As três vias de desenvolvimento capitalista

25/08/2010 10:20

As três vias de desenvolvimento capitalista

 

Golbery Lessa

 

Este texto é uma excerto do ensaio "Uma Nova Alagoas é Possível", da autoria de Golbery Lessa. A íntegra encontra-se no site do autor: novoirisalagoense.blogspot.com/2006/12/uma-nova-alagoas-possvel.html


 

O capitalismo alagoano tem a mesma natureza dos capitalismos brasileiro e nordestino, porém nosso sistema social também apresenta características singulares, especificidades que somente são encontradas em Alagoas. Entender a nossa realidade é, pois, o mesmo que identificar essas peculiaridades e compreender a sua articulação com as dimensões que compartilhamos com o Nordeste e com o Brasil. No presente programa de governo, antes de tratarmos das características exclusivas da sociedade alagoana, precisamos visitar rapidamente as realidades de outros países, do Brasil e do Nordeste; mesmo impondo um relativo distanciamento do nosso principal tema, isso se justifica porque todo conhecimento sobre a sociedade pressupõe a possibilidade de compararmos realidades diferentes; seria impossível identificarmos as nossas singularidades sem, paralelamente, saber também o que temos de comum com as outras formações sociais.

Os países de capitalismo clássico, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, diferenciam-se dos outros países principalmente porque viveram revoluções democrático-burguesas radicais; revoluções que uniram a burguesia, o proletariado nascente e o campesinato na destruição completa da antiga forma de sociedade; essa antiga sociedade, nos casos inglês e francês, possuía a nobreza e a monarquia como os elementos dominantes e, no caso norte-americano, tinha a metade do território nacional dominada pelos grandes proprietários escravocratas. Esses movimentos políticos de massa abriram um grande e fértil espaço para o desenvolvimento do capitalismo e para a consolidação da democracia burguesa; ou seja, permitiram um tipo de trajetória capitalista na qual as mais progressitas características desse modo de produção consolidaram-se em toda a sua positividade e, por outro lado, os traços mais perversos desse sistema social surgiram de maneira mais atenuada.

De modo distinto, os países de capitalismo prussiano, como a Alemanha, a Itália e o Japão, tiveram as suas revoluções burguesas abortadas devido à fragilidade estrutural de suas burguesias e ao receio que estas tiveram de ser ultrapassadas politicamente pela aliança do proletariado com o campesinato. Os burgueses, então, fizeram um acordo com a nobreza e a monarquia pelo qual restringiam bastante as próprias reivindicações políticas, aceitando que as reformas do aparelho do Estado fossem feitas de maneira mais lenta e superficial, em troca de reformas significativas e progressivas no universo econômico. Desse modo, viveram o que Gramsci denominaria de revolução passiva.

Sob esse tipo de processo os países prussianos passaram a conviver com uma série de crônicos problemas econômicos, políticos e culturais. Esta forma de desenvolvimento capitalista, diferente do desenvolvimento do capitalismo clássico, debilitou as características mais positivas desse modo de produção e fortaleceu as suas dimensões mais negativas. Assim, nesses países a industrialização ficou atrasada em relação à industrialização dos seus concorrentes e, portanto, essas nações acabaram chegando ao mercado mundial somente quando os países de capitalismo clássico já o monopolizavam; o parlamento teve grandes dificuldades de desenvolver-se como instituição independente e consolidada; as liberdades democráticas ficaram restringidas em benefício de monarcas ou ditadores e em prejuízo da participação política das massas populares; os movimentos socialista e camponês foram reprimidos com violência e somente aceitos após conflitos sangrentos; e, por fim, grande parte da intelectualidade abraçou o pensamento reacionário e procurou fundamentar o imperialismo de sua nação com argumentos racistas, ajudando a formar um caldo de cultura antidemocrática que penetrou quase todos os recantos da sociedade e o espírito dos indivíduos.

Foram esses problemas causados pelo abortamento da revolução democrático-burguesa que possibilitaram a surpreendente hegemonia política conseguida pelos grupos fascistas na Alemanha, na Itália e no Japão. Esses países somente superaram essas mazelas econômicas, políticas e culturais após a derrota que sofreram na Segunda Guerra Mundial. O governo norte-americano, com receio de que ocorressem revoluções socialistas nesses países e que estes ficassem fora do seu campo de influência, impôs uma série de mudanças estruturais que transformaram o sistema social dessas nações em um capitalismo clássico, superando, dessa forma, o seu histórico prussianismo.

O Brasil também viveu a experiência de uma revolução passiva. Isso determinou que nosso país desenvolvesse problemas parecidos com aqueles vividos pelos países prussianos, o que nos aproxima bastante dessas nações; como elas, desenvolvemos um capitalismo não-clássico, um capitalismo distinto daquele presente na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Porém é também importante sublinharmos as diferenças que temos em relação aos países de trajetória prussiana, para que parte importante da nossa lógica social não seja desprezada e isso traga conseqüências teóricas e políticas desagradáveis. Para nossa infelicidade, essas diferenças demonstram que o nosso capitalismo (e de outras ex-coloniais, como o México, o Chile e a Argentina), que podemos denominar de capitalismo colonial, é economicamente mais atrasado e politicamente mais antidemocrático do que o capitalismo prussiano. Em outras palavras, o nosso caminho para a modernidade foi o mais acidentado, mesquinho e desumano.

A revolução passiva nos países coloniais constituiu uma industrialização ainda mais retardatária e inconsistente do que a constituída nos países prussianos. Além de chegarem hiper-atrasados no mercado mundial (a sua industrialização só começa realmente na terceira e na quarta década do século XX), os países coloniais desenvolveram a indústria em seu território através da efetivação de uma crônica dependência tecnológico-financeira e da desnacionalização dos principais ramos do seu parque produtivo; passaram também muito tempo para superar cada fase do desenvolvimento da indústria; além disso, desenvolveram a sua agricultura através do penoso e reacionário caminho da modernização lenta e incompleta do grande latifúndio colonial. No universo político, essa trajetória implica no fato de que as liberdades democráticas permanecem mais restritas e instáveis e os movimentos populares sejam ainda menos tolerados como sujeitos políticos legítimos do que nos países prussianos. Essas e outras características tornaram muito frágil a soberania nacional desses países e determinaram a incapacidade de superação, no marcos do sistema capitalista, dos seus profundos problemas econômicos e políticos. As novas fases do capitalismo foram sucessivamente maculadas nas suas positividades pelo fato de pagarem sempre um preço histórico muito alto às fases anteriores; o desenvolvimento da sociedade burguesa foi inibido de uma maneira irreversível, isto é, de uma maneira que se tornou impossível a superação de seu atraso relativo a não ser pela superação do próprio sistema capitalista.

Apesar de também possuírem uma arraigada cultura antidemocrática, essa cultura, nos países coloniais, após o início da industrialização, não desenvolveu as dimensões imperialista e cinicamente racista que foram as suas marcas nos países prussianos. Nessas nações prussianas, poderosas e necessitadas de disputarem os mercados mundiais, ao qual haviam chegado com atraso em relação aos países clássicos, o racismo relativo aos outros povos (e mesmo referente a minorias locais) era a base dos argumentos que justificavam as suas pretensões imperialistas. Já no Brasil, por exemplo, que não tinha pretensões de construir um império, já que era vítima do imperialismo há muito tempo, o Integralismo, o movimento ideológico e político mais próximo do fascismo, não endossava a posição racista dos Nazistas e, por outro lado, as classes dominantes, desde o início dos anos trinta, abandonaram o racismo cínico e abraçam o discurso capcioso que tinha como tese básica a idéia de que a grandeza da sociedade brasileira residiria principalmente na sua “democracia racial”.

É importante notarmos que não há uma relação mecânica entre o desenvolvimento da economia e a trajetória das outras esferas da sociedade capitalista. O prussianismo da Alemanha, por exemplo, não foi, até determinado momento histórico, uma barreira para o sólido desenvolvimento da filosofia e da música erudita naquele país. De maneira análoga, o arrefecimento do racismo cínico em benefício do racismo hipócrita consiste em uma das poucas “vantagens” dos países coloniais em relação aos países prussianos. Apesar dessa e de outras exceções, o capitalismo colonial é, essencialmente, a forma particular de capitalismo mais marcada pelo atrofiamento das dimensões positivas desse modo de produção e pelo fortalecimento extremo de seus traços mais negativos.