Carta Maior: O 'partido dos ricos' perde popularidade na Inglaterra

29/03/2012 15:47

Carta Maior - [Marcelo Justo] O escândalo da troca de doações partidárias por acesso político facilitado ao governo golpeou duramente a imagem do Partido Conservador de David Cameron.


Uma pesquisa da Comress para o jornal britânico "The Independent", divulgada nesta terça-feira, dá aos trabalhistas uma vantagem de 17 pontos nas intenções de voto. A revelação de que entre os doadores que jantaram com o primeiro ministro encontra-se um empresário do setor do petróleo que se beneficiou com a queda do governo de Kadafi na Líbia vai piorar a situação. A principal razão desta drástica virada na percepção pública é que os conservadores são considerados hoje o "partido dos ricos".

A pesquisa apontou que dois em cada três eleitores tem essa imagem dos "tories". A consulta buscava medir a percepção pública logo após o anúncio do orçamento na quarta-feira passada, quando o ministro das Finanças, George Osborne, anunciou uma redução de impostos para os mais ricos e a eliminação de uma isenção tributária para os aposentados, o que reduzirá suas receitas nos próximos anos. Mas o estouro, no domingo, do escândalo "Cash for access" (dinheiro por acesso) permitiu uma medição diferenciada do estado da opinião pública antes e depois das revelações do Sunday Times.

Nas 337 entrevistas realizadas antes do escândalo os trabalhistas tinham o apoio de 39% da população, os conservadores tinham 35% e os liberais-democratas 11%. Nas 335 entrevistas feitas no domingo o panorama havia mudado radicalmente. Entre uma e outra sondagem estava a gravação com câmera oculta feita por jornalistas do Sunday Times que mostrava o então tesoureiro do Partido Conservador oferecendo, em troca de uma doação de 250 mil dólares, acesso a David Cameron e George Osborne e a possibilidade de influir na política governamental. Nesta segunda medição, a intenção de voto para os trabalhistas subiu para 47%, a dos conservadores caiu para 30%, enquanto que a de seus sócios liberal-democratas ficou em um magro 11%.

O primeiro ministro tentou acalmar as águas publicando segunda-feira uma lista de 12 doadores do Partido Conservador que visitaram sua residência em 10 Downing Street e a casa de campo oficial de Chequers, mas foi duramente criticado por negar-se a comparecer à Câmara dos Comuns e por não aceitar perguntas dos jornalistas. Além disso, a lista de Camerón deixou alguns dados comprometedores. Entre os convidados a jantar com o primeiro ministro aparece Ian Taylor, diretor da petroleira Vitol que financiou os rebeldes líbios e poderia se beneficiar com contratos milionários neste país a partir da queda de Kadafi. Cameron foi um dos artífices da aliança internacional para derrubar o líder líbio, apesar de ter vencido as eleições de maio de 2010 declarando-se contrário a aventuras militares ao estilo do que ocorreu no Iraque em 2003.

Outro convidado a jantar com o primeiro ministro foi Michael Spencer, diretor do ICAP, o mais importante corretor de transações financeiras de Londres que, em uma entrevista em fevereiro, indicou que sabia de primeira mão "por um alto membro do governo a quem conheço pessoalmente, que vetarão um imposto europeu às transações financeiras". Entre os 12 convidados da lista de Cameron, somam-se 17 milhões de libras em doações ao Partido Conservador.

A aresta mais afiada do escândalo é a oferta que o hoje ex-tesoureiro do Partido Conservador, Peter Cruddas, fez aos jornalistas do Sunday Times que se fizeram passar por executivos de um fundo de investimento com sede no paraíso fiscal de Liechenstein. Cruddas ofereceu canalizar suas doações por meio de uma empresa britânica para burlar a lei que proíbe as empresas estrangeiras de financiar partidos políticos. Esse dado será o eixo da ofensiva trabalhista que está solicitando uma investigação independente sobre o "cash for affairs".

A política, do mesmo modo que a vida, como sempre traz surpresas. O principal aliado da ofensiva trabalhista é o magnata australiano Ruppert Murdoch que apontou com suas principais publicações – The Sun, The Times e Sunday Times – para os ingratos conservadores que, uma vez no governo, tentaram salvar-se do escândalo das escutas telefônicas jornalísticas, ordenando uma investigação do grupo Murdoch.


Tradução: Katarina Peixoto

Fonte:https://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19847