A crise e seus desdobramentos, por Plínio de Arruda Sampaio Jr

02/12/2011 09:47

A crise e seus desdobramentos

 

Plínio de Arruda Sampaio Jr.

 

PRÓLOGO

<<As crises são sempre soluções violentas das contradições existentes, erupções violentas que restabelecem momentaneamente o equilíbrio rompido>>, K. Marx

<<(...) o crédito acelera as erupções violentas dessas contradições, as crises, e, em consequência, os elementos dissolventes do antigo modo de produção>>, K. Marx

 

Para quem está preocupado em encontrar soluções concretas para os problemas gerados pela crise econômica mundial, o detalhado exame das duas grandes depressões do capitalismo, assunto do novo trabalho do professor Osvaldo Coggiola, pode parecer um exercício extemporâneo. E, no entanto, nada pode ser mais equivocado. É o resgate da perspectiva histórica que nos permite compreender os condicionantes estruturais por trás das grandes turbulências que de tempos em tempos abalam a sociedade capitalista. Este é o principal valor de “As ‘Grandes Depressões’ (1873-1896 e 1929-1939) – Fundamentos econômicos, conseqüências geopolíticas e lições para o presente”. Ao recuperar a importância crucial do materialismo histórico como base metodológica para pensar o caráter sui generis do movimento histórico, Coggiola estabelece as bases para o entendimento da crise econômica geral como uma totalidade concreta, colocando em evidência a relação dialética entre os processos determinantes da crise econômica e os determinantes objetivos e subjetivos que condicionam a luta de classes.

É esta perspectiva metodológica que lhe permite compreender o vínculo entre as mudanças desencadeadas pela grande depressão de 1873-1896 e a transformação do capitalismo concorrencial em capitalismo monopolista, inaugurando uma nova etapa histórica: o imperialismo, o capitalismo em seu clímax, um padrão de desenvolvimento capitalista que amadurece as condições históricas para a revolução socialista. É esta abordagem que lhe possibilita estabelecer os nexos históricos entre a grande depressão de 1929-1939 e o pesadelo dantesco do nazismo, a tragédia da guerra e a formação das bases econômicas e sociais do Estado de Bem-Estar, elementos fundamentais para o entendimento de transformações que mais tarde, na segunda metade do século XX, acabariam por levar à cristalização dos Estados Unidos como potência absoluta da economia mundial e a consolidação de um padrão de acumulação ultraliberal - as duas características determinantes da etapa superior do imperialismo - o capitalismo de nosso tempo.

Neste prólogo, que tem por objetivo colocar em evidência a conjuntura dramática que levou Coggiola a retomar o exame das grandes depressões, procuraremos ressaltar alguns aspectos da crise em curso que nos leva à conclusão de que a humanidade enfrenta a terceira grande depressão da era capitalista.

I. Crise e Concorrência

Ao contrário do que apregoa a sabedoria convencional, que procura por todos os meios negar a gravidade dos problemas que abalam a economia mundial, são contundentes as evidências de que o sistema capitalista encontra-se imerso em uma depressão de grandes proporções. Os efeitos desestabilizadores da crise de crédito norte-americana desorganizaram as relações de produção e circulação que impulsionavam a valorização do capital em escala global, provocando uma crise econômica geral que atinge todas as economias do planeta. Não faltaram avisos de que a dominância irrestrita do capital financeiro redundaria numa grande catástrofe. As inúmeras crises que sacudiram a economia mundial nos últimos quinze anos – a mexicana, a asiática, a russa, a brasileira, a dot.com nos Estados Unidos e a argentina – deixavam patente a extrema fragilidade de um padrão de acumulação que estimulava a especulação financeira desenfreada, impulsionava a expansão ilimitada da capacidade produtiva, incentivava o consumismo desbragado e comprimia os salários dos trabalhadores. Ao levar ao limite o descolamento entre a acumulação fictícia e a acumulação produtiva, assim como a discrepância entre a ampliação das forças produtivas e o crescimento da capacidade de consumo da sociedade, a crise em andamento condensa e potencializa as contradições contidas e acumuladas nas turbulências financeiras e econômicas dos últimos anos.

A configuração de uma grave crise econômica que envolve todas as economias do mundo determina a abertura de um novo marco histórico. Interrompido o movimento expansivo de acumulação, a lógica do capital fica sob o império da lei do valor em tempos de crise. Ao deixar patente a existência de um excedente absoluto de capital sem condições objetivas de realimentar o circuito de valorização, a queima de riqueza torna-se um imperativo do metabolismo do capital. Uma vez instalada, torna-se uma realidade irreversível. Enquanto a abundância de capital excedente não for eliminada, as condições objetivas e subjetivas que determinam a unidade dos processos de produção, distribuição e circulação não serão recompostas e a lógica do capital manifestar-se-á de maneira invertida, como um processo violento de liquidação de valor. Na impossibilidade de socializar os benefícios advindos do desenvolvimento das forças produtivas, na forma de uma sistemática redução da jornada de trabalho e da subordinação da produção ao atendimento das necessidades dos trabalhadores, a destruição de riqueza impõe-se como único meio de restaurar as condições para a retomada do processo de acumulação.

A necessidade de eliminar capitais excedentes que não encontram bases reais para se valorizar, cristalizados na forma de forças produtivas, mercadorias e capital fictício, provoca uma radical inflexão no padrão de concorrência. A disputa entre as diferentes frações de capitais deixa de se pautar pela busca de uma maior participação relativa no mercado para se transformar em uma luta de vida ou morte pela própria sobrevivência. A crise instaura a guerra fratricida entre o capital novo e capital velho. A reprodução das relações sociais que fundam a sociedade burguesa passa a depender do sucateamento de forças produtivas, da aceleração do processo de concentração e centralização dos capitais e do aumento da taxa de exploração do trabalho. Nessas circunstâncias, o desenvolvimento capitalista aparece em sua plenitude como regressão econômica e catástrofe social. A relação de causalidade entre capitalismo e barbárie é levada a sua expressão máxima.

A virulência da crise manifesta-se em todas as dimensões da vida econômica. Além da pulverização de grandes massas de capital fictício, bancário, comercial e produtivo, o primeiro movimento da crise levou a uma brutal contração da atividade econômica e do comércio internacional, provocando uma meteórica expansão do desemprego.

As estatísticas do primeiro movimento da crise são impressionantes e refutam categoricamente as visões apologéticas que negam a gravidade da situação em que se encontra a economia mundial. A intensidade do processo de liquidação de capital fictício não tem precedente na história. Nas principais bolsas de valores do mundo, no final do primeiro semestre de 2009, as ações registravam desvalorização média de cerca de 40% em relação ao nível de abril de 2008, quando começa a inflexão do ciclo especulativo. Nas economias periféricas, a queda das bolsas de valores foi ainda mais intensa, alcançando aproximadamente 55%. A queima de ativos tóxicos, que alimentavam as pirâmides especulativas com títulos derivativos, alcançou valores inimagináveis, impossíveis, na verdade, de serem submetidos ao cálculo econômico. A desvalorização de capital bancário e produtivo também foi inusitada e fica manifesta no registro, no intervalo de poucos meses, de cinco das dez maiores falências da história corporativa norte-americana, fazendo desaparecer conglomerados financeiros e produtivos que pareciam inabaláveis, tais como o Lehman Brothers, o Washington Mutual, Thornburg Mortage, a General Motors e a Chrysler. Os efeitos sobre o nível de atividade foram imediatos, deixando patente a presença de uma gigantesca crise de superprodução.

Puxada por uma drástica contração da indústria, entre outubro de 2008 e março de 2009, a economia mundial sofreu uma diminuição superior a 6% em relação à igual período do ano anterior. Nesse intervalo, o comércio mundial registrou uma diminuição de quase um terço, num movimento sincronizado sem precedentes que atingiu todas as regiões do mundo. Os efeitos da crise sobre os trabalhadores foram devastadores. A Organização Internacional do Trabalho calcula que, apenas em 2008, o número de desempregados aumentou em quase nove milhões e que mais de 100 milhões de pessoas passaram a integrar o número de trabalhadores pobres, ou seja, pessoas que ganham uma renda insuficiente para manter a família (US$ 2 per capita por mês).

Em seu primeiro movimento, a velocidade, a profundidade e a abrangência da crise apresentaram um comportamento igual ou mais intenso do que o ocorrido na crise de 1929. Apesar da pronta atuação das autoridades econômicas reduzindo as taxas de juros e estimulando a demanda agregada, até o início de junho de 2009 a magnitude da trajetória de desvalorização das bolsas de valores superava por larga margem o verificado nos anos 1930’s; o movimento de queda da produção industrial repetia praticamente o mesmo padrão verificado na Grande Depressão; e a tendência de contração do comércio internacional apresentava-se substancialmente mais intensa do que a ocorrida no processo que culminou com a desarticulação da divisão internacional do trabalho. Ao contrário do que ocorreu na Grande Depressão, no entanto, o primeiro movimento da crise em andamento não resultou na desarticulação da ordem econômica mundial. Até o momento, o padrão de comércio e o sistema monetário internacional têm resistido incólumes às pressões desagregadoras desencadeadas pelas rivalidades nacionais que brotam do impacto diferenciado da crise econômica sobre as burguesias das diferentes regiões do globo.

Não obstante a operação ideológica para minimizar a profundidade da crise e alimentar a expectativa de uma rápida recuperação dos negócios, mesmo os organismos internacionais insuspeitos de qualquer compromisso com a crítica têm sido obrigados a reconhecer a gravidade da situação, revisando recorrentemente para baixo as previsões sobre o desempenho da economia mundial. A estimativa divulgada em maio pelo Banco Mundial, por exemplo, é que em 2009 o PIB mundial sofra uma redução de aproximadamente 3%, a renda per capita mundial diminua em mais de 4% e o comércio internacional fique 10% abaixo do nível alcançado no ano anterior. No mesmo mês, a OIT previu que até o final do ano mais 50 milhões de trabalhadores devem perder o emprego e que o número de trabalhadores pobres aumentará em mais de 100 milhões, chegando a 1,4 bilhão de pessoas, quase metade de todos os ocupados no mundo.

Após décadas de avanço do processo de liberalização, as dinâmicas das economias nacionais e do comércio internacional tornaram-se fortemente sincronizadas. Enquanto os sustentáculos econômicos e institucionais da ordem global não forem abalados, as sinergias comerciais, produtivas e financeiras que condicionam a reprodução ampliada do capital em escala planetária funcionam, evidentemente, tanto no momento de expansão como no de contração do processo de acumulação. A formação de um verdadeiro mercado mundial, que integra todos os espaços do globo, é, portanto, absolutamente incompatível com a absurda tese do “desacoplamento” das economias “emergentes”, levantada pelos organismos internacionais no início da crise e reverberada pelos acólitos da ordem global ainda hoje. Na realidade, como não poderia deixar de ser, a crise atingiu violentamente, ainda que de maneira diferenciada, todas as regiões do globo.

Em seu desdobramento inicial, as economias mais desenvolvidas estiveram no epicentro dos efeitos mais destrutivos da crise, registrando drástica contração do nível de atividade e aumento galopante do desemprego. A severidade da inflexão fica patente na abrupta reversão das expectativas dos empresários. No último trimestre de 2008 e no primeiro de 2009, o investimento privado – o dínamo do crescimento econômico – diminuiu em praticamente um terço nos Estados Unidos e em torno de um quinto na Alemanha e no Japão. Nesse período, os Estados Unidos fecharam mais de 500 mil postos de trabalho por mês enquanto a União Européia (AE16) e o Japão viram o número de desempregados aumentar no ritmo de aproximadamente 400 mil pessoas ao mês.

A crise geral atingiu a periferia pelos canais do comércio e das finanças. Como seria de se esperar, o maior impacto recaiu sobre as economias que apresentavam maior grau de integração comercial, produtiva e financeira com os países desenvolvidos, maior dependência da entrada de capitais externos e menor importância relativa do mercado interno na formação da demanda agregada. No primeiro movimento de propagação da crise, foram mais penalizadas as economias da Europa Oriental e do Sudeste Asiático – Rússia, Turquia Romênia, Hungria, países que compõem a Comunidade dos Estados Independentes, Coréia do Sul, Malásia e Tailândia.

A drástica redução das receitas cambiais oriundas do comércio internacional, a escalada das transferências de recursos financeiros ao exterior e a forte contração da entrada de capitais internacionais encerraram o efêmero ciclo de abundância na oferta de capitais internacionais para as economias periféricas. A fuga de capitais para a segurança e a escassez aguda de financiamento externo voltam a colocar no horizonte o espectro de crises dramáticas de estrangulamento cambial. A gravidade do problema pode ser aquilatada pela estimativa preliminar dos organismos internacionais de que, em 2009, as chamadas “economias em desenvolvimento” devem registrar um hiato de financiamento que pode superar US$$ 630 bilhões – montante pouco inferior à capacidade reforçada de financiamento do FMI. Dada a expressiva importância do crédito externo como fonte de financiamento interno das economias periféricas, a contração dos influxos de recursos externos tende a desdobrar-se em uma crise financeira e crise fiscal.

Ainda que sujeita fundamentalmente aos mesmos processos disruptivos – a escassez de crédito provocada pela aversão ao risco, o colapso da demanda internacional, a deterioração dos termos de troca e a drástica inflexão nos fluxos de capitais –, por uma serie de circunstâncias – menor vulnerabilidade do setor externo e menor vulnerabilidade do setor bancário aos efeitos imediatos do estouro da ciranda especulativa com derivativos – a maioria dos países latino-americanos conseguiu atravessar o primeiro movimento da crise sem processos desestabilizadores que levassem suas economias à prostração. Mesmo assim, os efeitos da nova conjuntura internacional foram contundentes, provocando, a partir de setembro de 2008, expressivas baixas nas bolsas de valores, fortes desvalorizações das moedas nacionais, quedas violentas nas exportações e redução abrupta dos investimentos privados. Encerrando seis anos de expansão ininterrupta, após décadas de estagnação, as economias latino-americanas, nas estimativas da CEPAL, devem registrar uma retração da renda per capita superior a 3% e o desemprego urbano da região deve sofrer um acréscimo de mais 4 milhões de pessoas, elevando em um quarto o estoque de desempregados no continente. Nos países mais integrados à economia norte-americana, a contração do nível de atividade será maior, podendo chegar, como no caso mexicano, a uma diminuição de quase 10% na renda per capita.

Em poucos meses, o desdobramento da crise demonstrou a absoluto despropósito da tese de que seria possível imaginar a possibilidade de economias periféricas pujantes em plena depressão das economias centrais. Não apenas os chamados mercados emergentes não estão desvinculados do cataclismo que se abateu sobre as economias mais desenvolvidas como, na realidade, os efeitos devastadores da crise sobre o elo fraco do capitalismo tendem a voltar como bumerangue sobre as economias centrais, realimentando a dinâmica destrutiva desencadeada pelo processo de desvalorização do capital. A persistirem a depressão do comércio internacional, a deterioração dos termos de troca, a retração dos fluxos de crédito, a paralisia dos investimentos diretos, a escalada de remessas de capitais do exterior, a fuga de capitais para a segurança, a diminuição da entrada de remessas de emigrantes, as dificuldades dos países periféricos intensificar-se-ão e generalizar-se-ão, podendo gerar uma segunda onda de instabilidade econômica e financeira global, aprofundando ainda mais a crise que paralisa a economia mundial.

Ainda que praticamente todos os organismos internacionais trabalhem com um receituário de política econômica baseado na hipótese de uma crise de curta duração, supondo que o desempenho da economia mundial reproduziria uma trajetória na forma de uma letra V, U ou W, em seus estudos os mesmos organismos internacionais reconhecem que não se pode descartar a possibilidade de que a crise se arraste por tempo indeterminado. Considerando a magnitude da massa de capital que precisa ser digerida para recompor as condições de rentabilidade dos investimentos e a extraordinária complexidade dos ajustes econômicos, sociais, políticos e geopolíticos que são necessários para restabelecer as bases para a recuperação da economia mundial, na verdade, o mais provável é que, como ocorreu nas duas grandes crises do capitalismo, a de 1873-1896 e a de 1929-1939 a temporalidade da crise seja de longa duração e que a evolução da economia mundial assuma a forma de uma letra L.

II. A administração da crise

A intensidade e a duração da depressão que abala a economia mundial serão determinadas pelo caráter das contradições acumuladas que lhe deram origem e pela capacidade que a sociedade tiver para digeri-las. O problema é essencialmente político, pois a recomposição da relação de unidade entre produção, distribuição e circulação em escala global requer mudanças de grande envergadura nas forças produtivas, na relação capital e trabalho, no caráter da concorrência entre os gigantescos monopólios que controlam a economia mundial, no padrão de intervenção do Estado na economia, na divisão internacional do trabalho, no equilíbrio geopolítico que define a hierarquia da ordem econômica mundial.

Repetindo basicamente a mesma estratégia de política econômica utilizada para debelar as crises cíclicas das últimas décadas, os governos das potencias imperialistas, Estados Unidos à frente, têm administrado os problemas gerados pelo debacle econômico e financeiro com medidas superficiais que atuam sobre os efeitos da crise, abafando as contradições e socializando os prejuízos, sem nenhuma preocupação em encaminhar soluções que representem uma via efetiva de superação dos obstáculos que bloqueiam a retomada do processo de acumulação de capital. Após um período relativamente longo, durante o qual o Estado assistiu inerte o avanço avassalador da crise sistêmica, finalmente, no último trimestre de 2008, a política econômica definiu uma linha tática para enfrentar as dificuldades que se arrastavam perigosamente desde 2007, organizando a sua intervenção em torno de três frentes de atuação: 1) evitar a todo custo o colapso espetacular do sistema financeiro; 2) estimular a demanda agregada para combater a depressão; e 3) impedir reações nacionais que possam colocar em risco as bases da ordem global, levando à fragmentação do sistema capitalista mundial.

Partindo da hipótese – equivocada – de que a crise de crédito e as dificuldades de caixa dos conglomerados financeiros originavam-se em desequilíbrios temporários de liquidez, quando, na realidade, o problema era de solvência, as autoridades mobilizaram-se para socorrer as instituições em dificuldades e reduzir as taxas de juros, na esperança de que a maior disponibilidade de moeda no sistema financeiro e o choque de confiança representado pela decisão do Estado de garantir os depósitos bancários e não permitir quebras de grandes instituições terminassem por restabelecer o fluxo de crédito para as empresas e restaurar os preços dos ativos que comprometiam a carteira das instituições financeiras.

Supondo – de maneira descabida – que a reversão nas expectativas dos agentes poderia ser revertida com um “choque de confiança”, quando a tendência depressiva origina-se na presença de um estado de incerteza estrutural, provocado por uma monumental crise de superprodução, a política anticíclica encetada pelos governos dos países mais desenvolvidos combinou a ampliação moderada do gasto público com a criação de uma série de isenções fiscais para incentivar o aumento do consumo familiar e a retomada dos investimentos privados, na esperança de que, restaurando a patológica propensão a consumir dos últimos anos e elevando a rentabilidade dos investimentos privados, a demanda agregada voltaria a crescer.

Tendo como premissa o diagnóstico de que as dificuldades que desestabilizam os mercados globais eram temporárias (após ter ficado patente o despropósito da tese do “desacoplamento” dos chamados “mercados emergentes”), a defesa da ordem global traduziu-se em iniciativas que avançam basicamente em três direções: o esforço para estreitar os mecanismos de coordenação da política econômica dos países mais desenvolvidos; a ampliação dos recursos disponíveis para socorrer os países que enfrentarem crises no balanço de pagamentos; e manobras diplomáticas dissuasivas para impedir ações protecionistas unilaterais que pudessem comprometer o processo de liberalização.

Embora a intervenção do Estado tenha sido um elemento decisivo para evitar o colapso espetacular do sistema financeiro internacional e o estilhaçamento da ordem global, a política econômica não encaminhou nenhuma solução para os problemas estruturais que estão na raiz da crise econômica mundial. O capital excedente que precisa ser desvalorizado – fictício, bancário, industrial e comercial – mal começou a ser digerido e, em conseqüência, o fluxo crédito-gasto-renda, que dinamiza o circuito de valorização em escala global, está muito longe de ter sido restaurado. Na verdade, o sistema econômico mundial encontra-se em verdadeiro estado de coma. Não desfalece porque está, por assim dizer, “entubado na UTI”, com todos os canais condicionantes dos fluxos de crédito e gasto dependendo diretamente da intervenção do Estado.

Mesmo com as taxas de juros norte-americanas e da União Européia em torno de zero por cento e com a injeção de gigantescas quantias de recursos públicos para socorrer os conglomerados financeiros em dificuldades, soma calculada pelo FMI, em abril de 2009, em torno de 9 trilhões (aproximadamente 2,5 vezes o PIB anual latino-americano), o sistema financeiro não saiu do estado de prostração. Os financiamentos ao setor privado continuaram restringidos e os indicadores de risco não pararam de se deteriorar, indicando que a crise de crédito não foi debelada e que os problemas de insolvência não foram dissipados. Os conglomerados financeiros não foram recapitalizados e os chamados “ativos tóxicos” não foram desvalorizados. Embora seja praticamente impossível calcular a magnitude do rombo que abala o sistema financeiro dos países desenvolvidos, pois parte do problema decorre de operações obscuras, alavancadas com derivativos que não eram registradas na contabilidade convencional, o tamanho do imbróglio pode ser aquilatado pela estimativa do FMI de que as necessidades financeiras correntes dos bancos são superiores a UU$ 30 trilhões –, o que equivale a metade do PIB mundial anual.

O nó górdio que bloqueia o saneamento do sistema financeiro reside na resistência patológica dos grandes conglomerados em aceitar a desvalorização de seus ativos podres, estimados pelo FMI em torno de USS 4 trilhões, dos quais aproximadamente um terço já teria sido assumido como prejuízo. O problema requer o arbítrio do poder público. Trata-se, portanto, de uma questão política com sérias dimensões internacionais. Surpreendentemente, o fato foi reconhecido, ainda que de maneira elíptica, pelo próprio FMI, um dos principais guardiões dos interesses do capital financeiro internacional. Pela clareza em que o assunto foi exposto, vale a pena citá-lo. “The critical underpinning of an enduring solution must be credible loss recognition. Uncertainty about the valuation of troubled assets continues to raise concern about the viability of financial institutions, including those that have received government support. (...) Although the lack of liquidity and their complex structure make it difficult to precisely value many impaired assets, government need to establish methodologies for realistically valuing illiquid securitized credit instrument based on realistic expectation of future income streams. Such a valuation should ideally be applied consistently across countries to avoid regulatory arbitrage or competitive distortions”, (WEO, p. 39 abril 2009).

Ao ocultar a gravidade da sobreacumulação de capital fictício, a decisão de permitir às instituições financeiras contabilizar os ativos problemáticos pelo seu valor nominal e não pelo seu valor de mercado, pode diminuir temporariamente o estresse dos mercados financeiros, dando a impressão para muitos de que o pior da crise já passou, mas, evidentemente, a maquiagem dos balanços não contribui em nada para equacionar os severos desequilíbrios entre passivo e ativo que comprometem a saúde das instituições financeiras. Nesse contexto, ao contrário do que poderia parecer, a retomada do frenesi especulativo é um mal augúrio, pois antes de um sintoma de revitalização das condições que permitem restaurar as bases do processo de reprodução ampliada do capital, representa uma evidência da força dos grupos conservadores, comprometidos com o rentismo, que se recusam a aceitar a nova realidade e procuram por todos os meios mobilizar a sua força política junto ao Estado para preservar o status quo, na vã esperança de que seja possível restaurar as pirâmides especulativas que ruíram no final de 2008. A impotência do Estado para arbitrar o processo de desvalorização do capital – condição absolutamente indispensável para o saneamento do sistema financeiro – fica caracterizada nos dois postulados que presidem a atitude das autoridades em relação aos grandes conglomerados financeiros: <<muito grande para quebrar>> e <<muito grande para ser reestruturado>>. Aos que acalentavam a esperança de uma mudança de atitude do governo Obama, convém lembrar a severa constatação de Joseph Stiglitz – um economista com fortes vínculos com o Partido Democrata. “The administration argues that all hell would break loose if we tried to play by the usual rules with these big banks. Markets would panic. So, we not only can t touch the bondholders, we also can t even touch the shareholders – even if most of the shares existing value merely reflects a bet on a government bailout. (...) I think the Obama administration has succumbed to political pressure and scaremongering by the big banks. As a result, the administration has confused bailing out the bankers and their shareholders with bailing out the banks. (...) This raises another problem with America s too-big-to-fail, too-big-to-be-restructured banks: they are too politically powerful. Their lobbying effects worked well, first to deregulate and then to have taxpayer pay for the cleanup (...)>>, (The Guardian, 12/06/2009).

Embora os governos dos países que compõem o Fórum do G20, responsáveis por três quartos da produção mundial, tenham se mobilizado para realizar programas de gasto público estimados em US$ 700 bilhões (aproximadamente 1,1% do PIB mundial), a demanda agregada global continua severamente restringida. Quando comparado à gravidade da reversão das expectativas dos empresários e à magnitude da crise de desemprego que atinge os trabalhadores, o impacto das políticas anticíclicas foi mínimo. Tal fato deve-se tanto a sua reduzida dimensão – não chegou a metade do esforço recomendado pelo próprio FMI (que não peca pela falta de compromisso com a austeridade fiscal) - como a sua composição inadequada que retarda a entrada dos recursos na economia e que diminui seus efeitos multiplicadores de renda e emprego. Apenas algo em torno de 60% do gasto anunciado deve ser injetado na economia diretamente (na forma de um aumento nas despesas do setor público), ficando o restante 40% a ser introduzido indiretamente (na forma de uma elevação na renda disponível das famílias e nos lucros retidos das empresas).

Para além das oscilações de curto prazo, o problema de fundo, que não permite que se vislumbre uma rápida reversão das tendências recessivas, decorre do fato de que os capitais deixaram de reagir aos estímulos da baixa dos juros e aos esforços de recomposição da taxa esperada de lucro para se aferrar com unhas e dentes à defesa incondicional da riqueza velha. Os riscos de falência e a presença de uma gigantesca capacidade produtiva ociosa geraram um estado de incerteza estrutural que deprime as taxas esperadas de lucro e estimula a procura da moeda reserva de valor. Muito além da subjetividade dos agentes do capital, como acreditam todos aqueles que reduzem os problemas da economia a uma crise de confiança, na verdade, é a absoluta indefinição em relação às novas frentes de expansão do capitalismo, provocada pela explicitação de problemas monumentais de superprodução, que bloqueia a retomada dos investimentos. Nesse contexto, não se deve esperar uma solução rápida e indolor para o impasse da economia mundial. Dada a impotência para enfrentar os grandes problemas que travam o crescimento, o mais provável é que a crise se arraste por tempo indefinido, alternando momentos de pânico com momentos de relativo alivio, numa lenta digestão do capital fictício e produtivo sobreacumulado.

No que diz respeito à coordenação das políticas econômicas, o sucesso temporário das iniciativas tomadas para evitar a desarticulação da ordem global não afastou a possibilidade de eclosão de processos disruptivos que coloquem em risco os nexos comerciais, produtivos e financeiros que unificam o sistema capitalista mundial. Embora a construção do G20 como espaço informal de debate das medidas de combate à crise tenha sido um avanço em relação à absoluta desorientação dos primeiros meses, é gritante a discrepância entre as exigências da situação gerada pela forte depressão que se abate sobre a economia mundial e a precariedade dos mecanismos existentes de coordenação internacional da política econômica. O fato é reconhecido pelos próprios expoentes do status quo. O jornalista Wolfgan Munchau, do Financial Times, resumiu a questão nos seguintes termos: “For the first time since the crises erupted two year ago, global leaders went a few millimetres beyond what was expected of them. But the London summit comprehensively failed to do what it set out to do. Not one step closer to resolving the global crisis”, (Financial Times, 05/04/2009).

As providências adotadas para aumentar os recursos disponíveis para financiar problemas de desequilíbrio de pagamentos, que em seu conjunto significam uma ampliação na oferta de crédito emergencial de um pouco mais do que US$ 300 bilhões, também ficaram muito aquém do necessário para atender ao expressivo aumento que deve ocorrer na demanda por financiamento externo. O fato fica evidente quando se considera que, entre 2007 e 2009, a entrada de recursos privados diminuiu em mais de US$ 600 bilhões; quando se registra que apenas a América Latina apresentará um hiato de recursos externos em torno de US$ 350 bilhões; e quando se leva em conta que apenas o primeiro movimento da crise, o volume de financiamento emergencial do FMI foi de quase US$ 150 bilhões – 50% da oferta suplementar de recursos.

A manobra de cooptação dos países que fazem parte dos BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China –, atraindo-os para o foro do G20 com um status diferenciado na ordem internacional, foi, sem dúvida, um movimento tático importante para evitar, num momento decisivo da crise, o aparecimento de qualquer tipo de iniciativa dissidente que pudesse representar um fator adicional de desestabilização da economia mundial. Mas, evidentemente, não alterou em nada as contradições estruturais que minam as bases de sustentação social da ordem global, derivadas da crescente incompatibilidade entre o movimento de destruição de riqueza provocado pela crise econômica e a necessidade de defender minimamente a economia popular. O problema fundamental reside na impossibilidade de impedir que o avanço da depressão econômica e a permanência da instabilidade financeira façam ressurgir, no centro e na periferia, fortes pressões nacionalistas por medidas protecionistas e neomercantilistas. A tendência a crescentes desequilíbrios no balanço de pagamentos das economias periféricas, o enfraquecimento do dólar como moeda internacional e os efeitos desestabilizadores da escalada da dívida pública sobre a estabilidade das moedas acirram as rivalidades entre as potencias imperialistas; exacerbar os antagonismos entre as economias desenvolvidas e os chamados “mercados emergentes”, sobretudo entre os Estados Unidos e a China; bem como aprofundam e aceleram o processo de reversão neocolonial dos países que fazem parte do elo fraco do capitalismo.

Em suma, a decisão de administrar a crise – ao invés de enfrentá-la - jogou a política econômica na armadilha da socialização permanente dos prejuízos do capital. No plano interno, assiste-se ao que István Mészáros chamou de “nacionalização da bancarrota”. No plano internacional, há um esforço redobrado para aprofundar a internacionalização da política econômica. Sob o mantra de que é indispensável restaurar a todo custo a confiança na ordem global, os países periféricos serão pressionados a ajustar suas economias, sob a batuta dos Estados Unidos, às exigências dos grandes conglomerados internacionais em tempos de crise. Neste contexto, não há espaço algum para políticas de inspiração keynesiana. O absoluto controle do capital monopolista sobre o aparelho de Estado – conseqüência e necessidade do processo de concentração e centralização do capital – não deixa margem para qualquer iniciativa destinada a atenuar os impactos mais negativos da crise sobre a economia popular. Na etapa superior do imperialismo, o Estado subordina-se integralmente à lógica do capital. A intervenção do Estado na economia perde totalmente suas propriedades curativas para se converter em causa adicional de agravamento da crise do capital.

Não é impossível que o esforço para “administrar” a crise, sancionando as pressões de socorro econômico e financeiro dos grandes grupos econômicos internacionais, evite o desmoronamento espetacular dos mercados, dando a muitos a impressão de que os problemas gerados pela paralisia da economia mundial poderão ser contornados sem maiores traumatismos. É a aposta de todos os segmentos comprometidos com a ordem global. No entanto, o mais provável é que, dada a impotência dos governos para enfrentar a origem do problema, a crise se arraste por tempo indefinido, alternando momentos de pânico com momentos de relativo alívio, numa lenta digestão do capital financeiro e produtivo sobreacumulado.

III. Crise, luta de classes e revolução

A ruptura da unidade das relações sociais, internacionais e transnacionais que sustentam o processo de reprodução ampliada do capital em escala global impõe a necessidades de profundas transformações em todas as dimensões da economia e da sociedade. As exigências do novo contexto histórico acirram a luta de classes, intensificando as contradições e os antagonismos entre a burguesia e proletariado. A disputa polariza-se em torno das vias de superação da crise. A solução do capital subordina tudo a um objetivo central: restaurar as condições para a retomada da acumulação. No seio da burguesia, as divergências dizem respeito ao modo de distribuir o ônus da crise entre os vários grupos capitalistas e à disputa em relação às novas frentes de expansão dos investimentos, consubstanciando-se, basicamente, em diferenças de interesses em relação à forma de conceber o papel do Estado na economia, ao modo de participar da economia mundial, bem como ao caminho que deve orientar a reorganização do processo produtivo e a reestruturação das relações entre o capital e o trabalho. A solução proletária organiza-se em torno da necessidade de resistir a todo custo ao avanço da barbárie e de aproveitar a fragilidade do regime burguês, para superar o capitalismo. A alternativa operária pressupõe que a pedagogia da crise propicie um salto na consciência da classe em relação à necessidade, à possibilidade e aos desafios da revolução socialista.

Os problemas que abalam a globalização dos negócios prenunciam o início de um período histórico conturbado, cujo desfecho é totalmente incerto. Sem uma alternativa concreta ao regime do capital, mais tempo menos tempo, com maior ou menor sacrifício, as condições para a retomada da acumulação serão restabelecidas e a economia capitalista reiniciará um novo ciclo expansivo de reprodução ampliada do capital. As tendências em andamento não são alvissareiras. Os dramáticos acontecimentos da primeira metade do século XX, que deixaram a humanidade à beira do abismo, mostram que, na era do capitalismo monopolista, as crises capitalistas provocam grande destruição e não deixam praticamente nenhuma margem de manobra para a possibilidade de soluções racionais e civilizadas para os problemas da humanidade. Não há nenhum motivo para imaginar que, no século XXI, o desfecho será diferente. Na ausência de forças capazes de deter a fúria especulativa e extorsiva do grande capital, a solução da crise pela linha de menor resistência – pela intensificação da exploração do trabalho e pela luta autofágica entre os grandes conglomerados multinacionais - tende a tornar o regime do capital ainda mais regressivo e predatório. Se continuar prevalecendo de maneira absoluta os interesses do grande capital, a crise econômica deve aprofundar e generalizar a barbárie capitalista, abrindo um período de grandes convulsões sociais e acirramento das rivalidades entre os Estados nacionais. Nos marcos da ordem burguesa, o futuro é sombrio.

Elo fraco do sistema capitalista mundial e zona de influência dos Estados Unidos, a América Latina será duramente pressionada a dar a sua contribuição na socialização dos prejuízos do grande capital. Como a crise impõe a eliminação do parque produtivo redundante, é de esperar uma aceleração e uma maior intensidade na tendência à desindustrialização e à especialização regressiva que têm caracterizado o ajuste estrutural das economias latino-americanas aos ditames da ordem global. Paradoxalmente, salvo as exceções conhecidas, que, com muitas ambigüidades, têm procurado alternativas aos ditames da ordem global, a crise internacional tem intensificado o poder do imperialismo na região. Na realidade, o profundo comprometimento da burguesia latino-americana com a burguesia dos países desenvolvidos funciona como um verdadeiro bloqueio político, institucional e mental que inviabiliza a formulação de respostas criativas à situação histórica. Sem proteção contra os efeitos desastrosos da crise, a América Latina encontra-se diante da ameaça de uma aceleração do processo de reversão neocolonial.

Resultado da própria expansão do capital, a crise revela o caráter historicamente determinado do modo de produção capitalista, pois, ao negar a base de existência do regime burguês – o trabalho vivo –, o processo de valorização do capital prepara as bases objetivas – a socialização das forças produtivas – e as bases subjetivas – a necessidade de reagir ao avanço da barbárie – para a transição socialista. Nesse sentido, as crises econômicas colocam a revolução socialista na ordem do dia. A solução operária passa pelo aproveitamento da brecha histórica aberta pela novo contexto que condiciona a luta de classes para organizar a revolução. Para evitar os impasses das revoluções operárias que ficam a meio caminho entre o capitalismo e o socialismo, a ruptura com o mundo do capital requer não apenas que se leve às últimas conseqüências a negação da propriedade privada, do trabalho assalariado e do Estado como aparelho de dominação – o tripé que sustenta o processo de valorização do capital – como também que se afirme um modo de produção alternativo – a produção planejada de valores de uso por indivíduos sociais livremente associados.

No entanto, a constatação de que o capitalismo precisa e pode ser substituído por outro modo de vida não basta para dotar a classe operária de uma linha de ação concreta para enfrentar o avanço da barbárie. O programa que orienta a práxis revolucionária deve ser o produto de uma “análise concreta de uma situação concreta”, sem o que não é possível propor soluções que estejam efetivamente inscritas na realidade. Daí a importância de compreender crise econômica geral como uma totalidade concreta. O trabalho de Coggiola deixa claro o procedimento a seguir. Na sua rica interpretação das grandes depressões do capitalismo, as soluções encontradas para a crise econômica foram definidas pelas vicissitudes da luta de classes e o movimento efetivo da luta de classes foi complexamente determinado pelas contradições específicas que determinaram a eclosão da crise econômica, pela forma concreta assumida pela autonomia da política nos momentos em que os automatismos do mercado entraram em colapso e a lei do valor passou a funcionar com sinal invertido, bem como pelos fatores objetivos e subjetivos que condicionaram a reação das classes sociais à violência desencadeada pelo processo de desvalorização do capital.

A interpretação do movimento concreto da crise e de suas implicações para o futuro da humanidade mal começou. No entanto, pela sua dimensão verdadeiramente ciclópica, tudo leva a crer que a humanidade assiste a segunda grande depressão do capitalismo monopolista - uma crise econômica geral de grande envergadura, que eclode no bojo de uma crise estrutural do próprio modo de produção capitalista, cujas raízes remontam à cristalização do imperialismo como etapa superior do capitalismo. Na origem deste processo de longa duração encontra-se a tendência decrescente da taxa de lucro que acirra de maneira irreconciliável as contradições entre o capital e o trabalho. Daí decorre a progressiva corrosão dos mecanismos orgânicos de controle do capital sobre o trabalho e a potenciação das características destrutivas do capital em todas as suas dimensões. Neste ponto, as contradições que bloqueiam a expansão do capital – o aumento descontrolado da produtividade do trabalho - colidem com os limites da própria existência humana. Ao potencializar todas as taras do capital, a crise econômica geral leva ao paroxismo os antagonismos e as contradições de um capitalismo senil que polariza a humanidade entre o socialismo e a barbárie, tornando a revolução socialista uma necessidade histórica inadiável.

1.. Para detalhes, ver estudo de B. Eichengreen e O’Rourke, K.E., “A Tale of Two Depressions”, 04/06/2009, in: https://www.voxeu.org/index.php?q=node/3421; e Araujo, S. e Martins, J.O., “The Great Synchronisation: Whata do high-frequency statistics tell us about the trade collapse”, in: www.voxeu.org/index.php?q=node/3751.

 

Fonte: https://www.conlutas.org.br/site1/exibedocs.asp?tipodoc=noticia&id=3978