A revolução traída por dentro, resenha de Jean-Jacques Gandini publicada no Le Monde Diplomatique

10/12/2009 18:42

 

Extraído de https://diplo.uol.com.br
 
LIVROS

A revolução traída por dentro

Livros dedicados à vida do militante anarquista ucraniano Nestor Makno e às experiências revolucionárias do povo espanhol, durante sua efêmera República, revelam o que as derrotas de ambos têm em comum


Jean-Jacques Gandini

A vida de Makhno revela a formidável epopéia do movimento insurrecional anarquista na Ucrânia de 1918-1921, desconhecida e por muito tempo deturpada

Nestor Makhno é um desses personagens emblemáticos da história revolucionária cujo o percurso na militância lembra a técnica narrativa do desenho animado. Agradecemos, portanto, a François Hombourger1 por esta página da história, a formidável epopéia do movimento insurrecional anarquista na Ucrânia de 1918-1921, desconhecida e por muito tempo deturpada. Ao recusar as condições do tratado de Brest-Litovsk (março de 1918), pelo qual as jovens autoridades bolcheviques abandonam a Ucrânia aos austro-alemães, os camponeses, principalmente no sul do país se reagrupam como um exército de guerrilheiros e elegem para seu comando um dos seus. Nestor Makhno além de se revelar um estrategista extraordinário, com forte convicções anarquistas, coloca em prática a partilha das terras e a constituição de sovietes como comunas livres federadas. Por isso, depois do armistício de 11 de novembro de 1918, ele combate da mesma forma as tropas nacionalistas de Simon Petlioura, depois os Brancos de Anton Denikine – este último apoiado pelos aliados franco-britânicos, que a qualquer preço querem impedir o avanço do movimento revolucionário para a Europa do Oeste.

A traição de Trotsky aos anrquistas da Ucrânia

Os defensores do Estado-Partido não poderiam tolerar que as palavras de ordem de auto- gestão e de democracia direta se concretizassem

Diante deste inimigo comum, o exército de guerrilheiros makhnovistas, conservando sua autonomia, vai assinar um acordo com o Exército Vermelho, mas ele será traído e dizimado. Para Trotski tratava-se apenas «uma revolta camuflada tentando, na realidade, estabelecer uma autoridade burguesa favorecendo os koulaks »... Na verdade os defensores do Estado-Partido não poderiam tolerar que as palavras de ordem de auto- gestão e de democracia direta se concretizassem. Perseguido, Makhno será obrigado a desaparecer e se refugiar na Rumânia em agosto de 1921; ele voltará finalmente à Paris em 1925 e trabalhará por um tempo na Renault antes de morrer tuberculoso, esquecido por quase todos, em julho de 1934.

Se tivesse vivido mais dois anos certamente não perderia as jornadas revolucionárias de julho de 1936, durante as quais o povo espanhol, saindo em massa às ruas, sustentado pelo ímpeto dos militantes anarquistas, socialistas e marxistas, iria derrubar a tentativa de golpe de Estado contra a República, com o pronunciamento do general Franco, e decidir subverter a ordem estabelecida.

A traição de Stálin à República Espanhola

Hans Erich Kaminsky2 expõe qual a forma da revolução nas pequenas cidades e vilarejos da Catalúnia, a gestão dos comitês revolucionários iniciados principalmente pelos anarco-sindicalistas. Felix Carrasquer3, em primeira mão, nos fornece um testemunho sobre as realizações das coletividades agrárias criadas pelos guerrilheiros de Aragão, promotores de uma sociedade igualitária. Cédric Dupont4, por sua vez, nos lembra que esta revolução social não é só feita na indústria e na agricultura mas igualmente nos transportes, serviços, hospitais,educação, cinema etc, e não somente na Catalunia e em Aragão.

Desde maio e junho de 1937, a revolução espanhola será apunhalada pelas costas pelos stalinistas. Ultraminoritário, em 1936, o Partido Comunista incha desproporcionalmente

Mas, desde maio e junho de 1937, a revolução espanhola será apunhalada pelas costas pelos stalinistas. Ultraminoritário, em julho de 1936, o Partido Comunista espanhol vai inchar de forma desproporcional apoiando-se na pequena burguesia, dentro da Espanha, e na União Soviética, no exterior. Por outro lado, tinha a França e a Inglaterra recusando-se a intervir, apesar da ajuda maciça da Alemanha nazista e da Itália fascista aos franquistas. No último fascículo do A Contretemps5, José Fergo análisa de maneira marcante, por ocasião da tradução em espanhol6 da obra de Mary Habert, Ronald Radsoh e Gregory Sevastianov, Spain betrayed, que se apóia na análise sistemática dos últimos arquivos consagrados à guerra da Espanha abertos em Moscou – o duplo objetivo de Stálin: impedir por todos os meios o desenvolvimento de uma revolução social e lançar as bases de uma democracia popular sob suas ordens. Conhecemos o resultado...

(Trad.: Celeste Marcondes)

1 - Ler: Makhno: L’Ukaine Libertaire 1918-1921, Edittions du Libertaire et du Monde Libertaire, Paris, 2002, 2 vol, 70 páginas.
2 - Ler: Ceux de Barcelone, Allia, Paris, 2003, 190 páginas.
3 - Ler: Les Collectivités d’ Aragon: Espagne 36-39, Ed. CNT-RP, Paris, 2003, 292 páginas.
4 - Ler: Ils ont osé!, Editions du Monde Libertaire, Paris, 2002, 408 páginas.
5 - Ler: A contretemps, nº 11, março de 2003. A/c de F.Gomez, 55 rue des Prairies, 75020, Paris.
6 - Ler: Espana Tracionada: Staalin y la guerra civil, Planeta, 2002, 628 páginas. Spain Btrayed, Yale University Press, 2001.

 

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