Lucas Farias: a tragicomédia da urna eletrônica brasileira

11/10/2012 12:41

 
 
 

por Lucas Farias
 
O sistema eleitoral brasileiro está contaminado por incontáveis esquemas e deficiências, mas tudo isso é maliciosamente obscurecido pela criação e proliferação de certos "mitos". São mentiras retumbantes tomadas por verdades incontestes pelos ingênuos cidadãos de boa-fé. Repetidas exaustivamente pela propaganda institucional oficial a serviço de interesses privados e pelo oligopólio empresarial-midiático, essas aleivosias foram sistemática e cotidianamente propaladas como dogmas absolutos, teses autossustentáveis, impassíveis de crítica ou reflexão, sob pena de cometimento de algum crime ou censura moral pelo pensamento contra-hegemônico. Joseph Goebbels, ministro de Propaganda da Alemanha nazista, teria inveja de como mentiras indefinidamente repetidas podem se tornar "verdades" no Brasil. Críticos mais ousados já tiveram a oportunidade de desmascarar, nos canais e fóruns alternativos, um desses falseamentos que circulam livremente pela internet. Trata-se do mito do cancelamento da eleição na hipótese de que mais da metade dos eleitores anulem seus votos (voto nulo). Como está satisfatoriamente explicado na legislação eleitoral, essa teoria não passa de uma enorme bobagem insidiosa.
 
Agora é a vez de desnudar o mito da confiabilidade das urnas eletrônicas. Como se sabe, o Brasil passou a testar o voto digital e a urna eletrônica – em substituição ao voto de papel e à urna de lona – nos idos de 1996. Quatro anos depois, nas eleições de 2000, todos os eleitores votaram em urnas eletrônicas. O tipo de urna usado desde então por aqui é denominado de 1.ª geração, que havia sido inaugurado na Índia em 1990, na Holanda em 1991 e na Alemanha em 1996. Logo, muito antes do Brasil. Cai por terra, neste primeiro momento, o mito de que o Brasil teria inovado tecnologicamente na vanguarda dos processos eleitorais. Não fomos precursores disso coisíssima nenhuma. Aliás, há países muito mais avançados no desenvolvimento tecnológico das urnas eletrônicas, a exemplo dos que usam as urnas de 2.ª geração, como Venezuela (desde 2004), EUA (desde 2007), Holanda (desde 2008), Canadá (desde 2008), Rússia (desde 2008), Alemanha (desde 2009), Argentina (desde 2011) e Bélgica (desde 2012).
 
Ou seja, ao contrário da falaciosa versão oficial propalada, o Brasil não está na liderança, mas na lanterna do desenvolvimento tecnológico de urnas eletrônicas. Além do Brasil, somente a Índia adota sistema similar de 1.ª geração. O nosso sistema é o mais falho, inseguro e atrasado de todos. A Alemanha declarou a inconstitucionalidade do sistema de 1.ª geração em março de 2009, referendando o de 2.ª geração. Os EUA e a Holanda proibiram o uso de sistemas iguais ao nosso por conta da insegurança, da falta de transparência e dos riscos de fraude, pois esse sistema obstaculiza condições objetivas de controle e auditoria. O Paraguai recebeu urnas brasileiras e as devolveu, proibindo-as em 2008, exatamente por falta de segurança.
 
Em sentido diametralmente oposto ao que afirmam a propaganda institucional oficial, a mídia nativa e o Judiciário, nosso sistema não é confiável e está defasado. Nos países citados acima os sistemas de 2.ª geração garantem maior vigilância e segurança porque, dentre outras coisas, permitem o registro físico do voto em máquinas separadas e sem a identificação do eleitor. Nesses casos o voto é impresso, conferido pelo eleitor (que verifica se a anotação material na cédula corresponde à escolha digital), confirmado e confinado numa urna própria. O eleitor não recebe comprovantes ou vias secundárias do voto, o que poderia suscitar esquemas de compra de voto ou coação mediante apresentação de documento impresso. O voto é impresso e, caso confirmado na tela ou na mão pelos olhos do eleitor, imediatamente depositado numa urna, sem nenhuma identificação do eleitor ou correspondência com quem votou. Assim, o sistema de 2.ª geração se torna mais seguro e confiável por permitir: 1) imediata conferência do voto por meio de registro físico, o que serve de garantia na hipótese de manipulação ou falha do software do sistema digital; 2) apuração simultânea, auditoria e recontagem dos votos impressos para contraste com os votos registrados na urna eletrônica, de modo a garantir a equivalência numérica e quantitativa dos votos de cada meio.
 
A Lei N.º 12.034, de 29 de setembro de 2009, tentou atualizar o sistema de nossas urnas eletrônicas no mesmo sentido do que acontece nas democracias liberais institucionalmente mais avançadas. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n.º 4.543, proposta pela Procuradoria Geral da República, suspendeu a eficácia do art. 5.º da referida lei, que previa o voto impresso conferido pelo eleitor. No campo do direito comparado, há farta jurisprudência internacional, inclusive da própria corte constitucional alemã, que declara inconstitucionais as urnas eletrônicas que não registram o voto independente da memória eletrônica (voto impresso). Ou seja, exatamente o contrário do que fora decidido pela corte constitucional brasileira!
 
O Tribunal Superior Eleitoral tem monopolizado o controle da apuração sem permitir auditoria externa, perícia, recontagem ou qualquer procedimento externo ou associado de acompanhamento. Mesmo candidatos que apresentem provas consistentes de mau funcionamento de urnas são eventualmente condenados por litigância de má-fé. Afrontar a ordem posta é visto como algo temerário.
 
Dizem que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal que erra por último. Veremos se persistirá no erro no julgamento de mérito da ação.
 
Os partidos políticos da esquerda revolucionária, os movimentos sociais e populares e os eleitores devem tomar ciência da falibilidade e da insegurança das urnas eletrônicas brasileiras. A democracia representativa liberal brasileira é mais frágil e trágica do que se imagina.
 
 
 
Fontes para pesquisa: