momento histórico do capitalismo global que FHC defende uma rápida “abertura da economia” do Brasil, inclusive propondo modificações constitucionais para a viabilização dessa abertura: a gestão do Estado brasileiro no preparo da farra privatista que promoveu inúmeros escândalos nos demais anos do governo PSDB-PFL-PMDB.

O governo de Fernando Henrique Cardoso privatizou empresas dos ramos de telecomunicação, bancário, elétrico, petroquímico, mineração, portuário, financeiro, informática, indústria de aço e malhas ferroviárias.

Isso foi o chamado “choque de capitalismo”, ou melhor, a privataria: privatizações de empresas e patrimônios nacionais e “modernização” neoliberal da economia. Ou seja, a precarização e superexploração do trabalho, contando inclusive com a cooptação de partidos e centrais sindicais para esse projeto (inter)nacional do grande capital brasileiro, oligárquico e monopolista – afora as sistemáticas tentativas de desmonte dos benefícios sociais da previdência, programas sociais, educação e saúde.

“Se eu tive alguma virtude na minha ação depois que eu me tornei ministro da Fazenda, e mesmo como ministro do Exterior, foi que eu vi isso. Disse: olha aqui, mudou o mundo. Então, ou nós entramos nessa brecha ou nós vamos ficar mal. Mas nós topamos e estamos enfrentando com sucesso esse desafio. Então, existe uma política nisso. E mais do que isso, é basicamente através do BNDES que nós estamos organizando o capitalismo brasileiro. As pessoas não sabem disso, não percebem isso. Mas nós estamos reorganizando o capitalismo brasileiro. Não me refiro à internacionalização. Quer dizer, você tem que ver quais são os grupos que têm condições de avançar.”

De fato Fernando Henrique tinha razão. As pessoas comuns, os brasileiros e brasileiras, não percebem como é organizada a economia nacionalmente e muito menos entendem o que é o BNDES, conquanto essa instituição seja responsável por privatizações, investimentos na bolsa de valores Bovespa, construções de infraestrutura e projetos gigantes, que afetam localidades e regiões inteiras de nosso país, como a transposição do Rio São Francisco, a construção de Belo Monte e da Hidrelétrica de Jirau, para ficarmos com alguns poucos exemplos. Poderíamos aludir à intensificação do agronegócio (grilagem, monocultivo, devastação de recursos naturais, exploração precária do trabalho etc.) e do desmatamento das florestas nativas que já está se dando a partir da aprovação do Novo Código Florestal, viabilizado com muito empenho por Aldo Rebelo (PCdoB, ou “PCdoDEM”?) e Kátia Abreu (Presidente do Confederação Nacional de Agricultura – CNA – e líder do partido de extrema direita DEM). Tudo isso se dá em um país que tem hoje 250 nacionalidades diferentes.

“O BNDES, que estava sem função, estava paralisado, hoje tem mais recursos do que o Banco Mundial ou do que o BID...”

“Você vê, hoje o Movimento dos Sem Terra é um problema urbano, quer dizer, a sociedade urbana acredita que a reforma agrária é essencial para o país. Para o país não é; é essencial para os que não têm terra. Mas aqui sempre vai haver um Luiz Inácio Lula da Silva pairando no ar. É verdade que já não há mais Leonel Brizola, já não há mais o risco populista clássico. Leonel Brizola sumiu. O PT é reivindicação social legítima, que tem força na medida em que esses processos são lentos, pois os efeitos positivos dessas transformações demoram.” E então Brasilio questiona: “Eles teriam mais força se insistissem no tema da igualdade, mas não insistem.” E FHC responde: “Eles não insistem. Ao contrário, estão defendendo privilégios.” E continua adiante: “Então eles pegaram realmente uma bandeira do atraso. Eles não têm proposta para o país.”

Neste ponto, FHC dá mostras da perspectiva neoliberal e antitrabalho que prevalece até hoje politicamente: o abandono total de qualquer perspectiva de reforma agrária no Brasil.

Onde se lê que a reforma agrária não é essencial para o “país”, leia-se para o “capital”.

Outro aspecto interessante é notar que Fernando Henrique, então, não olhava para Lula como o povo. Aquela imagem do líder sindicalista que falava de socialismo em festas e assumia compromissos com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) não estava em cena para FHC, mas o Luiz Inácio Lula da Silva habilidoso político institucional liberal, democrata, conciliador. Além disso, ressalta o aspecto liberal do PT, que não insiste mais na “igualdade”, mas na defesa dos privilégios, da propriedade privada.

Por outro lado, FHC se equivoca ao dizer que o Partido dos Trabalhadores não possuía propostas para o país. Elas foram claramente expressadas na chamada Carta aos brasileiros de 2002, escrita em junho de 2002, por Luis Inacio Lula da Silva:

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político.

Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu despertar esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os seus resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças frustradas.

Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.

O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral.

O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo.

O desenvolvimento econômico aludido por Luiz Inácio Lula da Silva nada mais era que a continuação da política econômica legada pelos governos anteriores, mas com diferenças substanciais nos ministérios de Cultura, Relações Exteriores e Desenvolvimento Social. Os programas de cultura, o posicionamento soberano internacionalmente e os programas sociais como o Bolsa Família foram o tripé inspirador daquelas forças políticas que acreditavam que mesmo com uma política econômica liberal-conservadora seria possível conquistar mudanças políticas mais substanciais. Doce engano. Nomes como Hélio Costa e Nelson Jobim, nas pastas da Comunicações e da Defesa, ou mesmo Henrique Meirelles à frente do Banco Central do Brasil não nos deixa enganar sobre o caráter de colaboração de classe deste governo, programaticamente e politicamente antipopular e antitrabalho.

Essas passagens ilustram um projeto macroeconômico que já estava posto desde o período de Collor-Itamar-FHC, passando por Lula até chegarmos à consolidação de um governo de colaboração de classes organizado pelas cúpulas do PT (Lula, Palocci, Dirceu, Berzoini, Mercadante etc.) e do PMDB (Sarney, Michel Temer, Lobão, Garibaldi Alves Filho, Nelson Jobim) e encampado por Dilma Rousseff. Tal projeto é uma maior abertura do mercado brasileiro ao capital estrangeiro, bem como o favorecimento do grande capital nacional com créditos, como as empresas empreiteiras, o agronegócio, as usinas hidrelétricas, as mineradoras, as petrolíferas. Além disso, mostra uma necessidade de reorganização do Estado brasileiro para permitir esta abertura e comandá-la via BNDES e tecnocracias.

BNDES: Desenvolvimento para os trabalhadores e o povo ou para o capital?

Atualmente, o BNDES apenas disponibiliza informações sobre os seus financiamentos ao setor público e divulga seletivamente notícias, através de comunicados à imprensa, sobre alguns financiamentos ao setor privado. Esta seletividade impossibilita – de forma ilegal – o acesso a informações acerca da carteira de crédito. (Plataforma BNDES, Pauta Prioritária)

Um banco público que só informa sobre financiamento do setor público? Que divulga seletivamente notícias sobre alguns financiamentos aos capitalistas?

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aprovou nesta quarta-feira o maior financiamento dado a um único projeto em sua história. O banco deu sinal verde para um crédito de R$ 7,2 bilhões para a usina hidrelétrica Jirau, que será erguida no rio Madeira (RO). O banco financiará 68,5% do total previsto para a unidade. Pouco mais de R$ 3,6 bilhões serão liberados diretamente pelo banco, e outros R$ 3,6 bilhões de forma indireta, garantida por um pool de bancos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco BBI, Unibanco e Banco do Nordeste. (BNDES aprova maior financiamento de sua história para a usina Jirau, publicado na Folha, por Cirilo Junior, fev. 2009)

Esse empreendimento culminou na maior mobilização operária desde as mobilizações do ABC no início da década de 1980. No dia 15 de março deste ano, teve início uma revolta dos trabalhadores no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Jirau, em Rondônia, por causa das péssimas condições de trabalho. Aproximadamente 12 mil trabalhadores foram expulsos de lá com a ajuda da Polícia Militar e de 600 homens da Força Nacional.

Segundo os trabalhadores das Fábricas Ocupadas:

A rebelião dos trabalhadores dos canteiros de obra da Usina Hidrelétrica Jirau expôs de forma contundente o que os consórcios responsáveis e os apoiadores destes empreendimentos vêm tentando esconder com o blá-blá-blá do 'desenvolvimento' e do 'progresso': o seu potencial de destruição. Embora os prejuízos causados pelas usinas do rio Madeira – um dos maiores projetos de investimento no mundo atualmente – venham sendo denunciados desde 2000 por movimentos sociais, organizações nacionais e internacionais, pesquisadores e até mesmo órgãos do Estado, a revolta dos trabalhadores dos canteiros de obra desencadeou uma repercussão nacional e internacional.

A superexploração do trabalho nos canteiros de obra do rio Madeira, envolvendo violência, trabalho escravo e até mesmo mortes, é apenas uma das faces da tragédia causada pelo barramento de um dos maiores afluentes do rio Amazonas. Os danos ambientais são graves. A mortandade de onze toneladas de peixes ocorrida em 2008, ainda na etapa inicial das obras, é um indicativo do processo de degradação ambiental em curso. Do lado das comunidades atingidas, a violência se expressa pelo deslocamento obrigatório de milhares de pessoas, que tiveram suas casas inundadas pelas barragens. Dentre as opções oferecidas, estão a indenização em forma de carta de crédito ou o reassentamento nas 'casas de placa', das agrovilas. Ficar não é uma opção, já que as 'casas de placa' esquentam muito no calor amazônico e são de péssima qualidade.

Tendo isso em vista, não é difícil imaginar os danos que uma hidrelétrica em Belo Monte, quanto à qual, segundo o Procurador da República do Pará Felício Pontes Jr., nenhum indígena foi ouvido durante o processo de concepção do projeto, poderá causar. Mas, se o governo insiste na pauta dos Direitos Humanos, o que tem a dizer sobre os indígenas que ali têm suas terras tradicionais? E os ribeirinhos? E os mais de 300 mil habitantes da região que terão suas vidas afetadas diretamente? Será que Dilma Rousseff seguirá insistindo na pauta dos direitos humanos tendo em vista toda essa flagrante violência contra os povos originários e brasileiros?

Ou Dilma Rousseff só utilizará o vocabulário humanista quando o assunto for o Irã ou o Líbano? O que dizer da violência da ocupação militar orquestrada pela MINUSTAH no Haiti a mando do imperialismo dos Estados Unidos? E dos treinamentos conjuntos de militares estadunidenses com brasileiros em nossas fronteiras, sob a velha desculpa do “combate às drogas”?

Ora, isso não se trata de um progresso desenvolvimentista, mas sim de regresso ao capitalismo neoliberal selvagem e totalmente subserviente aos interesses e ditames do imperialismo norte-americano e israelense (Brasil é o 5o maior comprador de armas de Israel).

Os militares estão orgulhosos. A “transição pelo alto” rumo à democracia capitalista está rendendo belos lucros para as oligarquias, tornando a economia nacional um banquete e uma orgia para os capitalistas, hoje a quinta maior economia do globo, com gozo especial dos rentistas, que nunca lucraram tanto na história desse país, enquanto constroem um inferno cotidiano para os trabalhadores e os povos brasileiros.

A Copa do Mundo é a cereja desse Belo Monte de Violências contra os pobres, os índios, os negros, os despossuídos em geral. Observam-se as prefeituras das cidades-sedes, aliadas a seus governos estaduais e ao federal, promovendo o higienismo fascista com as remoções de populações inteiras de locais que serão literalmente roubados do povo para construções de ruas e avenidas, estádios e complexos esportivos, tudo “para inglês ver”.

Será também nas ruas que esta política poderá ser derrotada pelos trabalhadores e os povos originários e brasileiros, em prol de uma alternativa socialista que envolva todos os povos da América Latina.