A jovem guarda vem aí, Marcos Nobre (na Folha)

02/10/2011 11:12

A jovem guarda vem aí

MARCOS NOBRE
ESPECIAL PARA A FOLHA DE S. PAULO
25 set. 2011

O que pode haver de comum entre Lula montando alianças eleitorais, a criação do PSD, lideranças do PSDB tentando colar em Dilma e o lançamento pelo PMDB de "novas caras" para 2012?

Nada menos do que uma troca de guarda na política nacional. Figuras nascidas por volta de 1960 em diante e que começaram sua carreira política entre os anos 1980 e 1990 passarão mais e mais a dar as cartas.

A diferença está em como essa mudança geracional vai ser conduzida. No caso do PT e do PMDB, a velha geração pretende manter essa transição sob seu controle. Já no caso do PSB e do PSD é a própria nova geração que conduz o processo de renovação, com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, respectivamente.

A criação do PSD mostra que essa troca de guarda vai significar também, em um primeiro momento pelo menos, uma tendência à concentração. Ao contrário da fragmentação atual, o cenário será dominado pelo PT e por apenas mais dois ou três partidos de "tipo PMDB" --o pemedebismo característico do sistema partidário de maneira mais geral.

CONCENTRAÇÃO
Uma consequência direta dessa movimentação será o desaparecimento do panorama partidário estabelecido durante o período FHC. Não apenas com o declínio definitivo do DEM, agonizante há bastante tempo.

Também o PSDB, considerado o repositório da oposição residual-formal, tende a se tornar gradualmente irrelevante. Siglas que conseguiram se manter no jogo apesar de um declínio significativo --como o PP, por exemplo-- tendem a ser engolidos pelo processo de concentração partidária. É já a luta por esse futuro espólio que está em jogo nas articulações para as eleições municipais de 2012.

Geraldo Alckmin sabe bem disso, por exemplo. Tem um vice, Guilherme Afif Domingos, que migrou para o PSD. Mal consegue controlar sua própria base parlamentar na Assembleia Legislativa. E não se cansa de fazer gestos muito concretos e palpáveis de aproximação do governo federal. Sabe que nada menos do que sua reeleição em 2014 está ameaçada por uma disputa ainda mais acirrada do que o habitual em razão dessa grande transformação do cenário político. Aécio Neves está em hibernação profunda. José Serra é simplesmente carta fora do baralho.

PSD
A senha dessas mudanças é o impressionante poder de atração demonstrado pelo PSD, que permite a adesão ao governo (qualquer que seja ele, em qualquer nível da federação) sem perda de mandato. Nasce já como um partido de "tipo PMDB", "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro", como já o caracterizou seu idealizador.

Mas é também um PMDB "repaginado". O PSD é um partido que mantém todo o esquema pemedebista tradicional de adesão ao governo em troca de posições no Estado (e não simplesmente no governo), mas abre espaço para novas figuras, cuja ascensão foi bloqueada pela velha guarda do PMDB e de outras siglas que operam segundo a mesma lógica. Garante boas oportunidades de adesão agora, mas também mira mais longe: sobretudo as eleições de 2018, momento em que a troca de guarda deve se completar em nível nacional.

Em princípio, por ser um partido recém-criado, até 2014 o PSD deverá ter acesso apenas às cotas mínimas de recursos do fundo partidário e de tempo na propaganda eleitoral gratuita. Pode ser que esse entendimento venha a ser alterado na Justiça Eleitoral. Mas, até o momento, fazer sólidas alianças eleitorais é condição de sobrevivência para o novo partido. Por essa mesma razão, muitos detentores de cargos eletivos e seu entorno que pretendiam ingressar no PSD decidiram ficar onde estão ou pretendem se filiar a possíveis partidos aliados, em lugar de migrar agora.

Ou seja, o PSD pode ficar ainda maior em um futuro não muito distante. E essa necessidade de alianças como condição estrutural de sobrevivência será usada pelo PSD a seu favor, demonstrando "flexibilidade" para todo o tipo de composições políticas possíveis e abrindo caminho para futuras adesões ao novo partido.

Por fim, mas não por último, uma fusão do PSD com o PSB em um futuro não muito distante pode fazer com que o processo de concentração se intensifique ainda mais. Há sempre a possibilidade de o governo se colocar contra uma fusão como essa, caso entenda que o processo de concentração seja prejudicial à sua gestão do pemedebismo.

Mas, até o momento pelo menos, não parece ser esse o caso. Não só o PSD recebeu todo o apoio possível do governo federal e de governos estaduais do PT, como o novo partido vai servir de contrapeso ao PMDB, fonte de preocupação número um do governo Dilma.

COMPETIÇÃO
Seja como for, a competição interna ao pemedebismo vai se acirrar. E, como resultado dessa competição, essa nova força pemedebista representada pelo PSD pode levar até mesmo a um declínio do próprio PMDB, caso este não consiga realizar a renovação geracional exigida pelo momento atual.

O PMDB já se deu conta de que o competidor encostou no retrovisor e não vai ficar apenas olhando. Já está se mexendo para encontrar "novas caras" porque sabe que agora tem no seu "partido-espelho" um competidor à altura. O PSD é a versão jovem guarda do PMDB, sua cara "vintage-retrô", "uma brasa, mora". Essa ameaça bastante concreta é uma das muitas razões que explicam a singular unidade que o PMDB tem demonstrado nos últimos meses.

São mudanças de grande magnitude como essas que explicam também por que Lula está há já algum tempo dedicando suas energias à articulação de alianças e ao lançamento de "novas caras" para as eleições municipais de 2012.

Poucos meses depois de terminado o seu mandato, Lula profetizou uma hegemonia de 20 anos para o PT. E está agora empenhado em realizar essa profecia. Para isso, precisa fazer o "aggiornamento" do PT: garanti-lo também na posição de síndico do novo pemedebismo emergente.

É possível que, no fundo, a estratégia de Lula de médio ou longo prazo vise a uma progressiva eliminação do pemedebismo. Esse seria o sentido de manter um longo período de hegemonia da ocupação pela esquerda do pemedebismo, em que iriam se alterando pouco a pouco as instituições e a própria cultura política do país.

CORDÃO SANITÁRIO
De certa maneira, é o que se viu no governo Dilma até aqui. A política de queda de braço da presidenta --a chamada "faxina"-- é uma tática de ampliação de um "cordão sanitário" que começou no governo FHC, onde contava apenas com a Saúde, com a Educação e com os ministérios e bancos responsáveis pela política econômica.

No governo de Lula e de Dilma, essa área de "restrição do pemedebismo" foi ampliada. Incluiu em um primeiro momento os Ministérios da Justiça e das Comunicações. E depois, com a política da queda de braço, levou a uma intervenção branca no Ministério dos Transportes e a uma exigência de eficiência mínima no Turismo, não por acaso vitais para a preparação para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.

Planejada ou não, uma estratégia como essa tem requisitos bastante exigentes. Entre muitas outras coisas, depende de manter o PT devidamente adaptado e coeso em sua posição de síndico do condomínio pemedebista. Exige ainda que o PT continue a produzir novas lideranças de que dependam as grandes forças do pemedebismo. Ao mesmo tempo, requer que o partido ele próprio não se "pemedebize" no médio e no longo prazo.

PERSPECTIVAS
As tendências estão longe de apontar uma única direção. De um lado, a estratégia de um longo domínio do PT sobre o condomínio pemedebista com o objetivo de fazer uma "reforma a partir de dentro" não só é arriscada como ambígua em sua realização, para dizer o mínimo.

De outro lado, a renovação e a concentração do pemedebismo que estão no horizonte podem ter por consequência um fortalecimento dessa cultura política deletéria, em lugar de sua progressiva eliminação.

No momento, estão na mesa de fato apenas essas duas possibilidades: uma gradual eliminação do pemedebismo sob uma longa hegemonia do PT, ou o fortalecimento de um pemedebismo "jovem guarda", "repaginado" sob o signo do PSD.

Resta esperar que venha a surgir no horizonte uma terceira possibilidade: a de uma mobilização social suficiente para exigir uma retirada acelerada das máquinas partidárias que se encastelaram no Estado brasileiro.

MARCOS NOBRE, 46, é professor na Unicamp e pesquisador no Cebrap.