‘Sem uma classe trabalhadora em movimento e organizada pela base, não há mudança social’

12/09/2012 18:20

‘Sem uma classe trabalhadora em movimento e organizada pela base, não há mudança social’

   
Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação do Correio da Cidadania 
 

 

 

Em meio a um contexto de confiança internacional na economia brasileira, com perspectivas de fôlego ainda longo para o atual modelo de crescimento, discussões a respeito do mundo do trabalho estão a cada dia mais raras, ao lado de um protagonismo cada vez menor da classe trabalhadora nas disputas sócio-políticas. Interessado em aprofundar essas reflexões, o Correio da Cidadania entrevistou Nadia Gebara, sindicalista e militante das causas populares e operárias , hoje assessora do Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco e Vinhedo, e da Intersindical – a central que, ao lado da Conlutas, se descolou da política lulo-petista dos últimos anos.

 

 

Ao longo da conversa, fica notória a visão de Nadia a respeito da falta de compromisso do governo com a classe que diz representar, o que se vê claramente através das medidas pró-capital tomadas por Dilma, tal como pelo seu antecessor. É o caso da desoneração patronal na contribuição para a previdência com vistas a incentivar a indústria, o que, na visão da sindicalista, garante apenas a rotatividade e precarização do trabalho, além de manter intactas as taxas de lucros.

 

 

Além disso, desacredita a nomeação de Brizola Neto para o Ministério do Trabalho, lembrando que seu partido, o PDT, é dominado pela Força Sindical, fazendo o mero jogo da “governabilidade”. No entanto, Nadia também destaca a considerável quantidade de greves recentes e um novo perfil da atual classe trabalhadora, mais instruída e interessada em reivindicar - porém, sob a contradição de não se identificar com seu estrato e encarar certos empregos de forma temporária, como mera passagem na vida.

 

 

Por conta deste complexo quadro, Nadia cobra maior independência e articulação com as bases, além de defender mudanças no próprio mundo sindical. “De repente, depois de negar a abolição do imposto sindical por anos, as mesmas correntes só falam em seu fim? Não! É liberdade sindical e também estabilidade, número de diretores de acordo com a proporção da base e ainda a organização com categorias diferentes. Estou apostando mais do que vendo, mas creio na possibilidade de efetiva ação conjunta de campo e cidade neste ou no próximo ano”.

 

Correio da Cidadania: Como analisa as mobilizações que, de modo geral, marcaram o último 1º de maio dos trabalhadores brasileiros? Em escala internacional, houve, a seu ver, movimentos destacáveis, talvez interligados com os movimentos ‘ocupas’ surgidos no ano passado?

 

Nadia Gebara: Primeiramente, os movimentos internacionais não necessariamente são marcados exatamente pelo 1º de maio. Temos uma situação nos povos árabes de luta por democracia associada a questões do mundo do trabalho. É assim no Egito, Tunísia, Bahrein, em vários lugares onde não é correto dissociar essas duas condições. Nos países europeus, a luta dos trabalhadores que estão perdendo direitos – de Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia – tem uma situação conjuntural mais ampla. O 1º de maio é um marco, mostra que não é uma sociedade indistinta que se manifesta, e sim a classe trabalhadora, em suas diversas formas e segmentos, inclusive com a participação dos trabalhadores desempregados.

 

Aqui no Brasil, temos movimentações bem focadas na construção civil, nas grandes obras. O ano passado foi marcado por muitas greves, não necessariamente de categorias, a não ser dos trabalhadores de segurança pública. Muitas paralisações, não exatamente greves maiores, têm ocorrido de dois anos pra cá. Apesar de não ser economista ou socióloga, analiso que, enquanto tivermos grau de empregabilidade como temos hoje, a luta por salários e condições de trabalho melhores chega até as greves, sua arma mais forte.

 

Até porque há algo que não vou chamar de nova classe operária, mas sim uma classe com um novo perfil, jovem. Nas fábricas, existe uma moçada de 20, 25, 30 anos, com uma escolaridade maior. Ao mesmo tempo, eles têm uma receptividade maior à luta por direitos, mais facilidade de se movimentar na vida, menos medo de perder o emprego, até porque em geral têm menos compromissos, do tipo filhos ou necessidades de saúde. Têm ainda uma disposição um pouco maior. Mas há uma contradição, porque essas pessoas olham a passagem pelo trabalho fabril como transitória. Não é como um mecânico, um ferramenteiro, um auxiliar de produção de 30 anos atrás, que lutavam pra garantir inclusive uma promoção dentro da firma, se qualificar em outra linha de produção, manter o emprego, melhorar as condições. A idéia atual é mais de “estou apenas passando por aqui”.

 

De toda forma, isso dá ânimo, porque há uma renovação, apesar de ao mesmo tempo haver uma grande falta de experiência nesse estrato da classe trabalhadora mais jovem.

 

Correio da Cidadania: Apesar do pequeno destaque dado às lutas do mundo do trabalho nos anos recentes, estudo recente do Dieese contabilizou que, nos últimos quatro anos, ocorreram cerca de 900 greves no país. Esse número teria a nos dizer algo sobre esta conjuntura que você acaba de destacar?

 

Nadia Gebara: Eu acho que realmente tem a ver com o que falei anteriormente, pelo menos é o que me leva a pensar esse número do Dieese. Existe uma entrada de jovens que vão se assalariando e têm menos medo de perder o emprego, pois não têm família pra criar ou pais que dependam demais deles. Há também essa maior escolaridade. Em alguns casos, temos grandes greves. Mas, em geral, muitas greves não significam muitos grevistas. Pode haver muitas greves com o mesmo número de grevistas que em um momento de poucas greves. Grandes greves com muitos grevistas só quando envolvem categorias, generalizadas.

 

Número grande de greves pode ser “pipoquinha”, uma fábrica aqui, um funcionalismo municipal ali... Nesses estudos, seria bom levantar as duas coisas: o número de greves e o número de grevistas, pois ajuda a perceber se temos um movimento de “sufoco” ou se é algo que tende a uma organização maior. Greves que envolvem categorias inteiras costumam ser mais organizadas. Ou quando têm alguma reivindicação comum, como no caso de Suape, Belo Monte, nas grandes obras que vêm sendo feitas; a reivindicação não é sequer por condições melhores, mas apenas por dignidade, com salários que permitam sobrevivência. Há um dado comum e muito explosivo, por mais que haja agrupamentos tentando frear.

 

Fora esses casos, só me lembro de greve generalizada com os bancários, até porque, se for greve relativa a salário, precisa ter escala nacional, porque os bancos têm estrutura nacional.

 

Portanto, os elementos que favorecem um maior número de greves e grevistas são uma classe trabalhadora mais jovem em vários segmentos e uma relativa oferta de emprego. Quando houver refluxo nessa oferta, o problema tende a aumentar.

 

Correio da Cidadania: Sinal de que o momento ainda é muito defensivo, pois as reivindicações atuais passam apenas pela conservação de velhos direitos, lutas imediatas pelas urgências da vida, longe de discutir de forma mais profunda outras questões.

 

Nadia Gebara: Mas luta sindical, luta massiva, sempre é e foi por condições de vida. O que mobilizou os trabalhadores na Revolução Russa foi “pão, terra e liberdade”. Não foi socialismo. Depois se trata de formar, conscientizar. Tenho medo de usar o termo “defensivo” porque pode ser argumento para não ousar na luta. Desde as iniciativas neoliberais, temos de nos defender, somos forçados, porque o ataque é aos direitos já firmados em leis. Enquanto tiver capitalismo, sempre haverá reivindicação por salário. Por mais que consiga aumentar, vem inflação, que come o salário, aí tem que lutar de novo...

 

A exploração no capitalismo se dá através da parte não paga do trabalho. O problema não existe por ser uma luta por salário ou melhores condições, isso haverá sempre, enquanto houver exploração de classe. O que nos força a nos defender é o ataque aos direitos garantidos em lei, como previdência, saúde, educação. Esses direitos estão sendo atacados, e significam uma luta muito mais generalizada do que por empresa ou categoria. Não conseguimos barrar a reforma previdenciária do FHC e tampouco a do Lula. Nem o funcionalismo público do Lula, nem os trabalhadores das empresas privadas no tempo de FHC conseguiram barrá-las.

 

Correio da Cidadania: Junto disso, vemos que o número de greves consideradas ilegais tem crescido como nunca. O que pensa sobre o combate judicial aos movimentos grevistas, tanto por parte dos governos como das empresas?

 

Nadia Gebara: Estamos num Estado capitalista, que serve exatamente para assegurar as benesses da classe dominante. Falo dos chamados três poderes e outros setores, como propaganda, igrejas... Por isso, tem aumentado a chamada criminalização, ou seja, os ataques aos movimentos que, mesmo na democracia burguesa, capitalista, são considerados ilegais, mas vão se tornando legais, por brechas e alterações nas próprias leis.

 

Um grande exemplo disso é o mecanismo do interdito proibitório. Ele é um dispositivo a ser acionado quando uma propriedade se encontra ameaçada. Quando há uma greve e os trabalhadores estão fora da empresa, que propriedade está ameaçada? O que justifica sua concessão por alguns juízes e por outros, não? O lucro está ameaçado?

 

De quatro anos pra cá, começaram a ser concedidos tais interditos proibitórios em greves. Trata-se de uma criminalização, pois algo que, pela lei, não é considerado crime passa a ter um precedente jurídico para ser considerado crime. E existem outros exemplos de criação de mecanismos para aumentar a repressão, para impedir a organização e a luta do povo – e dos trabalhadores, em particular.

 

Há muitos indícios, em especial no estado de São Paulo, de que isso seja mais pesado ainda pelas mãos dos demotucanos, numa política repressiva explícita, institucionalizando a repressão, tal como se viu na Cracolândia, no Pinheirinho, na USP...

 

Correio da Cidadania: Qual a sua opinião, no geral, sobre as centrais e movimentos sindicais atuantes hoje em nosso país?

 

Nadia Gebara: A CUT, que fundamos há tantos anos, era uma central que, embora já tivesse – no final dos anos 80, começo dos 90 – sindicatos e correntes de opinião e política com visões de parceria com o capital, ainda trazia o debate, dentro da nossa expectativa de fazer uma central de luta dos trabalhadores o mais unida e forte possível. Foi a primeira central fundada, com agrupamentos que afirmavam que, enquanto não acabar a exploração de classe, todo o resto é maquiagem, enganação sobre os trabalhadores. Quando acabou a possibilidade de disputar projetos dentro da CUT, sem condição alguma de discussão, inclusive com perseguição e calúnias, estava em ação uma corrente governista, sem independência total de classe e com a parceira do capital.

 

A CUT está nesse caminho, apesar de ter ainda companheiros combativos em alguns sindicatos, com quem faremos algumas lutas. No enfrentamento por salários, ainda é possível fazer algumas lutas com setores da CUT. Nesse nível. À direita, nada. A Força Sindical cumpre seu papel de sempre: estar a favor dos patrões e do governo. As outras talvez nem cumpram papel, são marionetes. Não há muito que dizer delas.

 

Correio da Cidadania: Quanto à Conlutas e a Intersindical, as duas mais descoladas do governo lulo-petista, com uma atuação mais à esquerda, como avalia os combates que vêm travando atualmente?

 

Nadia Gebara: A Conlutas teve, e ainda tem, um papel de agregar em torno de si uma parcela grande do funcionalismo, em especial o federal, o que contribui pra dinamizar a luta. Há um projeto socialista, de ruptura com o capital, o que impediu uma unificação de setores que fundaram e depois saíram da Conlutas, tal como o Sindicato dos Químicos de São José dos Campos e alguns de previdenciários. Infelizmente, trata-se de uma central que é uma correia de transmissão do PSTU. Isso não ajuda na busca por uma sociedade diferente e na discussão de projetos, fundamental numa sociedade socialista. Tampouco ajuda o crescimento da vanguarda da classe trabalhadora. Ou seja, em vez de se formar mais gente, apenas se substitui a base, o que não é bom, não ajuda a pensar em conselhos de trabalhadores que verdadeiramente assumam a democracia dos trabalhadores em suas mãos, a formar uma classe trabalhadora disposta a derrubar a burguesia. Essa concepção de luta aparece no primeiro momento como problema de método, mas implica numa concepção de sociedade socialista.

 

Na Intersindical, tentamos algo diferente. Está em construção, ainda se formando, não pode oficialmente ser chamada de central. Só o é para quem participa. Existem várias categorias diferentes, sindicatos de várias regiões do Brasil. O que tem de apaixonante é a possibilidade de fazer a classe crescer, atentar para algo que seriam esses conselhos de trabalhadores que discutimos hoje em dia. Em suma, organismos de base que se organizem para promover mudanças. Esperamos que os companheiros que não estão na Intersindical, e nem mesmo venham a estar, compreendam que, sem uma grande parte da classe trabalhadora em movimento e organizada pela base, não há mudança social.

 

Correio da Cidadania: O que pensa das discussões em torno do fim do imposto sindical?

 

Nadia Gebara: Sou parte de uma geração que lutou muito pelo fim do imposto sindical, porque ele significa algo que permite que o sindicato exista sem que a própria categoria decida se deve existir. Sou a favor de sua abolição, claro. E me surpreendeu quando vi a CUT encabeçando a discussão, achei ótimo, se eles defendem isso, maravilha. Mas precisa ser mais radical. Não basta acabar com o imposto sindical. Precisa também de um critério claro sobre concessões de carta sindical, sobre o que é o sindicato, de modo que a categoria decida com a base.

 

Liberdade sindical tem como um dos elementos o fim do imposto sindical, mas não o único. Isso porque, se nos fixarmos somente no fim do imposto sindical, esquecemos de nos focar na garantia de representação, que não pode ser limitada a 7 diretores, ou 14 que seja. Quem tem que decidir o tamanho da diretoria de um sindicato é a própria categoria, a base, e não o judiciário ou o governo. Caso contrário, não há efetiva liberdade e autonomia sindical. E não adianta a categoria decidir o número de membros da direção do sindicato se apenas 7 (ou 14, na melhor das hipóteses) deles têm estabilidade enquanto representante sindical.

 

Assim, discutir imposto sindical significa afirmar, ao lado do fim do imposto, a efetiva liberdade sindical. Isso nos marcos do próprio capitalismo, nos marcos burgueses. Significa direito de representação, estabilidade dos dirigentes e estatutos elaborados pela própria base.

 

O imposto sindical deve ser abolido, mas, do mesmo modo, deve ser abolido o limite de apenas 7 diretores efetivos e 7 suplentes com estabilidade. É impossível cobrir uma categoria com mais de 1000 trabalhadores com tal número de diretores. Fragmenta mais ainda a classe. Além da estabilidade, deve-se permitir que os sindicatos não se organizem somente por categorias. Por que o sindicato não pode se organizar com duas categorias, numa determinada cidade?

 

Dessa forma, temos uma ingerência efetiva do Estado através do Ministério do Trabalho e do Judiciário, que julgaria tais questões, também no sentido de seu financiamento. De repente, depois de se negar a abolição do imposto sindical por anos, as mesmas correntes só falam em seu fim? Não! Precisamos ter liberdade sindical na prática, com todos os seus elementos.

 

Outro ponto interessante: foram suspensas todas as cartas sindicais, ilegalmente, há cerca de dois meses, por medida interna do Ministério do Trabalho. Nenhuma nova carta está sendo concedida, nenhum sindicato novo está sendo reconhecido. Até a chegada da carta, passa-se por um processo enorme, de um a dois anos. E sindicatos que já passaram por tal processo estão tendo a carta, ou seja, sua legalização, negada. Desde o final de fevereiro temos este cenário. Uma medida inconstitucional, que não aparece como Decreto ou MP, e sim como norma interna do Ministério do Trabalho.

 

Correio da Cidadania: Mas por que essa negação? O que há por trás disso?

 

Nadia Gebara: Por coincidência, e deve ser só isso, o fato ocorreu logo depois da saída do Carlos Lupi do ministério. Essa norma interna foi assinada por alguém ligado ao PDT. Algo muito interessante... Quem seria eu pra dizer que há relação, mas acho muito interessante.  Agora, com o novo ministro do Trabalho, quem sabe...

 

Correio da Cidadania: Sendo assim, o que você achou da nomeação de Brizola Neto para o Ministério do Trabalho, após cerca de seis meses de vacância no cargo? O que se pode esperar do novo ministro?

 

Nadia Gebara: Mais uma rendição da Dilma ao PDT e à pior ala deste partido. Não conheço muito do Brizola Neto, mas duvido que se possa esperar algo de novo, infelizmente, apesar de todas as dificuldades vividas pelo avô dele, muitas histórias complicadas, porém, um cara de briga. Agora não é assim, o PDT está se dobrando, e a Dilma, com isso, voltou a garantir a Força Sindical no Ministério do Trabalho.

 

Correio da Cidadania: Mas ele não poderia ter, até pela carcaça histórica, um maior comprometimento com a classe trabalhadora?

 

Nadia Gebara: O Lupi não tinha nenhum, portanto, qualquer coisa que o Brizola Neto faça será lucro. O Lupi foi um desastre. Não me parece ser possível esperar coisa melhor, pois o novo ministro estará refém do partido dele, por sua vez dominado pela Força Sindical. Não me parece que terá liberdade de ação. Não está sendo colocado lá porque o governo federal avaliou que ele tem méritos e compromissos com o trabalho, conhece o mundo e as relações do trabalho etc. Não é por isso! O determinante é a “governabilidade”, porque ele é do partido aliado.

 

Correio da Cidadania: Houve nas últimas semanas o anúncio de algumas medidas pelo governo, que impactam diretamente na questão trabalhista. Quanto à desoneração patronal da folha de pagamento, com vistas a garantir incentivos à indústria nacional, teria algo a dizer?

 

Nadia Gebara: Outra vez a mesma balela do governo, especialmente a tal desoneração, exatamente em cima dos 20% de contribuição patronal, o que significa apenas tirar dinheiro da previdência. Não é isso que gera emprego, pelo contrário, só o precariza. Essa decisão tem mais a ver com a aceitação das chantagens patronais de grupos que volta e meia fazem essa pressão sobre o governo. É o que se vê em São Paulo claramente, com a defesa da desoneração total, de tudo. É a linha do Estadão, por exemplo. Acham pouco desonerar 20%, chegando a aventar outras possibilidades de desoneração.

 

O que falei antes era opinião, mas agora, a seguir, não: cortar pagamento de contribuição patronal à previdência significa deixar mais dinheiro ao lucro, ao capital, e tirá-lo do trabalho. E certamente significa piorar e desfalcar mais ainda a previdência.

 

A previdência, por sinal, já passa por um enorme controle no sentido de se negar auxílio-doença e auxílio-acidente. Digo no sentido de não se concedê-los! Isso pra pessoas que claramente estão com necessidade, por decorrência do trabalho. Os médicos são estimulados, até premiados, a não conceder o auxílio. Não é à toa que os ataques aos médicos peritos são cada vez maiores, uma vez que são eles os responsáveis por indicar a concessão dos auxílios. Esse tipo de corte está preconizado – não falo de pensões e aposentadoria, e sim de amparo a pessoas jovens lesionadas no trabalho, ou ainda pelas condições gerais de vida. Outra vez a tal norma interna, administrativa, preconizada por técnicos, neste caso vinda dos inícios do governo Lula.

 

Existem “técnicos” do INSS que, ao serem perguntados sobre como conseguir mais dinheiro para a previdência, respondem: “cortando do auxílio-doença, do auxílio-acidente”. Não se trata de fiscalizar melhor a real necessidade de conceder ou não, e sim de cortar os auxílios e ponto.

 

Assim, aparece também toda a discussão da aposentadoria. Trata-se também de dificultá-la ao máximo. Esse é o impacto da desoneração da folha de pagamento, especialmente no que se refere à previdência. O que mais querem, desonerar no FGTS? Significa que o empregador demite mais à vontade. Em vez de se garantir mais emprego, garante-se mais rotatividade, da mesma forma que todas as medidas de precarização do FHC, que em momento algum ajudaram a segurar emprego.

 

O que ajudou o crescimento do emprego no país, nos últimos anos, foram os reflexos da economia mundial, que agora vive outro momento. Como lidar com isso? Com certeza, não é desonerando a folha de pagamento e as contribuições patronais à previdência.

 

Correio da Cidadania: Na mesma esteira, como analisa a criação do Funpresp, o novo Fundo de Previdência do Servidor Público, já sancionado pela presidente Dilma?

 

Nadia Gebara: Pouco sei sobre isso até aqui. Mas todos os fundos de previdência me parecem uma forma de envolver o próprio funcionalismo, de forma sacana, na questão. Tal como se viu com bancários no Brasil, trata-se de criar no trabalhador o interesse na própria capitalização de tal fundo. Dá a sensação de que o sujeito não é classe trabalhadora, e sim participante de um fundo de investimento, interessado em sua capitalização e obtenção de lucros. Ainda não tenho elementos suficientes pra analisar o Funpresp, mas isso é o que deduzo de fundos de previdência privados. Quebra-se a identidade de trabalhador do funcionário público, criando-se identidade com o próprio capitalismo em seu lugar. É um processo político-ideológico, portanto.

 

João Bernardo, um sociólogo português, discute esse envolvimento do trabalhador no fundo de previdência privada há uns 10 anos. O neoliberalismo e suas privatizações e terceirizações vieram aí pra isso, pra massacrar a classe trabalhadora e sua identidade.

 

Correio da Cidadania: Como você enxerga a relação do governo Dilma, e dela própria, em seu segundo ano de mandato, com os trabalhadores e suas representações?

 

Nadia Gebara: Não sei dizer, porque me falta acompanhar sua relação com o funcionalismo público. Em relação aos trabalhadores, não tenho nada a dizer sobre melhorias. Quando tivemos o episódio do Pinheirinho, no começo deste ano, uma não omissão teria sido fundamental. O governo estadual e a polícia agiram na noite de sábado pra domingo. Interesses da prefeitura de São José dos Campos são pouco pra esclarecer a questão.

 

Interessava comercialmente às construtoras e interessava à burguesia e ao governo Alckmin destruir essa experiência de auto-organização, uma experiência de vida muito bonita. Diferentemente de outros assentamentos, esse completava 10 anos, com níveis de planejamento e articulação importantes, com apoio da Conlutas e do PSTU. Havia lotes de terra urbanizados, decisões coletivas, organização coletiva presente, com planejamento técnico e urbano. Eram lotes, não cortiços. Era pobre, modesto, mas muito organizado. Isso jamais poderia ser um exemplo, na opinião da direita.

 

Portanto, juntaram-se três objetivos fundamentais: em primeiro lugar, dar o exemplo capitalista, de que aquela experiência não daria certo, não poderia vencer; em segundo, pobre fica longe das decisões; terceiro, desde quando uma área daquela vai ficar com gente pobre? Era muita polícia, tropa de choque, cachorros, maltratando absolutamente todos, mulheres e crianças. E no meio disso, é evidente que o governo federal poderia ter intervindo. Até porque havia senadores do partido envolvido, vários políticos e funcionários de governo passaram lá na véspera. E porque não teve intervenção federal? Estamos falando dos trabalhadores. Agir ali significava uma visão no mínimo humana, isto é, “não vamos deixar a polícia bater em trabalhador”.

 

Só isso. E se tivesse bandido no meio também não, nem assim poderiam entrar batendo. Mas nem esse argumento existia. O caso do Pinheirinho é uma mostra típica da falta de algo efetivo no combate a uma ação fascista. Em suma, o governo não tomou uma ação em favor da pobreza, diante de todos os interessados na questão – construtoras, tucanos e burguesia da cidade em geral.

 

Da mesma forma que no governo Lula, toda ação, ou omissão, vem no sentido de ignorar os direitos dessas pessoas, assim como o Bolsa-Família, por exemplo. A Dilma não faz um movimento de transformar tais benesses em direito, isto é, apresentar projetos de leis que façam esses programas se converterem em direitos.

 

E, por fim, ela, da mesma forma que Lula, continua cedendo aos capitalistas quando fala em desoneração previdenciária e outras contribuições patronais. Este tipo de medida só serve para precarizar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores.

 

Correio da Cidadania: Qual o cenário que você vislumbra para a luta de classes no Brasil nos próximos tempos, e quais os maiores desafios do sindicalismo neste contexto?

 

Nadia Gebara: Eu acho que durante o ano teremos o mesmo ou maior número de greves, o que significa que setores da classe trabalhadora têm consciência de sua necessidade, apesar da onda de individualismo que os anos 90 trouxeram. Nessa movimentação, creio que depararemos com o recrudescimento de uma política mais à direita, que já acontece, que continuará e se aprofundará.

 

O PSDB parece que desistiu da imagem de um partido popular e vai se firmar como alternativa à direita. E isso significa legalizar mecanismos repressivos, fortalecer o grande capital (não que eu seja favorável ao pequeno).

 

Tenho impressão de que alguns setores do PT vão pular do barco, mas não sei se irão atrás de ter um novo partido. Há uma ala que não tem mais o que fazer lá, está ausente de tudo, e acho, não tenho certeza, que o mesmo ocorrerá na CUT. Espero que gente que ainda tem brio tome essa atitude, pois são pessoas que não dedicaram a vida para servirem de capachos do capital.

 

Sobre a aliança entre o que se pode chamar de capital nacional com o estrangeiro, vai se aprofundar. Algumas empresas, como, por exemplo, a Natura, a Hypermarcas, vão virar multinacionais de origem brasileira. Elas e outras, na verdade. É um pouco diferente de simplesmente se integrar ao capital internacional, como já se sabe, tratando-se da existência de um status diferente na presença das empresas brasileiras na economia mundial. Vão passar ao papel de imperialistas em alguns países, explorando a classe trabalhadora em outros países além do Brasil.

 

Creio na possibilidade de efetiva ação conjunta de campo e cidade. Não necessariamente assentamentos, e sim trabalhadores rurais. Até onde vai, depende da economia. E também de certas direções. Se nós da esquerda, e isso vale pra gente que saiu da CUT, representantes sindicais, lideranças, MST, Conlutas, Intersindical, MTST, Terra Livre, efetivamente conseguirmos lutas conjuntas, entendermos o significado de frentes de massa, temos a possibilidade de dar um salto de qualidade na força da classe trabalhadora no próximo tempo, de um ou dois anos.

 

Mas depende desses dois fatores. Objetivamente, a luta é para manter o nível de emprego, evitar o pulo no desemprego até 2013. E no que toca às direções, trata-se de ter a capacidade de formar e organizar tal frente de massas e o enfrentamento a ser feito.

 

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.