Adrián Fanjul: USP, projeto totalitário, tiros no pé

03/11/2011 10:32

Um convênio assinado no dia 8/9 entre a reitoria da USP e a Secretaria de Segurança Pública do estado (SSP) tem dado lugar a uma presença ostensiva da Polícia Militar no campus Butantã que, longe de direcionar-se ao combate contra criminosos, parece mais dedicada a uma vigilância sobre estudantes, funcionários e professores, que crescentemente foi dando lugar a humilhantes abordagens e revistas de pessoas.

Já na sua edição de outubro, o Jornal do Campus informava a abordagem de um aluno motivada por “olhar feio” (segundo os próprios policiais) e registrava desconfiança, inclusive de membros da Guarda Universitária, em relação à presença e aos critérios de periculosidade usados pela PM. Nessa mesma matéria do Jornal do Campus, informava-se que, enquanto a PM abordava alunos, havia acontecido um roubo ao Centro Acadêmico e à Atlética da ECA.

No dia 27 de outubro, efetivos da PM realizaram múltiplas abordagens na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, inclusive dentro dos prédios e da biblioteca, situação evidentemente não relacionada com o combate ao crime e que não pode deixar de nos remeter ao conjunto do clima de intimidação que a gestão Rodas instala na sua relação com a Universidade.

Da mesma maneira que as demissões de funcionários no começo do ano, com base num plano não consultado com nenhum diretor das unidades afetadas, igual que as aquisições de imóveis e deslocamentos de áreas, agora as rondas policiais são realizadas sem explicação nenhuma sobre seu sentido, antes de tudo como um modo de afirmar “eis aqui a autoridade, a força a vigilância”.

O modo conspirativo escolhido pela reitoria para gerir a Universidade baseia sua eficácia imediata na desproporção, na naturalização da existência de um poder cujas decisões não poderiam ser revertidas por ninguém.

Porém, esse rumo totalitário acaba de sofrer um acidente de percurso. No mesmo dia 27 de outubro, a tentativa da PM de prender 3 alunos em posse de maconha gerou uma revolta entre os estudantes presentes, e deflagrou um questionamento público de grandes repercussões em torno da validade desse acordo com a SSP, bem como discussões no campus todo sobre outras respostas possíveis aos problemas de segurança.

Mas se incluímos no título desta matéria a menção de “tiros no pé” é porque nesta ocasião, como em outras durante a gestão Rodas, entrou em cena um setor que resulta completamente funcional ao projeto totalitário e cujas ações têm a constante de desviar a atenção toda vez que esse projeto é ameaçado. Um setor de estudantes ocupou, com base na votação apertadíssima de uma assembléia improvisada, a Administração da FFLCH, única Faculdade da USP que tem se pronunciado constantemente, por meio da sua Congregação, contra vários passos dados pela reitoria.

Com efeito, a FFLCH foi contrária às demissões de funcionários no começo do ano, várias delas já revertidas por ordem judicial, manifestou-se contra os processos em andamento que afetam estudantes e funcionários e contra o regimento de 1972 que os embasa, opôs-se à precarização e terceirização do trabalho na Universidade e questionou o acordo já mencionado com a Secretaria de Segurança.

A absurda ocupação foi encerrada pela assembléia de estudantes de 1 de novembro, e ainda veremos se o grupo ocupante acata a decisão dessa assembléia, muito maior do que a anterior. Por enquanto, foram ocupar a reitoria, em uma ação ainda mais minoritária e sem apoio, um verdadeiro convite a que aconteça mais uma ação repressiva.

Um dos modos de justificar o bloqueio do prédio da FFLCH foi uma grotesca falsificação sobre qual teria sido a atitude da diretora da unidade, Sandra Nitrini. Em um documento inicialmente atribuído aos ocupantes, bem como em sites e panfletos das organizações políticas que os apoiaram, foi dito que a diretora teria favorecido que os alunos fossem levados pela PM, ou que os teria persuadido de irem à delegacia.

Em alguns desses meios chegou a ser incluído na acusação o próprio DCE, como entregando estudantes à polícia. Os próprios alunos flagrados com maconha desmentiram já publicamente ambas as infâmias, em nota divulgada pelo seu centro acadêmico. Também a direção do sindicato dos funcionários, SINTUSP, em uma demonstração de absoluta irresponsabilidade política, no seu Boletim 86, de 1/11/2011, fez eco dessas acusações, escrevendo que “a diretora Sandra Nitrini e a professora Marlene, da História Antiga da FFLCH, tentavam convencer os estudantes de irem até a delegacia e assinar um documento assumindo que portavam maconha” e “Um absurdo a diretora e uma professora da FFLCH entregar estudantes para a policia para criminalizá-los”. Haverá uma retratação pública da direção do SINTUSP agora, diante da palavra dos supostos “entregues”?

Outra ocasião em que os mesmos setores montaram um episódio que desviou o foco em relação a um fato extremamente desfavorável à reitoria foi quando da greve de terceirizados da limpeza em abril deste ano. A previsível solidariedade de estudantes, funcionários e docentes da FFLCH com os trabalhadores que não recebiam seu salário foi neutralizada pelo reiterado ato de espalhar montes de lixo nos corredores dessa Faculdade (EXCLUSIVAMENTE dessa Faculdade).

Desse modo, a responsabilidade da reitoria pela manutenção e crescimento de um trabalho terceirizado desumano e que onera grandemente a Universidade foi constantemente opacada pela irritação provocada pelo lixo, que não fez mais do que arrastar docentes, funcionários e estudantes para uma posição ainda mais contrária a todo movimento grevista ou de protesto.

Que esses grupos tão incapazes de angariar qualquer simpatia política para uma causa justa consigam realizar algumas escaramuças e happenings como as que comentamos se relaciona diretamente com a quase absoluta falta de mobilização dos setores que poderiam promover uma transformação democrática na Universidade, e alimenta essa passividade. No adormecimento, soa mais forte essa voz ou, no outro (?) extremo, a dos que consideram que o campus deve ser uma extensão dos condomínios fechados ou dos prédios de luxo que sonham com habitar ou habitam, longe dos perigos da pobreza, das raças, das minorais, da “gente diferenciada”.

Porém, o resultado da assembléia estudantil que votou a desocupação do prédio da FFLCH e a continuidade da mobilização, com outras formas, contra o projeto autoritário, é o primeiro sintoma, em muitos anos, da possibilidade de uma nova voz. Sua sintonia com o sentimento democrático que, apesar das provocações, prevaleceu na FFLCH, é auspiciosa. Em 2011 há novas vozes no mundo, e, afinal, a USP, e o Brasil, são parte dele. Irremediavelmente otimista, aposto nisso. No quê, se não?

Adrián Pablo Fanjul é professor do Departamento de Letras Modernas da FFLCH/USP

 

Fonte: viomundo.com.br