Coggiola: "O problema da Europa é a incapacidade da esquerda, não a xenofobia"

18/06/2012 21:41

"O problema da Europa é a incapacidade da esquerda, não a xenofobia"

Em entrevista à Carta Maior, Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), analisa o crescimento de grupos de extrema-direita na Europa e as manifestações desses grupos em outras esferas da vida social, como está se vendo agora no caso da Eurocopa. Coggiola não vê risco de uma repetição do fascismo na Europa e diz que o fenômeno da xenofobia expressa decomposição social e falta de alternativas.

 

São Paulo - Em entrevista à Carta Maior, Osvaldo Coggiola constroi uma reflexão sobre o atual cenário europeu, indo da atividade dos grupos de extrema-direita à espetacularização do futebol. Coggiola é professor titular de História Contemporânea da Universidade de São Paulo, formado em Economia Política e História na Universidade de Paris VIII nos anos 70, recebeu a Medalha de Honra pela luta contra a ditadura militar na Argentina em 1988 oferecida pela Universidade Nacional de Córdoba.

Ao invés de jovens estereotipados de fácil identificação, cadeiras dos 'partidos' neonazistas alemães têm sido preenchidas por jovens com alto grau de instrução, alto poder aquisitivo e, em sua maioria, médicos. Diante deste quadro seria possível afirmar que o ideal de direita toma fôlego com esta crise econômica aguda? A crise da zona do euro pode alimentar convicções ultranacionalistas?

Sim. Porque também é um problema mais complexo, ao se falar de neonazismo. Ao dizer que estes grupos são neonazistas, ou são nazistas reciclados, não se está sendo fiel a verdade. Em primeiro lugar, porque praticamente em quase todos os países europeus, partidos nazistas, ou fascistas, são explicitamente proibidos. Está claro que são partidos de extrema-direita, sobre isso não há a menor dúvida.

Em segundo lugar, a base eleitoral que eles conquistaram tem mais a ver com uma espécie de demagogia populista. Ou seja, está claro que o mecanismo que eles representam se assemelha ao do nazismo - procurar diante da crise um bode expiatório, interno ou externo. Por exemplo, o caso mais notório que são os neonazistas da Aurora Dourada, ou o caso da Frente Nacional de Le Pen, estes partidos fizeram uma demagogia populista. O Aurora Dourada, por exemplo, pretende cercar a Grécia e impedir a entrada de estrangeiros para que não tirem o trabalho dos gregos. Este é um argumento de caráter demagógico.

No meu entendimento, não indica que estejamos às vésperas de um fascismo na Europa. Em primeiro lugar, este “fascismo” não vai ser a repetição do fascismo, porque a história não se repete. Segundo lugar, porque, por exemplo, na Grécia, o que o Aurora Dourada se propõe a fazer é defender a saída da Grécia da Zona do Euro, uma coisa que a esquerda não se anima a dizer. Portanto, nós temos uma esquerda que procura buscar uma composição dentro do sistema europeu.

Deste modo, nós temos este fenômeno de xenofobia que expressa uma decomposição social e uma falta de alternativas. Com a crise atual, não há alternativas e boa parte das pessoas que se sentem mais golpeadas pela crise procuram o bode expiatório que tem mais perto e aparecem partidos políticos que lhes oferecem bodes expiatórios na forma do estrangeiro, mas que não são antipolíticos, eles fazem política, eles propõe uma política que a esquerda não consegue propor, - que é o fim da União Europeia-, não para renunciar à unidade européia, mas sim para renunciar a uma Europa capitalista. Exatamente aquilo que a esquerda não quer propor. Embora a extrema esquerda, em alguns lugares, chegue perto desta formulação, mas não por completo.

Fato importante é que a base eleitoral da Frente Nacional, ou pelo menos uma parte significativa desta base, é o antigo eleitorado do Partido Comunista das zonas indústrias, ou seja, são os operários industriais europeus que estão votando em plena crise na extrema direita e que votavam antes com o Partido Comunista, então, portanto, não é o mesmo fenômeno nazista. Por exemplo, o nazismo nunca teve eleitores na classe operária, os que existiram foram todos muito marginais. O nazismo foi basicamente um movimento da pequena burguesia.

O futebol não é tratado como os outros esportes. Por ter um forte apelo popular foi transformado num espetáculo há muitos anos. Disputas continentais como a Eurocopa, em meio a este contexto de crise econômica, encenam constantes demonstrações de violência xenofóbica e racistas entre torcedores europeus, como as que se tem assistido desde o início da competição. Em que medida esta espetacularização inflama os sentimentos nacionais?

Bom, isto também é meio antigo, porque já acontecia há muito tempo. O primeiro que usou o futebol como meio de manipulação popular foi Mussolini na Copa de 34. Então, portanto, não é nenhum fenômeno novo, agora se generalizou, tem essa coisa dos torcedores croatas que faziam imitações de macaco enquanto Baloteli, jogador italiano que é negro, tocava na bola, o que não é nada de novo e agora se faz uma campanha contra o racismo e blá,blá,blá....

Possivelmente por que a torcida de futebol recruta indivíduos não entre a camada mais esclarecida da população, isso já se sabe. Quem despende o pouco que consegue poupar na vida para acompanhar e torcer por um time de futebol não é justamente a pessoa mais culta da sociedade, são pessoas que tem baixo nível de instrução, ou mesmo quando tem algum dinheiro e alguma instrução são pessoas burras. Então este fenômeno tem de ser combatido, sim tem de ser. Não acho que campanhas contra o racismo no futebol superem esse tipo de comportamento.

Sim o futebol contribui, é claro que contribui, inclusive para muitas outras coisas. Se as torcidas de futebol não se comportam de maneira xenófoba se comportam de maneira igualmente estúpida, digo isto por que eu era jogador de futebol na Argentina. E mesmo sem ter muita noção da coisa eu via o comportamento de torcida, o comportamento de bando, onde pessoas completamente cretinas e por outro lado completamente covardes se transformavam em valentões.

Dizer que isto é a crise do capitalismo não é verdade, mas é verdade que em tempos de crise isto tende a crescer, mas isto faz parte da sociedade, é uma coisa do progresso cultural da sociedade burguesa que ao contrário se transformou em uma regressão cultural. Então estes fenômenos aparecem cada vez mais. Quanto mais se desenvolve a internet, os telefones celulares, mais bárbaros você vê por aí... Mesmo porque até a barbárie consegue usar internet, qualquer porcaria dessas, portanto não é o progresso técnico que vai eliminar isto. É outro tipo de coisa que precisa ser reformulado por completo e as campanhas raciais são paliativos. São maneiras não de descarregar a consciência, mas são formas inclusive de manipular a opinião publica em torno disso.

No início dos jogos são reproduzidos os hinos dos países que entrarão em campo. Este momento profundamente simbólico acaba por trazer a bagagem histórica dos países para dentro da partida. Jogos como Rússia e Polônia não trazem este contexto, tanto para dentro como para fora de campo, como foi possível de se assistir esta semana durante os confrontos entre torcedores russos e poloneses?

Sim, foi muito violento, porque são países em que houve uma regressão social muito forte. Particularmente forte na Europa do leste onde há movimentos neonazistas de grande envergadura. Logicamente a rivalidade entre poloneses e russos é bem antiga, é melhor nem começar a falar.
Então, portanto, a briga entre os russos e poloneses não é a mesma coisa que a xenofobia contra negros e ciganos, são enfrentamentos de caráter nacional que se expressam de maneira deturpada.

Depois vem o discurso que não se deve misturar futebol com política… Este é um discurso completamente idiota, primeiro por que tudo se mistura com política, e segundo por que tudo se faz para que ele se misture, por exemplo, a execução dos hinos nacionais antes dos jogos. Onde se exalta o ânimo nacionalista do jogador, como disse Nelson Rodrigues: “A seleção é a pátria de chuteiras".

O problema então não seria o esporte em si mesmo, já que o futebol na verdade não é tratado como um simples esporte. O problema estaria na própria sociedade em que ele está inserido?

É assim, sempre foi assim e vai piorando com o tempo. O futebol se transforma num meio de vazão para as frustrações existentes na sociedade, as quais não encontram vazão dentro dela própria, então você cria um espaço artificial onde se tem vazão e este espaço é o futebol.

Então a Europa não está neste clima de fascistização?

Não. Há tendências, mas a fascistização está vindo dos Estados, dos governos e não dos grupelhos de direita. Os primeiros ministros de todos os países, inclusive da França socialista, se puseram de acordo que vão reintroduzir o passaporte interno na Europa, não vai ter mais esta livre circulação. Mas isto não foi feito pela extrema direita, isso foi feito pelos socialistas franceses. É por aí que vem o fascismo.

Uma democracia repressiva é o que tem mais chances de vingar neste momento, porque o fascista descarado precisaria de condições em que agora não existem.

É o que fez a esquerda com Chirac, que nas eleições de alguns anos atrás votou em Chirac que é de direita. Diante de Le Pen, que é da extrema direita, a esquerda votou em Chirac, que foi quem implementou todas as medidas racistas dentro da França. E por que votaram em Chirac? Porque o outro, Le Pen, era pior.

O problema da Europa é a esquerda, não é a xenofobia, não é nada, é essa esquerda. Uma esquerda que não consegue formular um programa para acabar de raiz com todas estas questões. Toda esta m... passa pela esquerda. Essa lei agora vai passar pelo parlamento Europeu e vai ser votada. A esquerda vai fazer as contas, se o voto dela não apitar nada, ou seja, se a direita consegue passar sem o voto da esquerda, a esquerda vai votar contra. Agora se esta votação depender do voto da esquerda, a esquerda vota a favor.

O problema é que questões ideológicas são secundárias, o problema é a luta de classes, como sempre. Toda esta questão de preconceito étnico eu não acredito, tudo isto é uma derivação do conflito de classes. Tudo é uma questão de preconceito de classe. No fundo está a idéia de luta de classes, porque a idéia de raças inferiores, ou qualquer coisa desse tipo que poderia ter algum sentido na Idade Média hoje não tem mais. É impossível a olho nu diferenciar, um cigano, um judeu, um alemão e um francês; são todos completamente iguais. A padronização cultural do mundo é praticamente absoluta, como em nenhuma outra época da história.

 

Fonte: https://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20384