Tunísia: um ano depois do começo da primavera, por Alain Baron

10/01/2012 11:49
 

080112_tunisia1Viento SUR - [Alain Baron, tradução de Diário Liberdade] Qualquer um que afirmasse no dia 1º de janeiro de 2011 que duas semanas mais tarde Ben Alí fugiria do país se enfrentaria, no melhor dos casos, com a incredulidade geral.


Então, o “milagre tunesino” era apresentado pelas instituições financeiras internacionais como o modelo econômico a seguir. A direita ocidental e seus comparsas sociais-liberais [1] fechavam os olhos ante as detenções e as torturas de um regime no qual viam uma "muralha contra o islamismo", bem como uma oportunidade de participar no saqueio do país.

No dia 14 de janeiro, as mobilizações populares obrigaram finalmente Ben Alí a escapar à muito fundamentalista Arábia Saudita, ainda mais encantada em recebê-lo na medida em que havia trazido com ele uma parte de seu saque.

Seria presunçoso pretender resumir em uma folia o ano tumultuado que atravessou a Tunísia. É, entretanto, possível tentar traçar o encadeamento dos acontecimentos.

Um começo doloroso

Tudo começou no dia 17 de dezembro de 2010, em Sidi-Bouzid, com o gesto desesperado de Mohamed Bouazizi que resume os sofrimentos de todo um povo: o dos jovens que não encontram, como muitos, mais que pequenos trabalhos apesar da escolarização massiva, o da arbitrariedade policial e mafiosa, da paralisação e da miséria que golpeiam particularmente as regiões do interior, o resultado da ruína da agricultura de subsistência como consequência dos acordos de livre troca que especializam a Tunísia em um número limitado de produtos de exportação, etc.

Ao contrário do que havia ocorrido em 2008, na luta da bacia mineira de Redeyef-Gafsa, as mobilizações que sacodem Sidi-Bouzid se propagam rapidamente ao conjunto do país. Encontram-se todos aqueles que querem acabar com o regime, sejam sindicalistas, aposentados, jovens, advogados, feministas, militantes dos direitos humanos, internautas, jornalistas, etc.

Neste contexto, a esquerda da UGTT acaba impondo à direção nacional corrupta da central sindical deixar às estruturas locais a liberdade de convocar greves gerais regionais. As mobilizações mudam então de escala: centenas de milhares de pessoas saem às ruas de cidades como Sfax, Tozeur, etc. Quando esta onda de greves alcança a capital, no dia 14 de janeiro, o exército decide finalmente abandonar Ben Alí.080112_tunisia2

Contrariamente ao clichê jornalístico de uma “Revolução de Jasmim”, foram necessários ao menos 238 mortos e 1207 feridos para chegar a liberar-se do ditador.

A primavera tunesina

De repente, milhões de pessoas se atrevem ao fim a falar de política pela primeira vez, destruindo ou se apoderando de edifícios que simbolizam a ditadura, bem como de bens que pertenciam à máfia anteriormente no poder.

No dia 20 de janeiro se põe de pé a “Frente de 14 de janeiro”, reagrupando o essencial das organizações da esquerda radical e dos nacionalistas árabes. Durante dois meses, esta Frente joga um papel essencial na execução do processo revolucionário.

Paralelamente, o antigo aparato de Estado, do qual só alguns responsáveis foram expulsos, se põe de pé como o embrião de um novo poder. Diversos comitês locais vão aparecendo. Uns contra os bandos armados que Ben Ali havia deixado por trás de si, outros para gerir os assuntos correntes locais após a derrubada das autoridades municipais. Um começo de coordenação destas estruturas se põe de pé em nível regional. Em nível nacional, um “Conselho Nacional para Salvaguardar a Revolução” é posto de pé no dia 11 de fevereiro pelo conjunto de forças que haviam exigido a saída de Ben Ali e rechaçado participar nos governos provisórios dirigidos por Ganuchi, o antigo primeiro-ministro de Ben Ali. Este Conselho Nacional coordena mais ou menos as estruturas regionais correspondentes.

Com efeito, frente a este embrião de poder popular saído da revolução, os políticos benalistas constituíram, por cima, sucessivos governos provisórios. Participam neles partidos do centro como o PDP e o partido “modernista” Ettajid, saído do antigo Partido Comunista. Prudente, o socialdemocrata Ben Jaafar se mantém fora de tais combinações.

Mas as mobilizações continuam contra esses governos benalistas sem Ben Alí. Esta onda em ascenso acaba obrigando, no dia 27 de fevereiro, ao primeiro ministro Ganuchi a se demitir.

Um começo de congestionamento

A partir do dia 27 de fevereiro, tudo torna-se mais complicado para a esquerda. Uma parte daqueles que haviam se mobilizado há meses abandonaram seus esforços e o novo primeiro-ministro consegue habilmente manobrar.

Por uma parte, cede a certas exigências populares: anuncio da eleição de uma Assembleia Constituinte (3 de março), dissolução do partido de Ben Ali (9 de março), confiscação dos bens monopolizados pela máfia anteriormente no poder (29 de março), etc. Por outro lado, prova as capacidades de resposta popular reprimindo certas mobilizações.

Simultaneamente, consegue incluir em um marco institucional a maior parte das forças que participaram na revolução. Cria, para isso, no dia 14 de março, uma “Alta Instância” que tem por objetivo reunir o essencial das forças políticas e sociais do país. Seu objetivo é, por sua vez, preparar as eleições e esvaziar de seu conteúdo o “Conselho Nacional para Salvaguardar a Revolução” oriundo da revolução.

A Frente de 14 de janeiro se divide sobre que atitude assumir e cai progressivamente na inatividade. Cada organização vai adiante por sua conta própria e põem, em geral, todas as suas débeis forças em uma campanha eleitoral sob suas próprias cores em detrimento do desenvolvimento das lutas e da auto-organização da população.

080112_tunisia3As condições de um retrocesso parcial estiveram então dadas.

Frente às condições de vida que não melhoraram, uma parte da população tem dificuldades para se reconhecer nas organizações que haviam sido o esqueleto da queda de Ben Alí, e que se preocupam insuficiente de suas dificuldades cotidianas.

O fato de que organizações "modernistas" centrem sua campanha, não nas reivindicações econômicas e sociais, mas na luta contra o obscurantismo religioso, contribui para situar a Ennahdha no centro do debate político. Organização que, afinal, dispõe do dinheiro necessário para o desenvolvimento de obras de caridade dirigidas aos meios populares.

O outono eleitoral

Desorientada, a metade da população não vai nem sequer votar no dia 23 de outubro. Cerca da metade daqueles que o fazem votam a favor de partidos políticos cujos militantes são percebidos como perseguidos pelo poder (Ennahdha e o Congresso pela República-CPR de Marzuki), que se negaram a participar nos governos que se seguiram à queda de Ben Alí, e que tem um discurso compreensível para eles, como, por exemplo, a referência ao Islã no primeiro caso, ou a intransigência à corrupção sob Ben Alí no segundo.

Mas um outono eleitoral não faz um inverno islamista. A equipe no poder parece, com efeito, mais que desorientada.

O primeiro-ministro islamista tunesino e o presidente da República Marzuki tem como ponto comum terem sido perseguidos durante anos pelo poder. A partir daí, há muitas coisas que lhes opõem: Marzuki, por exemplo, fez da questão da dívida um dos cavalos de batalha de sua campanha eleitoral, o que não ocorre com o Ennahdha.

Rumo a uma retorno da primavera?

Inclusive aplicadas por um primeiro-ministro islamista, as receitas neoliberais não podem servir mais que para preparar o mesmo prato que antes: a paralisação, a miséria e o crescimento das desigualdades.

Após dezenas de anos de terror, milhões de tunesinos participaram pela primeira vez em lutas e falaram de política. Não há razões para que aceitem hoje aquilo contra o qual estiveram dispostos a arriscarem suas vidas.

Uma vez passada a sequência eleitoral, as mobilizações recomeçam com força com dois eixos principais.

O primeiro é a negativa à perseguição da política econômica e social anterior. O segundo eixo é a resposta às ameaças que pesam sobre os direitos das mulheres, as liberdades acadêmicas e a liberdade de criação artística.

O processo revolucionário aberto ao final de dezembro de 2010 está, portanto, muito longe de ter se encerrado.

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Notas:

1 O partido de Ben Alí seguiu sendo a seção da Internacional Socialista até o dia 17 de janeiro de 2011.

29 de dezembro de 2011

Original aqui.


Tradução do francês para o espanhol por Faustino Eguberri para VIENTO SUR

Tradução do espanhol para o português por Lucas Morais para Diário Liberdade

Fonte: https://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=23234:tunisia-um-ano-depois-do-comeco-da-primavera&catid=262:batalha-de-ideias&Itemid=131