A greve nas universidades e o silêncio, por Maurício Caleiro

24/05/2012 14:50

A greve nas universidades e o silêncio

 
Por Maurício Caleiro

A greve dos professores das universidades e institutos federais é, antes de mais nada, desnecessária.

Afirmo isso não no sentido de acusar os grevistas por um gesto que seria leviano ou irresponsável – pelo contrário: o ônus por essa paralisação deve ser atribuído tão-somente ao misto de descaso, arrogância e teimosia com que o governo Dilma Rousseff vem tratando os docentes federais e suas demandas.


Bastaria um pouco mais de boa vontade por parte do governo, ao invés de seguidamente “enrolar” os representantes dos professores, adiar a tomada de decisões e, no que já parece ser um traço distintivo do “estilo Dilma”, tensionar ao máximo a questão e, ao mesmo tempo, recusar-se a agir sob pressão, e a greve – que neste momento se amplia e que acabará por penalizar professores, funcionários e, sobretudo, alunos - teria sido facilmente evitada.

Protelação e má vontade

O governo firmara, em 2011, um acordo com o sindicato da categoria se comprometendo a instaurar o Plano de Carreira da categoria até março de 2012. Agora, em final de maio, o MEC anuncia que a medida ficou para 2013.

De modo similar, no ano passado o governo concordara, após tensas negociações, em conceder um aumento de míseros 4% aos docentes a partir de março de 2012. Foram necessários, porém, seguidos dias de paralisação em protesto e a ameaça concreta de greve no início deste mês para que uma Medida Provisória fosse assinada, finalmente tornando efetivo (e retroativo) o aumento anteriormente acordado. Pergunto: por que humilhar assim uma categoria, se o aumento já fora acertado?

Os exemplos dos parágrafos acima fornecem uma boa medida dos termos em que se dão as relações do governo com os docentes, cujas demandas são invariavelmente proteladas: a má vontade evidente e os prazos sempre vencidos demonstram de forma cabal que a Educação só é prioridade para o governo Dilma nas propagandas eleitorais. Na prática, a teoria é outra: foi preciso que a greve estourasse para que o MEC viesse a público procurando justificar os atrasos e afirmando manter os canais de comunicação abertos (o que é, sem dúvida, positivo, sobretudo se comparado às práticas do governo FHC - mas vale assinalar que continuar a tomar FHC como parâmetro é perpetuar o inaceitável).

Salário defasado

Além desses problemas, persiste sem encaminhamento uma das principais demandas dos professores – que o que recebem a título de gratificação (uma malandragem contábil dos governos anteriores ao de Lula) seja incorporado ao salário, como ocorre com a vasta maioria dos assalariados do país.

Aliás, a questão salarial, que havia recebido atenção do ex-presidente petista até o início de seu segundo governo, volta a se mostrar em um patamar periclitante. O vencimento médio de um professor adjunto com contrato para 40 horas semanais, mesmo contando com as tais gratificações, é de cerca de um terço do que percebem juízes, promotores e membros dos legislativos municipais, estaduais e federal – sendo que todos, via de regra, com uma formação bem mais curta e menos especializada do que a de um professor-doutor, o qual, recebendo, na melhor das hipóteses, uma ajuda de custa simbólica, passa quase uma década lendo, pesquisando, se adestrando intelectualmente e sendo periodicamente avaliado por seus pares ou orientadores até que esteja pronto para se tornar mestre e, depois, se doutorar.

O professor Pierre Lucena (UFPE) dimensiona o grau de defasagem salarial: "Só para terem uma ideia da distorção, em 2003 um pesquisador com doutorado do Ipea ganhava R$ 300,00 a menos que um professor com doutorado na Universidade. Hoje ele ganha R$ 5 mil a mais que a gente. O mesmo acontece com o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia]".

Situação de penúria
Para além da questão salarial, há demandas urgentes e denúncias preocupantes. Na nota oficial que divulgou à sociedade, o Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES) denuncia um quadro bem diferente daquele pintado pelo marketing oficial, relatando “instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de aulas, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade de ensino”.

Tais carências afetam, sobretudo, as novas universidades criadas durante o governo Lula. E vêm se somar a um problema que venho reiteradamente denunciando aqui: a contratação dos chamados “professores temporários” para dar aula em tais campi.

Qualidade da inclusão
Com um contrato de trabalho ainda pior do que o de professor substituto – e inaceitável numa democracia avançada - essas vagas mal remuneradas, sem benefícios, estabilidade ou período pré-determinado de vigência, naturalmente pouco atraem candidatos com titulação de mestre ou doutor – ausência de titulação que, por si, é um impedimento ao desenvolvimento de pesquisas, já que as agências de fomento que as financiam têm um padrão mínimo de exigência quanto a isso.

A prorrogação indefinida dessa situação – que já vem se arrastando por alguns anos – pode gerar efeitos altamente indesejáveis, seja no nível de formação dos estudantes, na quantidade e qualidade da pesquisa pelas novas universidades desenvolvidas ou na consolidação de uma distinção axiológica entre dois grupos muito díspares entre si de universidades federais.

A principal questão que se coloca é: a inclusão de novos estratos sociais na universidade é para valer – ou seja, oferecendo a todos um ensino do melhor nível possível – ou, a despeito dos esforços democratizantes, ela acabará por servir à repetição, no interior da universidade, da brutal assimetria social que se verifica na sociedade brasileira? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro do Brasil em termos de educação e trabalho.

Mídia e militância
É importante, aqui, abrir parênteses para um comentário sobre a postura da mídia ante os problemas da educação em âmbito federal: embora não costume perder uma oportunidade de atacar o governo chefiado por Dilma, mantém o mais completo silêncio quanto à questão. Explica-se: a demanda por melhores salários, condições de trabalho e adoção de um Plano de Carreira que estabilizaria, a longo prazo, a profissão docente contraria frontalmente a orientação neoliberal para a estruturação do ensino superior, que recomenda sua privatização e instrumentalização como apêndice dos setores empresariais e industriais privados.

A novidade é a repetição de uma estratégia de avestruz também por parte de setores governistas na blogosfera e nas redes sociais, como forma de mitigar ou mesmo esconder a gravidade do estado de coisas no ensino federal privado. Não deixa de haver alguma ironia sinistra no fato de que vários dos que se autoproclamam inimigos figadais da mídia corporativa adotem a mesma estratégia do silêncio por esta empregada, quando, para eles, o que está em jogo é a paixão político-partidária e não a luta por uma sociedade mais justa.

Longo caminho

Há um longuíssimo caminho a ser percorrido pela administração Dilma para consubstanciar em realidade a promessa – reiterada durante a campanha eleitoral e reforçada no discurso de posse – de que a Educação seria uma prioridade em seu governo. Pelo que estamos vendo até agora, nesses 17 meses, estamos bem longe disso.
 
Fonte: https://professoresemlutaufal.blogspot.com.br/2012/05/greve-nas-universidades-e-o-silencio.html