Rede Globo, o povo não é bobo

Rede Globo, o povo não é bobo    
Escrito por Plínio de Arruda Sampaio Jr.   
Segunda, 24 de Junho de 2013

Assustada com as mobilizações populares que romperam duas décadas de marasmo político e letargia social, após um momento de perplexidade e desorientação, a ordem estabelecida deu uma primeira resposta à revolta social que toma conta do Brasil. Seu ponto de vista aparece na estética e no discurso da grande mídia falada e escrita. Não por acaso, as grandes redes de televisão tornaram-se um dos alvos preferenciais da fúria popular, ao lado de outros símbolos do poder burguês e da modernidade fútil - os prédios públicos, os bancos, as concessionárias de automóveis.

 

Por representar o que há de mais comprometido com o capitalismo selvagem, a perspectiva da Rede Globo é emblemática de como a plutocracia enxerga as mobilizações populares que ameaçam seus privilégios seculares. As imagens da Rede Globo são quase que invariavelmente feitas a partir de duas perspectivas: do alto das coberturas dos prédios e dos helicópteros ou atrás da tropa de choque. É uma metáfora de como a burguesia lida com o conflito social: distante dos problemas da população e em oposição frontal a quem luta por direitos coletivos.

 

Preocupados com a possibilidade de que a revolta popular se transforme numa revolução política, a grande mídia martela dia e noite palavras de ordens que têm como objetivo neutralizar o potencial subversivo das ruas. No “fim da história”, as rebeliões não podem ter causa. Daí a insistência em instrumentalizar a ira contra os partidos da ordem – PT, PSDB, PMDB, PSB, etc. – para estigmatizar todo e qualquer partido e para banir toda e qualquer bandeira política que possa dar um horizonte revolucionário à energia humana que brota de baixo para cima.

 

Consignas e bandeiras da contra-revolução

 

Bonner à frente, as consignas reacionárias são repetidas ad nauseam nos jornais, rádios e televisão. “As manifestações não podem ter partido”. Na verdade, disputam desesperadamente a direção das manifestações. Na falência dos partidos convencionais, tomam para si, com o beneplácito da burguesia, o papel de verdadeiro partido da ordem. “As manifestações não podem ter bandeiras”. Na verdade, enaltecem, exaltam e estetizam as bandeiras da paz (social) e da ordem e progresso (do nacionalismo chauvinista). Na falência das políticas convencionais, apelam para o moralismo e buscam desesperadamente resolver a quadratura do círculo, encontrando uma saída dentro da ordem. A manobra mal esconde o pânico com o despertar do povo para a política. Tentam desesperadamente conter a energia vulcânica que clama por mudanças radicais, transformando as manifestações em uma grande catarse nacional.

 

O levante popular coloca em xeque um dos nós fundamentais do padrão histórico de dominação da burguesia brasileira: a intolerância em relação à utilização do conflito social como forma legítima de conquista de direitos coletivos. Daí o esforço para estigmatizar os manifestantes que enfrentam violenta repressão. Sem distinção, todos que enfrentam a tropa de choque – manifestantes, provocadores infiltrados e simples marginais - são tachados de “vândalos” – uma minoria violenta que perturba a ordem e que se contrapõe à maioria que se manifesta pacificamente. Mal disfarçam a intenção de instigar a polícia e atiçar a classe média remediada contra a vanguarda das manifestações. Os jornais atuam de maneira orquestrada para saturar a opinião pública com imagens de destruição patrimonial – repetidas cansativamente para provocar a rejeição da população. O objetivo é criar um clima de histeria coletiva que venha, mais adiante, a justificar o massacre da revolta. Suspeitamente, não se escuta um pio sobre a ação escancarada de provocadores infiltrados, liderados por agentes dos órgãos de repressão do Estado e por grupos de extrema direita. Os pescadores de águas turvas apostam na única solução que a classe dominante brasileira conhece para tratar o conflito social: o pelourinho. Precisam ser contidos.

 

O partido da revolução democrática

 

A avassaladora mobilização da juventude contra as péssimas condições de vida da população polarizou a luta de classes entre mudança e conservação – revolução e contra-revolução. Se a esquerda não conseguir dar uma resposta ao contra-ataque das forças da reação, as mobilizações sociais podem simplesmente se exaurir sem condensar a energia política necessária para abrir novos horizontes. O desafio exige que as organizações de esquerda se unifiquem, lutem ao lado da juventude nas trincheiras avançadas do levante popular e portem a bandeira da revolução democrática – a essência do que está sendo exigido pelos manifestantes - como única alternativa à barbárie.

 

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Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor do Instituto de Economia da UNICAMP e membro do Conselho Editorial do Correio da Cidadania – www.correiocidadania.com.br